Uma pichação em frente à casa onde o estudante Marcelo Bovo Pesseghini, 13 anos, teria executado a família e cometido suicídio resume o sentimento nos confins da zona norte de São Paulo, quase no pé da Serra da Cantareira. “Marcelinho é inocente”, proclama outro pichador, a cinco quilômetros dali, na parede da escola onde o aluno do oitavo ano participou das aulas do dia 5 com o “mesmo jeito carinhoso” de sempre, nas palavras da diretora.
Continua depois da publicidade
Leia mais:
>>> “Vingança contra policiais bons”, afirma major da PM paulistana
>>> “Não tenho dúvida de que a cena foi montada”, diz médico legista
>>> Especialistas apontam surto psicótico e brutalidade
Continua depois da publicidade
>>> Relatos contraditórios da PM ampliam dúvidas sobre autoria
>>> Secretaria da Segurança vai apurar fala de coronel
Passadas duas semanas da tragédia que estarreceu os brasileiros, a Polícia Civil paulista sustenta que os 30 depoimentos já colhidos reforçam a tese, lançada nas primeiras horas após a chacina, de que o menino foi o algoz – teria matado o pai, a mãe, a avó e a tia-avó e, no dia seguinte, retornado à cena do crime para tirar a própria vida. Mas as pichações nas ruas, os perfis que pipocam no Facebook para defender Marcelo e os rumores que correm por São Paulo mostram que as dúvidas persistem. Pelo menos entre a população.
Em grande parte, a desconfiança decorre da resistência natural em aceitar que um menino de jeito infantil, descrito como educado, dócil e amoroso por quem o conhecia, fosse capaz de matar a própria família. Apesar dos indícios, ninguém quer acreditar que o frágil Marcelinho tenha agido com a frieza e a precisão de um assassino profissional, desferindo tiros certeiros na cabeça das pessoas que mais o amavam.
– Era um menino normal. É difícil crer que tenha sido ele – garantia o professor de História de Marcelo a uma mãe, na manhã de quarta-feira, enquanto fumava na calçada em frente à escola, logo depois de retomar as aulas com a turma do garoto.
O outro motivo para a incredulidade entre os moradores do bairro são falhas, contradições e lacunas que permeiam o caso desde o início, alimentando teorias da conspiração. Na semana que passou, elas se avolumaram. Além de reconhecerem que a cena do crime foi alterada pela presença de dezenas de policiais antes da chegada da perícia, as autoridades admitiram que perseguirão outras linhas de investigação. Para completar, veio à tona a informação de que a mãe de Marcelo, a cabo da PM Andreia Regina Bovo Pesseghini, 36 anos, poderia ter sido alvo de vingança de colegas.
Continua depois da publicidade
Para o Departamento de Homicídio, contudo, há pouca margem para dúvidas. Na versão apresentada pelo delegado Itagiba Franco, o garoto disparou cinco vezes a pistola da mãe e tirou a vida de cinco pessoas, incluindo a dele próprio, sempre com tiros na cabeça. Na virada do dia 4 para o dia 5, Marcelinho teria assassinado a mãe, o pai (o sargento da Rota Luís Marcelo Pesseghini, 40 anos), a avó (Benedita de Oliveira Bovo, 67 anos) e a tia-avó (Bernadete Oliveira da Silva, 55 anos). Depois, dirigiu o carro da mãe até o colégio, assistiu à aula de segunda-feira e, de volta à casa, matou-se ao lado dos pais.
Segundo colegas, estudante queria matar os pais
Os principais depoimentos a incriminar Marcelinho são de colegas na Escola Stella Rodrigues. Seis deles disseram à polícia na semana passada que o adolescente manifestava o desejo de matar os pais durante a noite e fugir. Ele teria convidado meninos e meninas a formar um grupo de assassinos mirins, que exterminariam as próprias famílias. O garoto apontado como seu melhor amigo contou ter recebido um telefonema no próprio domingo das mortes. Durante a chamada, Marcelo teria dito que estava colocando seu plano em andamento e o convidou a participar. Segundo o amigo, o filho dos Pesseghini queria correr mundo como assassino de aluguel.
Ao longo dos dias, emergiram outras peças que, encaixadas, permitem vislumbrar em Marcelo o matador. Apesar de depoimentos em contrário, testemunhas disseram à polícia que o menino aprendera a atirar com o pai e sabia dirigir. Vídeos obtidos na investigação mostram o automóvel de Andréia chegar à rua da escola na madrugada do dia 5 e, na hora da aula, um rapaz deixar o carro carregando uma mochila.
– É ele – assegura um vizinho que viu as imagens mostradas pela polícia.
No quarto de Marcelo, os investigadores encontraram armas de brinquedo. Na mochila que ele carregava na manhã dos crimes, acharam uma faca, um revólver não utilizado, dinheiro e mudas de roupa. Um mês antes do crime, o adolescente alterou seu perfil no Facebook e colocou como identificação a imagem de um matador do jogo Assasin’s Creed, do qual era fã.
Continua depois da publicidade
Marcelinho “era sossegado demais”, diz amigo da família
É na Brasilândia, o bairro pobre e periférico onde a família Pesseghini morava, na Rua Dom Sebastião, que a faceta tenebrosa de Marcelo é vista com maior incredulidade.
– Minha mulher se criou com a Andréia no bairro. Ela e o Luís Marcelo são padrinhos da minha filha. Conhecíamos a família muito bem. O Marcelinho era sossegado demais, gente boa pra caramba. Não pode ter sido ele – diz o marceneiro Cícero Leite, 38 anos.
A família Pesseghini vivia em um terreno de esquina, próximo a um córrego para onde canos que saltam das paredes das casas atiram o esgoto. O terreno tem duas casas de acabamento simples, com manta asfáltica no telhado para evitar as goteiras. Em uma delas, Benedita, mãe de Andréia, vivia havia cerca de 30 anos. A outra, ao lado, foi construída há pouco mais de uma década, para abrigar o casal de policiais e seu filho. Bernadete, irmã de Benedita, não morava no local. Deu o azar de estar de visita no dia chacina.
Como o terreno fica em um aclive acentuado, e as casas foram erguidas no mesmo nível, debaixo da residência ocupada pelo casal foram construídas três pequenas lojas, com portas para a rua, ocupadas por um comércio de roupas, um salão de cabeleireiro e um bar. Os inquilinos eram das poucas pessoas na vizinhança que tinham contato com Marcelo. O menino não era visto com frequên-cia e não tinha amigos nas imediações.
Continua depois da publicidade
– Ele não saía de casa. Ninguém nunca viu esse menino na rua. O máximo que fazia era jogar futebol com a avó no pátio. A Benê não deixava ele ir nem ao mercado da esquina. Preferia dar uns trocados para os moleques da rua fazerem compras para ela – diz Cícera Ferreira de Souza, 62 anos, que alugou uma das lojas de Benedita durante uma década.
A reclusão teria como motivo a segurança. A própria avó saía pouco desde que o marido, bombeiro, foi assassinado, cerca de 10 anos atrás. Um tio, Fábio Luís Pesseghini, afirma que o pai não deixava Marcelo sair por receio da elevada criminalidade no bairro. Josélia Félix, 39 anos, dona da loja de roupas que fica debaixo da casa do menino, afirma que a razão principal era o trânsito. A rua tem um tráfego incessante, justifica:
– Agora todo mundo fica falando que ele não saía de casa, como se significasse algo, Mas isso é comum. Também não deixo meu filho ir para a rua. É muito perigoso.