A revisão do Plano Diretor de Florianópolis tem causado polêmicas nos últimos dias. O assunto envolve principalmente as audiências públicas exigidas por lei para garantir a participação da população no projeto. Um áudio vazado esta semana propondo audiências em uma única semana, durante o recesso da Câmara de Vereadores, esquentou ainda mais a discussão. O Plano Diretor determina regras para ocupação de solo nas cidades, com medidas como tamanho de terrenos e número máximo de andares para prédios.

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Bairros de Florianópolis têm aumento no limite de prédios com mudança no Plano Diretor

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A prefeitura da Capital havia agendado uma única audiência pública para discutir o projeto, em 17 de dezembro do ano passado. O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) contestou a realização em uma única data, perto das festas de fim de ano e em meio ao aumento de casos de Covid-19 causado pela variante ômicron. Por isso, recomendou que o município convocasse 13 audiências públicas nos distritos da cidade, e mais uma audiência pública geral, ao final do processo.

A prefeitura acatou a recomendação e agendou 13 audiências públicas nos distritos, mas todas para o mesmo dia e horário: próximo sábado (15), às 16h. Mais tarde, anunciou também outras 13 audiências públicas em formato digital, por conta da Covid-19. Nesta terça-feira, o MP questionou também a realização das 13 audiências de forma simultânea e apresentou à Justiça um pedido de suspensão dessas reuniões. Um dos argumentos é que dessa forma, alguém que tenha imóveis em dois bairros da cidade não poderia participar das discussões nas duas localidades. As audiências foram suspensas nesta sexta-feira (13) após a Justiça aceitar o pedido do MP.

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A polêmica sobre as audiências públicas ficou ainda maior após a divulgação de um áudio nas redes sociais nesta semana. Em uma gravação, o arquiteto Ângelo Arruda, vice-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil de Santa Catarina (IAB-SC), sugere um processo mais acelerado, com duas audiências por dia, dentro de uma mesma semana.

“É fazer tudo ao mesmo tempo. A prefeitura monta uma ‘guerra de guerrilha’ com 300 funcionários, 13 datashows, cada um num centro, ou distrito… Pega d’uma segunda até a sexta, faz dois por dia, pronto. Encerra e agora ninguém pode dizer mais que não conhece o conteúdo”, afirma, em um trecho do áudio.

Ele sugere ainda que as audiências ocorressem em janeiro, período de recesso dos vereadores.

“A Câmara de Vereadores desligada em janeiro. Aí aproveita janeiro e faz isso, e resolve essa bucha”, propõe.

Arquiteto diz que não propôs menor participação popular

O arquiteto confirmou à reportagem que é o autor do áudio e disse que ele foi enviado em um grupo de Whatsapp ainda em 17 de dezembro, dia da primeira audiência pública da prefeitura. No entanto, ele nega que estivesse propondo uma forma de haver menor participação popular na discussão do Plano Diretor. Disse que inclusive sugeriu ao município que cada distrito discutisse seus assuntos em audiências específicas.

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— O texto que apareceu é como se eu tivesse sendo o Ricardo Salles (ex-ministro do Meio Ambiente), “passando a boiada”. Nada disso. Inclusive na própria audiência conversei com o Dr. Rogério (Ponzi Seligman, promotor do MPSC que pedia mais audiências públicas) e disse que talvez, “como o senhor não deu a regra”, a gente como sociedade civil possa dizer que o município tem direito de fazer as audiências públicas todas em janeiro. E quando chegar fevereiro, que a Câmara abrir, ele (prefeito) encaminha um projeto de lei já discutido, apurado — defendeu.

Arruda é arquiteto e urbanista, professor universitário aposentado da área de planejamento urbano e mora em Florianópolis há quatro anos. Ele disse que tem sido “massacrado” nas redes sociais após a divulgação do áudio, mas que “respeita a regra democrática do debate”.

— No ano passado, o projeto foi enviado durante o recesso. Fiz o áudio para evitar isso. Já que o promotor tinha recomendado, na audiência pública eu apoiei e sugeri que o debate fosse feito em janeiro. Se desse pra fazer duas (audiências) por dia, perfeito, mas isso era uma sugestão — sustentou.

Ângelo é vice-presidente do IAB-SC, que acompanhou a primeira audiência sobre a revisão do Plano Diretor. Também é pai de Lucas Arruda, engenheiro sanitarista e ambiental que é secretário-adjunto do Meio Ambiente na prefeitura de Florianópolis.

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Ouça o áudio

Áudio despertou críticas de vereador

As polêmicas sobre as audiências do Plano Diretor repercutem sobretudo no campo político. O vereador da oposição, Afrânio Boppré (PSOL), disse entender que o prefeito Gean Loureiro teria ido até mesmo além da sugestão do arquiteto porque “fez todas as audiências num dia só”. Ele disse não concordar com as audiências simultâneas.

— É uma demonstração de segmento que não tem interesse na real participação da sociedade, e está agindo de maneira pro forma. Está havendo uma discussão fragmentada, separada uma região da outra, sendo que a cidade hoje está completamente conectada — criticou.

Prefeitura nega acelerar audiências sobre Plano Diretor

Imagem aérea de prédios em Florianópolis
Plano Diretor determina regras para ocupação do solo e construções nas cidades (Foto: Arquivo NSC)

A reportagem do Diário Catarinense questionou se a prefeitura de Florianópolis recebeu o áudio e se a decisão de marcar as 13 audiências públicas para o mesmo dia se baseou, de alguma forma, na sugestão do arquiteto. Em nota, o município respondeu que “em hipótese alguma foi cogitada a realização “mais rápida” do processo de discussão das propostas de revisão e adequação do Plano Diretor”.

A prefeitura disse que o município “tem cumprido os ritos necessários” e que o assunto já foi discutido em oficinas e audiências em 2016 e 2018. O município lembra que um novo projeto de lei começou a ser debatido em 2021, discutida a partir de fevereiro no Conselho da Cidade.

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Esta foi a proposta debatida na audiência pública única do dia 17 de dezembro, e que teria uma continuação, mas que foi suspensa por decisão liminar. Depois disso, o município atendeu a recomendação do MPSC e agendou as 13 audiências públicas previstas para este sábado. A nota destaca também as audiências públicas virtuais e a ferramenta de consulta pública, em que até esta quarta-feira (12) já foram dadas 329 sugestões. A consulta esta disponível neste link.

O município não informou se cogita alterar as audiências públicas simultâneas após o pedido de suspensão feito pelo MPSC à Justiça, mas que ainda não foi julgado.

IAB-SC divulga nota defendendo participação social

Após a publicação da reportagem, o IAB-SC divulgou nota em que diz que o vice-presidente Ângelo Arruda representa a entidade na discussão sobre o Plano Diretor e defendendo a participação cidadã. “O IAB-SC vem a público para reiterar sua posição em defesa de cidades justas e democráticas, da participação social em todos os níveis, da ética e da transparência, da garantia de ampla realização de debates, audiências e consultas públicas, instrumentos esses obrigatórios, tanto no processo de elaboração como de revisão de planos diretores”, diz um trecho da manifestação. 

Outros posicionamentos

— A associação Floripa Sustentável, citada pelo autor do áudio como o grupo para o qual ele teria enviado a gravação, disse que aguardava retorno das 42 entidades que compõem o movimento e a decisão judicial sobre o possível adiamento das audiências públicas deste sábado para se manifestar.

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— A Câmara de Vereadores de Florianópolis informou que, como a revisão do Plano Diretor ainda não foi enviada para o Legislativo, não iria se manifestar neste momento. O presidente Roberto Katumi (PSD) disse que a realização das audiências públicas nesta etapa é de responsabilidade do município, mas adiantou que só pretende convocar nova audiência após o projeto dar entrada na Câmara no caso de emendas que alterem significativamente a proposta.

O que é a revisão do Plano Diretor

A revisão do Plano Diretor de Florianópolis propõe mudanças que podem permitir o aumento no número de andares de prédios em bairros como Coqueiros, Santa Mônica e Jurerê, como mostrou o colunista da NSC, Renato Igor. A prefeitura afirma que apenas dará incentivo de mais dois pavimentos para empreendimentos que tiverem interesse coletivo, como habitação social ou geração da empregos. Também afirma que a proposta não irá modificar as autorizações para construção nos bairros, mas que irá apenas “regulamentar leis que já existem”. O atual Plano Diretor de Florianópolis é de 2014 e o documento deve ser revisto, pelo menos, a cada 10 anos.

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