Por Marcela Benvegnu | Especial*
Paloma Herrera é daquelas bailarinas que quem viu dançar não esquece. Que quebrava a quarta parede e fazia com que o público suspendesse a respiração por alguns instantes. Argentina de nascimento e americana por trajetória, começou a fazer aulas de balé clássico com Olga Ferri aos sete anos. Aos 11, já tinha estudado na Minsk Ballet School, na Rússia, e no Instituto Superior de Arte do Teatro Colón, na Argentina. Após ser finalista na XIV International Ballet Competition, em Varna, na Bulgária, aos 15 anos, foi convidada por Natalia Makarova para fazer aulas com o English National Ballet, em Londres, e por Hector Zaraspe para continuar seus estudos na School of American Ballet – a Escola do New York City Ballet – em Nova York. Escolheu ir para Nova York e se tornou a maior prodígio da sua geração. Ingressou no American Ballet Theatre (ABT), como membro do corpo de baile em 1991, dois anos depois foi promovida a solista e aos 19 anos a bailarina principal, se tornando a mais jovem da história da companhia no cargo.
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O feito de ter essa artista mais próxima dos brasileiros está próximo. Ela estará em Joinville, no Teatro Harmonia Lyra, de 20 a 24 de julho, para ministrar aulas pela primeira vez, dentro do projeto Artes do Palco, dirigido por Darling Quadros, muito conhecido por fomentar a dança catarinense. Bailarinos e professores brasileiros poderão conhecer mais desta artista, que foi primeira bailarina de uma das mais importantes companhias do mundo, por mais de 24 anos, se tornou professora, e posteriormente diretora artística do Ballet do Teatro Colón, na Argentina, cargo que acabou de renunciar.
Neste mês em que se comemora o Dia Internacional da Dança, neste 29 de abril, Paloma conversou com o AN sobre a sua trajetória, obras marcantes, o que ela procura em um bailarino e, claro, sobre a sua vinda ao Brasil. Um depoimento carregado de sentido e de movimento desta artista considerada uma das bailarinas mais importantes do século pela Revista Dance Magazine. Confira:
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Antes de começarmos a nossa conversa, gostaria de saber como você se descreve.
Eu sou uma apaixonada. Qualquer coisa que faço precisa de paixão, intensidade e amor. Essa tríade foi a chave da minha carreira, é muito do que eu sou, como encaro as coisas. Acredito que sejam minhas principais características como pessoa.
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Nós te conhecemos como um prodígio, um fenômeno do balé. Como foi para uma adolescente de 15 anos se mudar de Buenos Aires para Nova York para estudar na School of American Ballet?
Hoje eu tenho uma visão diferente da que tinha com 15 anos. Agora que me aposentei, sou professora, mentora, posso ver que quando eu era pequena, eu realmente era muito avançada para minha idade e o quanto fui forte. Naquele tempo, eu achava que era normal pegar minhas coisas e me mudar de país para dançar. Eu comecei aos sete anos na Escola do Colón, aos nove eu já ganhava prêmios internacionais, então para mim isso era algo natural. Não ligava para os prêmios, só pensava em dançar. Quando recebi o convite, não pensei duas vezes.
Tudo na sua vida aconteceu cedo. Você foi nomeada bailarina principal, de uma das mais prestigiosas companhias do mundo, o American Ballet Theatre (ABT) aos 19 anos, tendo entrado na companhia aos 15 anos.
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Eu não tinha muita consciência. De novo, só queria dançar as obras, mais do que ser nomeada. Eu tinha fome de balé. Foi dançando “Theme and Variations”, de George Balanchine (1904-1983), uma obra de grande dificuldade técnica que fui promovida. Tive momentos muito especiais nessa idade, como uma noite de abertura de temporada no Metropolitan, em que dancei “Dom Quixote”, uma versão do Kevin Mckenzie (diretor artístico do ABT), com o Julio Bocca. Tudo foi acontecendo ao mesmo tempo: ser promovida, abrir uma temporada do MET, dançar com o Bocca. Kevin sempre foi um diretor generoso, me deu inúmeras oportunidades, me permitiu dançar como convidada com muitas companhias pelo mundo (como New York City Ballet, Bolshoi Ballet, Tokyo Ballet, Kirov Ballet, entre outras). Foi o começo de um novo patamar na minha carreira.

Você dançou dezenas de balés como protagonista. A lista é grande – “Dom Quixote”, “Romeu e Julieta”, “La Bayadère”, “O Lago dos Cisnes”, “O Corsário”, “Coppélia”, “Cinderella”, “Giselle”, “Raymonda”, “Sylvia”, entre outros. Existe algum que foi mais importante ou que você notou seu crescimento ao longo do tempo, fazendo a mesma obra, mas de forma diferente?
Tive a oportunidade de dançar muitas coisas porque eu era jovem e fiquei mais de vinte anos como primeira bailarina. E melhor que isso foi poder fazer muitas e muitas vezes um mesmo papel, como em “O Corsário”, “Dom Quixote”, “O Lago dos Cisnes” ou “Giselle”. A cada obra eu colocava uma barra acima e procurava algo diferente no sentido do personagem, da própria história ou do partner, isso me fazia crescer como como artista. Outro ponto foi me envolver em criações, participar do processo do coreógrafo que criava para a gente, como a Twyla Tharp, o Nacho Duato, o Alexei Ratmansky. Sempre é interessante. Seja numa criação ou numa remontagem, buscamos a perfeição, buscamos ser melhores do que éramos. Todas foram especiais e me fizeram uma artista melhor.
Não posso deixar de perguntar dos seus partners…
Ah! Eu fui muito feliz no ABT. Tive muita sorte porque peguei uma geração de artistas incríveis. Dancei com pessoas mais novas, mais velhas, da minha idade. Algo muito interessante da direção do Kevin (Mckenzie) é que ele revezava os casais, deixava a gente dançar com partners diferentes sempre pensando no nosso desenvolvimento como artista. Corro risco de deixar muitos de fora, mas Marcelo Gomes (bailarino brasileiro, anos primeiro bailarino do ABT e hoje primeiro bailarino e professor da Semperoper Dresden, na Alemanha), José Manuel Carreño, Vladimir Malakhov, Roberto Bolle, com quem me despedi dos palcos dançando “Giselle”, não posso deixar de nominar. Quando você dança com diferentes partners eles tiram coisas diferentes de você. É essencial.
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Você tem alguma memória especial de uma criação, ou de um coreógrafo que marcou a sua vida não somente como bailarina?
Ter a Twyla Tharp (uma das mais importantes coreógrafas contemporâneas do século XX) na sala de ensaio sempre foi mágico e trabalhar em nova obra dela um presente. Ela é workaholic, não para um minuto e criou muitas coisas para mim. Confesso que saia fumaça do meu cérebro porque tudo era muito rápido, tinham muitos passos e sequências. Ela me desafiava. Quando eu estava nas suas criações não conseguia dormir porque os passos não saíam da minha mente. Ela era muito profissional e a admiro demais. É incrível poder trabalhar com alguém que te desafia, que quer tirar de você o seu melhor, e eu sempre entreguei o meu melhor.
Quando você deixou o ABT, ministrou masterclasses pelo mundo, e voltou a Buenos Aires para ser diretora artística do Teatro Colón, cargo que você ocupou de 2017 até o mês passado. Existiu uma transição na sua carreira para virar diretora?
Eu sou a mesma pessoa em diferentes fases e momentos de uma carreira. Sou a mesma de quando tinha 7 anos, movida pela paixão, pelo amor, pela intensidade. Aquela que não perdia uma aula, era a primeira estar no estúdio e a última a sair. Fui professora depois que parei de dançar e a transição foi natural. É só um modo diferente de onde você está sentada. Passei por tudo: aluna, bailarina, professora, diretora. Quando estava dirigindo o Colón, estava em todos os ensaios, em todas as apresentações e claro, no escritório, cuidando das coisas administrativas. Estava ali 24 horas por dia. Mas a bolha do balé é a mesma. É maravilhoso por poder trabalhar com muitas companhias diferentes, coreógrafos, professores. Sempre quis trazer o melhor repertório, os melhores professores, remontadores. Luto por todas essas coisas, porque também tenho a visão da bailarina, penso no que os bailarinos querem para serem felizes e isso inclui dançar bastante e ter um bom repertório. Penso no público, no que ele gostaria de ver. Quando eu me aposentei estava muito certa do que iria fazer. Queria me aposentar jovem e com as melhores memórias, sabia que tinha que estar bem, não queria estar cansada ou machucada. Eu trabalhei com coaches maravilhosos como a Irina Kolpakova, então eu tenho que dar o que recebi.
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Como diretora o que você procura em um bailarino. O que é mais importante para você?
Eu prezo e procuro a qualidade do movimento. Às vezes a gente vê uma foto linda, uma artista com linhas lindas, um pé e um físico lindos, mas não tem nada ali. E às vezes temos o contrário, alguém que se transforma dando sentido e qualidade ao gesto. O que me interessa não é o que você tem, mas como você usa o que tem. É como você usa e mexe suas pernas, seus pés, seus braços, seu pescoço. Me interessa a qualidade do seu movimento, por isso é importante você ter ótimos professores. Como diretora vejo que é preciso trabalhar com bailarinos confiáveis, que você sabe que estarão ali para você, para a obra, para a entrega, que saibam quem são e por isso podem se tornar melhores artistas. Gosto de gente que trabalha de verdade, mas que quando estão no palco ou na sala de ensaio, mostrem o amor pela dança. Não quero ver passos, quero ver pessoas que amam o que fazem.
O Artes do Palco, do Darling Quadros, é um projeto importante no Brasil, que oportuniza aulas, workshops, palestras. Esta é a primeira vez que você vem ao Brasil, especialmente a Joinville, para ministrar aulas exclusivamente neste projeto. Como se sente? O que espera desses jovens alunos?
Eu estou muito feliz de ir ao Brasil para dar aulas pela primeira vez. Já dancei muitas vezes aí e tenho memórias maravilhosas. Acho muito importante inspirar gerações, porque me lembro da sensação de quando eu era jovem e fazia aulas com quem admirava. É muito importante para eles, como foi para mim. Dar aulas para essa nova geração vai ser especial. Tenho uma expectativa muito alta, pois eu vejo muitos brasileiros em aulas pelo mundo e em concursos e sei o quanto eles são bem treinados, esforçados e com qualidades técnicas e artísticas. Estou ansiosa para trabalhar com todos.
A grande maioria desses bailarinos sonha em ser profissional. O que uma primeira bailarina, diretora, poderia dizer para eles sobre esse caminho?
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São muitos ingredientes, não é só se você trabalhar duro e tiver talento vai conseguir e se tiver talento e não trabalhar duro não vai. É uma arte incrível, que se você ama e faz com paixão maravilhoso para o que você quiser fazer da sua vida. Se quer ser bailarino é preciso trabalhar e viver essa paixão, não importa como. A dança é uma arte que nos faz sentir a alma.
SERVIÇO
Projeto Artes do Palco, Masterclass com Paloma Herrera.
De 20 a 24 de julho, no Teatro Harmonia Lyra, em Joinville.
Vagas limitadas. Informações: (47) 9.9759-3408 ou projetoartesdopalco@gmail.com
*Marcela Benvegnu é jornalista, pesquisadora de dança e gestora.