A tensão entre o governo turco e a justiça se converteu em guerra aberta nesta sexta-feira, quando o parlamento analisava a controversa proposta de lei para reforçar o controle político sobre o sistema judicial, em pleno escândalo político-financeiro.

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A algumas horas do início da análise pela comissão parlamentar deste texto (às 15h locais desta sexta-feira, 11h no horário de Brasília), o Alto Conselho dos Magistrados (HSKY), uma das principais instituições judiciais do país, denunciou as intenções inconstitucionais do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. “A proposta é contrária ao princípio do Estado de direito”, considerou o HSKY em um comunicado. “Com esta emenda, o Alto Conselho deve prestar contas ao Ministério da Justiça. Esta emenda é contrária à Constituição”, anunciou a instituição, encarregada especialmente de nomear os magistrados.

O projeto, redigido pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), amplia a composição do Alto Conselho e dá ao ministro da Justiça a última palavra sobre a nomeação de magistrados em instituições chave, como a Corte Constitucional. O texto será votado a partir da próxima semana no Parlamento, onde o AKP goza de uma ampla maioria.

Após a operação anticorrupção de 17 de dezembro, esta iniciativa é a última tentativa dos islamitas moderados no poder de controlar a justiça, ante a investigação anticorrupção pela qual foram atingidos. As investigações anticorrupção dirigidas pela Procuradoria de Istambul levaram à prisão de 20 empresários e personalidades próximas ao poder por corrupção, fraude e lavagem de dinheiro, e provocaram a renúncia de três ministros, além de uma ampla remodelação do governo.

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Erdogan suspeita que na polícia e na justiça estão infiltrados membros do movimento muçulmano do clérigo Fettullah Gullen, em guerra aberta contra o líder do país, a apenas alguns meses das eleições municipais de março e das presidenciais de agosto.

Nas últimas semanas, o governo de Erdogan realizou punições sem precedentes na alta hierarquia da segurança nacional, e vários magistrados foram transferidos ou declarados incompetentes, o que provocou muitas reações judiciais contra as pressões do governo.

A reforma do HSYK foi muito criticada pela oposição.

– É evidente que é uma disposição contrária à Constituição, e o comunicado do HSYK é um ato de desafio ao poder – considerou o chefe do Partido Republicano do Povo (CHP), Kemal Kiliçdaroglu.

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A reforma judicial também foi denunciada por seus sócios europeus. O comissário de Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muiznieks, considerou-o “um duro golpe à independência da justiça na Turquia“.

Washington também mostrou na quinta-feira sua preocupação pela guinada dos acontecimentos e lembrou seu apoio “ao desejo do povo turco de ter um sistema judicial justo e transparente”.

Além das consequências sobre a divisa nacional e os mercados financeiros, a tempestade político-judicial que atinge a Turquia também ameaça o futuro de Erdogan, na liderança do país desde 2002.

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Uma pesquisa mostrou na quinta-feira uma queda nas intenções de voto ao seu partido, que obteria 42% de apoios se fossem realizadas eleições legislativas nesse momento, o que marca uma queda de 2% em relação a julho.