A Secretaria do Estado da Justiça e Cidadania de Santa Catarina recebeu prazo de 60 dias para comprovar providências na gestão das verbas somadas a partir do trabalho dos presos nas penitenciárias. As recomendações e determinações são do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC) e o prazo começou a valer na quarta-feira. A utilização dos recursos foi alvo de questionamentos em 2013, o que motivou auditoria do TCE-SC.
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Entre medidas recomendadas e obrigatórias, deverão ser estabelecidos critérios claros para o destino dado aos recursos e para o valor da remuneração paga aos apenados. A secretaria também deverá buscar uma forma de garantir que cada interno conte com uma caderneta de poupança própria.
A auditoria do tribunal identificou impropriedades e falhas na gestão do chamado Fundo Rotativo da Penitenciária de Florianópolis. Foi analisada a movimentação financeira do fundo entre 2013 e alguns períodos de 2012 e 2014. Os auditores verificaram que os montantes arrecadados são lançados em uma única conta bancária, tornando o controle do que é devido a cada detento uma tarefa “extremamente complexa e passível de erros”.
Apesar de a apuração ter se concentrado no fundo da Capital, os apontamentos do Tribunal de Contas valem para todos os outros fundos rotativos penitenciários do Estado. Cabe aos diretores das penitenciárias a responsabilidade pelos fundos rotativos, mas as diretrizes são determinadas pela Secretaria da Justiça e Cidadania.
O ponto de partida da análise foi a suspeita de irregularidades na aplicação de recursos, questionada em 2013. Naquele ano, a Vara de Execução Penal de Joinville encaminhou um documento ao tribunal com informações que indicavam o uso de verbas do fundo rotativo da Capital na compra de mobiliário para a sede do Departamento Estadual de Administração Prisional (Deap). Havia registro de compras de mesa, poltrona e ar-condicionado, além da aquisição de giroflex e película para o carro do diretor do Deap.
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O uso do dinheiro causou controvérsia porque a sede do departamento não é uma unidade prisional. Magistrados catarinenses alertaram que a necessidade de investimentos nas unidades prisionais era mais urgente. O trabalho de auditoria identificou gastos com “finalidades diversas daquelas previstas” por lei, incluindo a nova sede do Deap e outros investimentos relacionados que totalizaram R$ 171,8 mil.
Apesar do destino dado às verbas, o auditor substituto de conselheiro Cleber Muniz Gavi, relator do processo, apontou que os recursos foram aplicados em benefício do sistema penitenciário, “não se tratando de destinação para áreas totalmente alheias aos seus objetivos”. Não houve, portanto, indicação de punição por parte do TCE.
Fazenda admite falha contábil
A Secretaria da Fazenda, que foi notificada pelo TCE para regularizar o registro contábil dos valores, reconhece o problema. Em nota, a secretaria também justifica que o Estado trabalha há mais de dois anos na tentativa de instituir contas bancárias para destinar a remuneração pelo trabalho dos apenados, mas acrescenta que isso só seria possível se os apenados fossem às agências. A secretaria aponta, ainda, que foram constatadas irregularidades na documentação dos apenados de Santa Catarina, que é pré-requisito para abertura e movimentação de contas.
O Estado enviou comunicados ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Banco Central do Brasil requisitando que o Banco Central normatize produtos e serviços para atender a população carcerária. Ainda, segundo a nota, não foi apresentada solução.
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O que diz o TCE-SC
AS RECOMENDAÇÕES
Estabelecer critérios claros para o uso de recursos dos fundos rotativos e de gastos não vinculados à manutenção da respectiva unidade prisionall Fixação de remuneração dos detentos
Garantir o ressarcimento das despesas com energia elétrica e água por parte das empresas conveniadas que utilizam as unidades prisionais
Verificar junto às unidades prisionais a necessidade de postos de trabalho e adotar providências para realização de novos convênios com interessadas
AS DETERMINAÇÕES
Formalizar termo de cessão de uso para os veículos pertencentes à Secretaria da Justiça e Cidadania utilizados pelo Fundo Rotativo da Penitenciária de Florianópolis
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Continuar as tentativas de abertura de cadernetas de poupança dos presos para depósito do pecúlio (resultado do trabalho assalariado)
Implantar controle eficiente para apuração do custo das mercadorias vendidas
O QUE SÃO OS FUNDOS
Foram instituídos para regular parcerias entre unidades prisionais e a iniciativa privada. O dinheiro é obtido quando uma empresa e o Estado firmam convênio para usar mão de obra de detentos. O pagamento é dividido: 75% vai para o preso e o restante abastece o fundo. O objetivo é que as verbas sejam revertidas em benefício das próprias unidades prisionais. Confira ao lado os valores em empenhos autorizados nos fundos rotativos do Estado.
Administração busca modificar legislação
A Secretaria do Estado da Justiça e Cidadania respondeu à reportagem que todas as aquisições realizadas pelos fundos rotativos obedeceram “criteriosamente ao que está previsto na legislação”. Todos os fundos, diz a secretaria, contam com uma Comissão Permanente de Licitação e um responsável pelo controle interno.
A administração do sistema prisional também aponta que há mais de dois anos faz tratativas com instituições financeiras para criar uma conta-pecúlio individual para que os apenados recebam a remuneração. “A alta rotatividade de presos, a logística para procedimentos que exigem a presença do titular da conta e os custos para a criação de um novo produto bancário foram as principais alegações para as negativas dos bancos”, informou a pasta.
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No entanto, a secretaria informa que já conta com uma instituição financeira realizando estudos de alternativas para viabilizar a conta-pecúlio. Dois projetos de lei são mencionados pela Secretaria da Justiça e Cidadania como iniciativas para melhorar a gestão dos fundos. Um deles propõe nova legislação para “disciplinar a instituição dos fundos rotativos regionais” e foi enviado recentemente à Assembleia Legislativa do Estado. O outro, que incentiva e regulamenta o estabelecimento de convênios com empresas, já tramita há mais tempo na Assembleia.
Esse mesmo projeto disciplinaria a remuneração dos apenados, definindo os percentuais de indenização ao Estado e depósitos judiciais. A reportagem ainda questionou se é possível controlar com precisão as remunerações de cada detento se os valores são mantidos de forma global em contas únicas. “Mais que possível, é obrigação do Estado controlar com precisão os valores”, respondeu a secretaria, acrescentando que a solução para este cenário virá com a criação da conta-pecúlio.