Do quintal de casa, o olhar de Valdecir da Silva, 48 anos, consegue alcançar todo o bairro em que ele vive, o Boa Vista, e ainda parte do Guanabara, do Fátima e do Adhemar Garcia. Vê também a Lagoa do Saguaçu e a Serra do Mar. É como um pequeno mirante particular, localizado no terreno herdado dos pais, onde ele vive há 28 anos, em uma das ruas que ficam ao pé do Morro da Boa Vista. Ali, recebe visitas de saguis e de urus, e escuta o canto dos pássaros como em poucos lugares da cidade.
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– Com o tempo, a gente vai se acostumando com a paisagem. Mas muita gente sobe até aqui só para olhar a vista – conta.
A casa de Valdecir fica perto do fim do asfalto e teve direito a escritura, mas ele sabe que há pelo menos mais 30 famílias que vivem entre as árvores do ponto mais alto da região urbana de Joinville. De lá, ele pode ver o local onde outro morador do Boa Vista guarda a canoa de madeira para, de vez em quando, se aventurar pelo braço da Lagoa do Saguaçu que passa em frente a sua casa. Depois que Pedro Michels Heidemann, 47 anos, se mudou para a “avenida Beira-mangue”, o irmão dele, Levino, se empolgou com a proximidade com a natureza.
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– Foi ele quem comprou o barquinho e deixa preso aqui na frente de casa. Às vezes, a gente sai pra pescar, pra pegar sirizinho, mas só pra brincar. É um jeito de relaxar – afirma Pedro.
É difícil ele sair com a canoa sem o irmão, a não ser quando a filha caçula, Alessandra, de seis anos, pede para dar uma volta. Então, com o colete salva-vidas bem preso na menina, eles esquecem por alguns instantes que estão em uma grande cidade e “navegam” enquanto observam o manguezal. Apesar deste benefício, Pedro só não se preocupa com alagamentos porque construiu a casa com bastante distância da rua.
– Mas, naquelas chuvas mais fortes, a rua inteira vira um “rio” e entra águas no terreno de alguns vizinhos – recorda ele.
Valdecir e Pedro vivem a cerca de 1,5 quilômetro um do outro. Ambos são naturais do Paraná, trabalharam boa parte da vida em indústrias da região
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– Valdecir como vigilante, Pedro como operador de forno – e, apesar de encontrarem paisagens bem diferentes ao acordarem de manhã, vivem no mesmo bairro. Outra semelhança os aproxima: ambos estão lado a lado com áreas de preservação ambiental, característica forte do bairro Boa Vista. O Morro da Boa Vista, com 220 metros de altitude, é uma Área de Preservação Permanente (APP) e é protegido pela Lei da Cota 40. O manguezal é um ecossistema costeiro de transição entre os ambientes terrestres e marinhos e carrega o mesmo título de APP.

Área não fazia parte da colônia
Há 166 anos, quando os imigrantes europeus começaram a chegar na região, o Boa Vista já existia e tinha esse nome, ainda que fosse apenas um vilarejo, com suas terras ocupadas por fazendeiros brasileiros. Ele não fazia parte da Colônia Dona Francisca, já que as 25 léguas de terras do empreendimento tinham seus limites até a margem direita do rio Cachoeira.
As terras onde Valdecir hoje vive, no entanto, eram desmatadas para retirar lenha para as construções das novas casas e para fazer fogo. Já a Lagoa do Saguaçu, que chega fininha em meio ao manguezal na frente da casa de Pedro, era a garantia dos pescadores e local de parada de barcos.
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