Revolução nenhuma resiste ao enfado

Certas bandas já fizeram tanta coisa boa que cada manifestação artística sua requer reverência, condescendência e, como não?, paciência. É o caso do grupo inglês Gang of Four, que está lançando o disco What Happens Next. Não se pode recebê-lo sem considerar que o quarteto incendiou o pós-punk com Entertainment!, em 1979. Que a fúria & inspiração da estreia foi arrefecendo nos trabalhos seguintes. E que, 36 anos e oito álbuns depois, a gangue pertence a só um: o guitarrista Andy Gill, único remanescente da formação original.

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OK, seria tolice esperar aqueles acordes afiados e dançantes que influenciaram de Nirvana a Franz Ferdinand com mísseis sonoros como I Found That Essence Rare e Damaged Goods – esta última teve até seus versos aproveitados pelos Titãs em Corações e Mentes (“O teu beijo é tão doce / O teu suor é tão salgado/ Às vezes acho que te amo / Às vezes acho que é só sexo”). Mesmo que não chegue perto dos clássicos do quarteto, o novo disco tem seus momentos. Com a devoção esparramada pelo atual vocalista John Sterry, Isles of Dogs, First World Citizen e Stranded entrariam redondas no repertório do U2.

Confira o áudio de Stranded

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O diabinho aqui do lado fica indignado: justamente por hoje lembrar a empresa de Bono Vox que o Gang of Four merece a danação eterna. Menos, menos. No início da carreira, o discurso político de ambos mirava inimigos em comum, as armas é que eram diferentes. Mas, vendo o que um e outro se tornaram, indignar-se com o que sobrou da “camarilha dos quatro” (nome extraído do termo com que o governo chinês referia-se à facção da viúva de Mao Tse Tung, expurgada do poder após a morte do marido) não deixa de ser a atitude mais sensata.

Confira o áudio de Damaged Goods

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Camaradas à beira-mar

Em 8 de setembro de 2006, o Gang of Four apareceu em Florianópolis bancado por uma bebida metida a pop para um show com uma banda alienada em um templo da burguesia. A grupo era uma das atrações do Campari Rock, que levou também os Cardigans ao Costão do Santinho. Mas nem a formação histórica (Gill, o vocalista Jon King, o baixista Dave Allen e o baterista Hugo Borhan), nem o espancamento de um micro-ondas no palco comoveu a plateia, que só queria ver a loirinha Nina Persson cantar Lovefool. Diante da beleza sueca, não houve engajamento que resistisse.

Confira o vídeo da música Ether no show em Florianópolis

RÓTULO DA HORA | RAPSICORDÉLICO

O quê: A poesia falada do rap com a métrica dos cordéis.

Onde: Na estreia solo de Gaspar, rapper do grupo paulistano Z?África Brasil.

Como: Com participações de Zeca Baleiro, Emicida, KL Jay (Racionais MC?s) e Lirinha (Cordel do Fogo Encantado), entre outros.

Qual é: A proposta de apresentar “ritmos sincopados regionais em uma roupagem moderna que se apropria dos timbres eletrônicos em diálogo com instrumentos acústicos” é interessante – na teoria. Na prática, com muito boa vontade salva-se Rapinbolada, com Baleiro.

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Confira o áudio do disco