Você vai ver que eu uso apenas ternos azuis ou cinzas. Estou tentando minimizar minhas decisões. Não quero decidir sobre o que eu estou comendo ou vestindo. Eu tenho muitas outras decisões a tomar”.

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Parece a declaração de alguém com TOC, mas são as palavras do presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama, ao jornalista Michael Lewis, da revista Vanity Fair.

A opressão do cargo é tamanha que apenas uma rotina de extrema disciplina pode suprir sua necessidade perpétua de aspirar mais, de ser o que tantos assessores e amigos já declararam: uma pessoa altamente autoconfiante e de uma competitividade feroz. Há um custo quase desumano ao longo do processo: as surpresas se tornam raras e perde-se a possibilidade de deparar com o inesperado, com a surpresa agradável, como já disse uma vez o presidente.

– Ele responde muito bem à pressão. Não entra em pânico e sempre mantém a compostura. Eu conversei com pessoas que faziam trabalho comunitário e o conheceram antes da fama e que o consideram um ser humano muito carismático, capaz de participar mas não dominar as negociações – conta o jornalista britânico radicado nos EUA Sasha Abramsky, autor do livro Inside Obama’s Brain (Dentro da Cabeça de Obama, em tradução livre).

Confira fotos da trajetória de Barack Obama

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Atualmente, em Washington, a capital da elite do poder, Obama tem fama de ser solitário, arrogante e cerebral. Abramsky, que entrevistou mais de cem pessoas ligadas ao presidente para escrever seu livro, acredita que o presidente se sente desconfortável com as obrigações cerimoniais do poder:

– Ele é um solitário, mas não é sozinho. Não gosta de muita coisa que vem com a política. Ao contrário de Bill Clinton ou George W. Bush, que adoravam esses encontros políticos cheios de tapinhas nas costas e apertos de mão, ele não quer compartilhar seu espaço pessoal com estranhos.

Obama, talvez por isso, coleciona as rugas decorrentes da profissão. Utilizou-se de sua grande capacidade de gerenciar pessoas para sua maior vitória: a aprovação da proposta de reforma da saúde em um Congresso extremamente dividido. Se os dois primeiros anos foram fáceis de governar por ter maioria no Legislativo, a partir de 2010 a situação se inverteu, e os republicanos tomaram a Câmara dos Deputados, articulando uma oposição encarniçada contra os projetos obamistas. Depois de dois anos de lutas e muitas derrotas, analistas americanos questionavam se era possível que o mais popular político americano não fosse lá muito bom no jogo político do país.

Obama parece estar feliz com o que está fazendo agora – atravessando o país em uma campanha enérgica e, claro, extremamente competitiva. Uma das conclusões a que Abramsky chegou no final do livro foi que o presidente gostava realmente de ficar à frente de multidões de pessoas comuns e falar sobre questões políticas do país.

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Quando estava no senado de Illinois, em Springfield, Obama mantinha seu círculo restrito. Possuía, entre os colegas, um pequeno grupo com quem jogava pôquer, mas, quando podia, ia direto para Chicago ficar com a mulher, Michelle, e filhas Sasha e Malia. E ainda assim, ele conquistou o respeito em diversos espectros ideológicos, mesmo mantendo o ar de outsider político.

A solidão encravada na sua personalidade e aprofundada pelo poder se refletiu inclusive na sua política externa. Não pela opção acertada de dar um fim em Osama bin Laden, mas pela decisão quase semanal de autorizar os ataques de drones (aviões não tripulados) contra inimigos do dos Estados Unidos no Paquistão ou no Iêmen. Uma imagem que lhe rende votos pela ideia de proteção ao país, mas o desgasta pela naturalidade com que exerce o papel de juiz que, a um comando, se arroga do poder de fazer desabar dos céus a morte sobre os inimigos.

É pela realidade desmistificada pela autoridade que a obamania de 2008 perdeu o ímpeto. Incapaz de inflamar novamente a esperança, com uma economia entre a paralisia e o avanço esquálido, Obama viu seu adversário crescer desde o primeiro debate presidencial e agora está envolvido em uma campanha ininterrupta por cada voto americano. O jeito cool, a voz aveludada e os discursos magnéticos ainda encantam, mas o homem perdeu para sempre o status de Orfeu negro.