Nove mil quilômetros rodados em estradas de rípio (espécie de cascalho), lama, gelo e asfalto. E parte disso em motocicletas. O que para alguns poderia ser um programa infernal, para um grupo de gaúchos foi como estar no paraíso. Foram 18 dias para percorrer a Carretera Austral, na fronteira entre Chile e Argentina. A sujeira das roupas e o cansaço pelas horas de estrada foram compensadas pela felicidade encontrada no passeio. O semblante de cada um era a prova disso.

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Em 12 de abril, o motociclista Humberto Lague saiu da Capital ao lado da mulher, Ana Cristina, da filha dela, Gabriella Möller, e deste repórter. Viajamos até Bariloche em uma Toyota Hilux, que levava as bagagens e puxava um engate com três Yamaha XT 660. Três dias depois, já na Argentina, encontramos o casal Laerte e Karin Sopper. As três mulheres seguiram na caminhonete, os três homens, nas motos.

Antes de chegar à Carretera, foram mais quatro dias de viagem, passando por pequenas cidades argentinas, como Gobernador Costa e Rio Mayo. Valeu pela chance de andar em um bom trecho da Ruta 40, a mítica rodovia que praticamente corta a Argentina de Norte a Sul. Uma semana depois de deixar Porto Alegre, o grupo chegava à minúscula Chile Chico. Mais 124 quilômetros e o sonho de andar pela Carretera transformava-se em realidade.

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– As paisagens aqui são únicas. São imagens que a gente leva para a vida toda – diz Lague, ex-piloto de motociclismo e membro do Motoclube Cruzando Sul, de Porto Alegre.

Logo no primeiro dia na Carretera, o piso assustou. O rípio (semelhante ao nosso cascalho) estava muito alto e fofo. Andando a menos de 60 km/h, as rodas afundavam entre as pedras. As primeiras três horas proporcionaram 200 quilômetros de muita tensão.

A partir daí, o piso ficou mais compacto e os pilotos mais acostumados com as adversidades. No entanto, sem aviso, o chão ia mudando. As pedras finas davam lugar à lama, que virava areia, que dava lugar à pedras grandes, que se transformava em gelo. Tinha de tudo. Porém, o visual das montanhas, os lagos surgidos do nada e a cor da água compensavam o sacrifício. Em Puerto Rio Tranquillo, andamos com gelo e neve nos dois lados da “pista”. As roupas especiais e a emoção de estar ali faziam esquecer o frio, abaixo de 0ºC.

Foi assim durante quase todos os 850 quilômetros na Carretera. As exceções vieram nos 230 quilômetros de asfalto entre Villa Cerro Castilho e Villa Amengual. Faltaram cerca de 350 quilômetros para percorrer toda a estrada. Alguns trechos só podem ser vencidos por meio de barcos. Para não perder tempo na espera de embarcações, resolvemos partir para outras estradas, como as Rutas 40 e 71, ambas de rípio. Em sete dias, foram 2,7 mil quilômetros percorridos em duas rodas.

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Prova de fogo

As XT passaram por uma prova de fogo, mas a Carretera Austral cobrou seu preço. Na parte final, em Puyuhuapi, a moto de Humberto Lague pifou. Nos últimos três dias da aventura, o veículo ficou em cima da picape, com os motociclistas se revezando nas outras duas motos. Com a vibração, outra Yamaha perdeu a ponteira da manopla. As pedradas, disparadas pelas rodas das próprias motos, provocaram alguns arranhões.

Ana Cristina Lague, Karin Sopper e Gabriella Möller provaram que três mulheres, sozinhas, podem se aventurar de carro na estrada sem a suposta proteção masculina. A bordo da Hilux, o trio não teve qualquer problema em superar as mais difíceis estradas. Enquanto o rípio exigia perícia dos pilotos em duas rodas, não fazia nem cócegas no veículo 4×4.

Ana Cristina e Karin foram as motoristas. Gabriella transformou-se em fotógrafa do grupo. As duas amigas, de 50 anos de idade, não têm muito conhecimento de mecânica, mas Ana Cristina, também motociclista, tem mais noção de dirigibilidade que muito marmanjo.

– A caminhonete é bem segura, a suspensão copia bem o asfalto e a tração nas quatro rodas evita grandes sustos. O conforto interno também é um dos pontos altos – analisa Ana Cristina.

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DICAS
– Documentos: Não é preciso passaporte, basta a identidade. Mas é necessário seguro. Contrate despachante.
– Roupas: O bom e velho couro serve, mas o melhor são roupas de cordura, com proteções nos joelhos, ombros, cotovelos e nas costas, e com forro removível. Para as mãos, por baixo das luvas de couro, pode-se usar outro par. Meias especiais, térmicas.
– Equipamento: O capacete deve ter a resistência e a durabilidade exigidas no dia a dia. Quem puder instalar uma bolha (para-brisa) na moto vai sentir grande diferença, pois não terá o vento frontal. Protetores de manoplas protegem as mãos.
– Dinheiro: Quase em nenhum lugar é aceito o cartão de crédito. O câmbio é complicado. O dólar acaba sendo o melhor negócio.