Em meio aos rumores no Congresso Nacional sobre um possível projeto para anistiar o caixa 2 das campanhas eleitorais, a maior parte da bancada federal catarinense defende uma discussão mais ampla e rechaça que qualquer proposta tenha o objetivo de livrar corruptos da punição. Para deputados e senadores do Estado, o caminho passa por uma nova – e desta vez eficaz – reforma política e por estabelecer diferenças claras do que é doação fruto de propina e do que tem origem lícita, embora não declarado na prestação de contas.

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O tema chegou a ser proposto no pacote anticorrupção aprovado na Câmara em 2016, mas acabou retirado por causa da repercussão negativa. Na época, deputados articularam votar em plenário uma emenda ao pacote de medidas de combate à corrupção que, em vez de reforçar a atuação dos crimes, faria justamente o contrário e poderia blindar parlamentares e outros políticos de eventuais punições por terem recebido recursos não contabilizados.

O assunto voltou a ganhar os holofotes do mundo político em fevereiro deste ano, em reação a um inquérito da Polícia Federal sobre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM). Nele, a PF aponta indícios de crime de corrupção por suposto benefício à empreiteira OAS em troca de doação eleitoral.

– Acho que nós temos que ter uma pauta que faça a reforma política, salvar a democracia, salvar a causa e não a pessoa. Há 30 anos que se tem caixa 2 como algo normal, então temos que ter um processo de reforma política que inaugure uma nova conduta do processo eleitoral. Temos que pensar o Brasil e a democracia como valor universal. Se não for assim, vamos continuar a criminalizar a política – argumenta o deputado Décio Lima (PT).

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Novo coordenador do Fórum Parlamentar Catarinense, João Paulo Kleinübing (PSD) diz que hoje não existe nenhum projeto em discussão na Casa no sentido de anistiar o caixa 2 e afirma que, em princípio, é contra qualquer tipo de anistia para qualquer tipo de crime. O deputado ressalta, porém, que é preciso atenção ao lidar com o tema.

– Ambos são irregularidades, mas não podemos generalizar. Há diferenciação entre o uso de recursos não declarados para a campanha eleitoral e o uso de recursos para o enriquecimento ilícito – pondera.

Há também quem considere que cada caso precisa ser interpretado de uma forma e que cabe ao Supremo Tribunal Federal, Ministério Público e Polícia Federal “separar o joio do trigo” – o que é corrupção do que é doação não declarada de valores legais, com divergências entre parlamentares se essa segunda prática deve ou não ser enquadrada como irregularidade.

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Clique na imagem para conferir as opiniões de todos os parlamentares (Foto: Arte / DC)

OAB e Conselho de Contabilidade repudiam desvio em campanhas

O que existe hoje na legislação eleitoral é que, se o candidato deixa de declarar algum valor na prestação, isso caracteriza inicialmente um ilícito administrativo. Sem natureza penal, ele pode gerar até uma cassação de diploma ou de mandato. O que se discute agora é uma figura penal, que seria crime. E aí é que entra a questão da anistia: como uma lei penal não retroage para punir, há quem entenda que essa criminalização agora livraria políticos que usaram do caixa 2.

– A OAB é contra qualquer tipo de anistia, mas precisa diferenciar o que é anistia, perdão judicial de um crime, e o que seria irretroatividade. Todas as irregularidades que tenham ocorrido até hoje devem ser apuradas e combatidas com base na legislação vigente até agora. Agora, a partir da tipificação penal, entra na legislação que torna específico o crime de caixa 2 – argumenta o advogado e presidente da comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB/SC), Pierre Vanderlinde.

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Vanderlinde reforça que se o caixa 2 for furto de propina, esse desvio de dinheiro público já caracteriza corrupção e outros crimes contra a administração pública e tem punição penal.

Na semana passada, o Conselho Regional de Contabilidade de Santa Catarina (CRC/SC) emitiu uma nota de repúdio à prática do caixa 2. No texto, o Conselho afirma que “tentar diminuir a gravidade dessa conduta nociva e desonesta só pode ter duas explicações: desinformação ou má-fé”.

– Não podemos aceitar que os políticos entendam um crime como uma coisa normal. Senão eles acabam com a contabilidade, porque qualquer coisa vale (na prestação de contas) – diz o presidente do CRC/SC, Marcello Alexandre Seemann.

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TRE defende leis mais rígidas

A Justiça Eleitoral considera que os dois tipos de caixa 2 são irregularidades que não têm grande diferença de gravidade entre elas. A secretária de Controle Interno e Auditoria do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC), Denise Goulart Schlickmann, diz que ambos os casos omitem valores. Embora, é claro, as situações sabidamente envolvendo propina tenham associação com desvio de recurso público, sonegação e evasão de divisas.

– Para nós é extremamente grave a ocultação de valores. A movimentação fora das contas declaradas impede que a Justiça identifique fontes que não poderiam doar, recursos de origem desconhecida que não se pode dizer que é legal – destaca.

Denise avalia que criminalizar o caixa 2 e criar leis mais rígidas e específicas são caminhos importantes, mudando uma prática que foi banalizada durante décadas. Ela ressalta, porém, que nenhuma reforma política ou eleitoral será suficiente sem dois pontos fundamentais para coibir a irregularidade: transparência e participação popular.

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– Quando se traz à luz todas as doações e despesas e a população e nós conseguimos acompanhar, você vê o caixa 2 nessa linha indireta. Se vê quem doou e onde aplicou, então se a pessoa souber de outro doador que não consta ali, é caixa 2.