Ana Maria Selma Roettger tem 80 anos e caminha com auxílio de muletas. A idosa mora sozinha em um apartamento no bairro América, faz a correria do dia a dia de carro, mas, pela falta de acessibilidade – o que dificulta a locomoção a pé – pouco desfruta das opções de lazer da cidade. Assim como Ana, mais de 70 mil pessoas são idosas em Joinville, conforme levantamento feito pelo Diagnóstico Social da Pessoa Idosa. O número representa cerca de 12% da população do município, estimada pela última prévia do Censo 2022 em pouco mais de 617 mil habitantes. Em 20 anos, com base em dados do cadastro eleitoral do Tribunal Regional de Santa Catarina, a população idosa cresceu em 152,22%, enquanto o número de adultos aumentou em 47,8%.

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“Como Joinville se prepara para o envelhecimento?” foi a pergunta que provocou esta reportagem. Mas, no meio da apuração, me dei conta que a velhice já é uma realidade. O que acontece, no entanto, como bem pontua o médico geriatra Gustavo Maciel Gouvêa, é que a cidade, com sua pujança para o trabalho, inaugura obras e projetos pensando no deslocamento de adultos ativos, porque “pensamos que o outro vai ficar ou está velho, mas a gente, não”. Só nos damos conta que a idade chegou quando estamos no olho do furacão, sem qualquer preparação prévia, planos e estrutura para se viver a terceira idade. Com o passar dos anos, a tendência é que a população idosa aumente ainda mais, já que a expectativa de vida hoje ultrapassa os 71 anos no município.

A partir disso, a reportagem do AN conversou com especialistas da saúde e da assistência social para entender quais são as políticas pensadas para este público e o que ainda precisa melhorar para que os +60 tenham qualidade de vida.

Para o geriatra Gustavo Maciel Gouvêa, sócio-fundador do Instituto Reage, um centro de cuidados para pessoas idosas, a avaliação é de que a cidade pouco avançou do ponto de vista estrutural para o público idoso e há muito caminho ainda a ser trilhado para que o básico seja conquistado.

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O principal apontamento feito pelo profissional diz respeito à infraestrutura e mobilidade que a cidade deixa de oferecer às pessoas idosas e, sobretudo, às que têm dificuldade de locomoção. Ele diz que é possível perceber que as comunidades se organizam mais facilmente, mas que essas ações são pontuais e, para abranger a todos, deveriam partir do poder público.

O médico comenta que há empecilhos burocráticos que impedem que questões básicas sejam postas em prática e usa como exemplo as pracinhas que contam com aparelhos para exercícios físicos. Na teoria, a ideia é ótima, mas na prática, o público idoso pouco usufrui.

– Quantas vezes no ano este público vai realmente utilizar este espaço? Se faz propaganda, pega entidades particulares, às vezes, inaugura a placa, todo mundo bate palmas, mas esse idoso vai lá por que, se está chovendo? Cadê um instrutor naquele local? Nós temos, aqui, universidades, tem o profissional em formação, que pode estagiar para orientar essas pessoas ali. Não precisa ser o dia todo, mas em alguns horários específicos – sugere o profissional.

Gouvêa conta que um grupo de geriatras já tentou uma ação parecida na cidade, mas que o projeto, sem apoio financeiro, bateu em percalços como falta de transporte e alimentação para esses profissionais. Outra crítica que faz está relacionada às calçadas. A maioria dos espaços que existem no município não conta com rampas de acesso e possui desníveis. Para ele, muitas vezes, uma volta à quadra pode significar uma questão de sobrevivência.

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– Imagina que um familiar seu, idoso, vai dar uma volta no quarteirão. É quase desumano. Calçada toda cheia de buracos, que atrapalham quem usa cadeira de rodas ou bengala. É quase sobreviver a uma volta, é uma aventura. A cidade ainda engatinha para ter esse suporte para o idoso. Joinville é uma cidade de trabalho, não sei se isso atrapalha, mas na minha visão, sim. Ela tem essa pujança enquanto atividade de produção, faz corredor de bairro, tudo para auxiliar no deslocamento dos adultos ativos, mas não vejo e não conheço mesmo algo que mostre “Olha, isso demonstra que a prefeitura sabe desse envelhecimento” – destaca.

“Tô sonhando alto”, diz dona Ana Maria

Dona Ana Maria, por exemplo, que pouco se locomove a pé, diz que não costuma frequentar os parques da cidade. Como ainda dirige, consegue ir às compras, vai à igreja, visita familiares em Curitiba e amigos em Joinville quando está bem de saúde. Ela conta que também faz passeios relaxantes em meio à natureza, mas apenas em locais que oferecem opções de descanso ao longo do trajeto.

Ana Maria Selma Roettger tem 80 anos e anda com auxílio de muletas (Foto: Instituto Reage, Especial)

A idosa elogia a acessibilidade em estacionamentos de supermercados e a opção de cadeiras de rodas motorizadas que alguns oferecem, mas sente falta de dar passeios. Assim como em Curitiba, ela diz que a cidade deveria também oferecer ônibus com acessibilidade voltado para o turismo de pessoas que têm dificuldade em se locomover.

– Se você tem alguma deficiência, é bastante difícil entrar em um ônibus. Como nós temos ônibus com acessibilidade para fazer tratamentos médicos e de fisioterapia, a gente poderia ter um para fazer passeios conosco, por que não? Aos fins de semana, ou quando as companhias tiverem disponibilidade para visitarmos os pontos turísticos da cidade. Eu gostaria de ter um passeio assim. Tô sonhando alto aqui – brinca Dona Ana Maria.

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“Maioria dos médicos não está preparada”, diz especialista

Vivian Ellen Tácito Gouvêa é enfermeira e sócia-fundadora do Instituto Reage e levanta outro ponto bastante importante. Se já é complicada a mobilidade e espaços preparados para a população idosa que se locomove, exercita-se e passeia pela cidade, para quem envelhece com alguma doença é ainda pior.

Ela comenta que, na atualidade, a composição familiar está cada vez menor e pessoas, principalmente mulheres, que anteriormente estavam disponíveis para o cuidado no lar, agora trabalham e possuem vidas fora de casa.

– Então, quando se tem um idoso em casa precisando de cuidados, você tem duas opções: a institucionalização ou um cuidador para auxiliar. O cuidador, de maneira geral, não é algo tão simples para se contratar, nem possui um custo tão baixo. E as instituições de longa permanência, na maioria das vezes, estão sempre cheias. Caso tenha mais recurso, entra numa fila e aguarda, enquanto isso, contrata um cuidador. Mas sem recurso ou custeio, há pouca possibilidade de se ter um pouco de dignidade – pondera.

Vivian afirma que em um evento promovido pelo instituto, que contou com profissionais da saúde que atuam no município, foi debatido que o envelhecimento traz consigo doenças muito específicas, e algumas delas são os tipos de demências. Ela diz que a maioria dos médicos não está preparada para diagnosticar nem para tratar o problema.– Médicos comentaram que não têm acesso à prescrição desse tratamento, e quando se encaminha para um geriatra, a fila é longa para conseguir chegar no especialista – expõe.

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Vulnerabilidade social e violência

Com a falta de recursos para um lar permanente e as instituições conveniadas com a prefeitura sem vagas, outra realidade com a qual alguns idosos são obrigados a lidar é a situação de vulnerabilidade social.

Fabiana Cardozo, secretária de Assistência Social de Joinville, afirma que atualmente há 60 idosos acolhidos no município no cenário de violação dos direitos, que vão desde a falta de atendimento a violências psicológica, física e financeira.

– O idoso tem que ser reconhecido na família como um sujeito de direito e, ao mesmo tempo, se sentir que a família não está dando a devida atenção, está se sentindo ameaçado e negligenciado de alguma forma. A comunidade deve denunciar no disque 100 para darmos o suporte. Parece coisa de outro mundo, mas acontece de idosos terem o cartão de aposentadoria ou benefícios retidos por familiares, de não ter acesso a uma alimentação e moradia seguras – enfatiza a secretária.

Fabiana reforça que as vagas de acolhimento custeadas pelo município são destinadas em três situações: quando o idoso não tem familiares, quando os familiares não podem cuidar ou que tenha tido algum direito violado. Neste último caso, a família é investigada e deve responder ao Ministério Público.

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– A gente percebe a diminuição da quantidade de filhos, porque se olharmos duas ou três gerações atrás, as famílias tinham cinco, dez filhos. Hoje, a maioria tem um ou dois, então a tendência é que os idosos não tenham tantas pessoas para cuidar deles. A partir das demandas da secretaria de Assistência Social, como violação do direito do idoso e abandono, temos os trabalhos desenvolvidos no CRAS, para trabalhar a prevenção, e no CREAS, que atende quando já há esse direito violado. Tudo isso precisa ser pensado como política pública – destaca ela.

População idosa crescerá. O que a cidade vai fazer?

A secretária de Assistência Social de Joinville, Fabiana Cardozo, diz que o crescimento da população idosa é uma tendência global e é explicada pela melhor qualidade de vida e acesso mais rápido à saúde das últimas décadas. Ela aponta que com a pesquisa “Diagnóstico Social da Pessoa Idosa”, que ouviu o público-alvo, foi possível mapear as demandas desta população no município, a fim de criar projetos que possam supri-las, afinal, “pensar em políticas públicas sem dados é complicado”.

No momento, segundo a secretária, as solicitações dos idosos entrevistados foram repassadas para todas as pastas da administração municipal, que devem repensar ações futuras com relação à saúde, infraestrutura, habitação e mobilidade.

– Algo bem inovador na cidade foi o Centro Dia para Idosos, que começou a funcionar no ano passado. Falamos que é importante porque temos observado a sobrecarga do cuidador. Por exemplo, é um idoso que por vezes já tem um filho idoso, neste caso, para não chegar a ir para uma instituição de acolhimento, o Centro Dia chega para fazer essa parceria, como se fosse uma creche de idosos, onde ele vai, passa o dia, a família fica trabalhando e ao final do dia o idoso volta para casa – explica a secretária.

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Fabiana explica que o Centro Dia foi construído com fundo originário de doações feitas através das declarações de imposto de renda, direcionadas ao fundo do idoso, assim como os quatro volumes do Diagnóstico Social da Pessoa Idosa. Atualmente, o local conta com 20 vagas integrais, que, dependendo da necessidade da família, podem ser rotativas.

Além desta opção, o município tem convênio com 35 instituições de longa permanência (Ilpis). As vagas variam conforme a disponibilidade desses lares. No total, conforme a secretária, são mais de 60 desses em Joinville.

– Muitas vezes, as famílias nos procuram e perguntam se recomendamos as Ilpis. Orientamos a procurar na lista do Conselho do Idoso, porque quando a instituição está inscrita, significa que existe uma fiscalização. Isso é bem importante.

A curto prazo, cita que foram publicados dois editais e, para 2024, está previsto um terceiro que dará oportunidade para as instituições que estão inscritas no Conselho do Idoso e que quiserem promover o fomento à política pública, entrar com projeto de parceria com uma empresa e instituir algum projeto inovador.– Isso é muito bom porque dá uma visibilidade para política pública, e temos aí R$ 3 milhões na conta – finaliza a secretária.

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