Audiências de custódia realizadas em Florianópolis ganharam novos olhares. Durante esta semana, pesquisadoras do Fórum Brasileiro de Segurança Pública acompanham as seções no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A comarca faz parte de uma pesquisa que inclui Porto Alegre, São Paulo, Brasília, Palmas e João Pessoa. Após o acompanhamento e entrevistas com os operadores, como ocorre atualmente na Capital, pesquisadores analisam e sistematizam os dados que seguirão ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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O programa de audiências de custódia garante a apresentação dos presos em flagrante a um magistrado no prazo máximo de 24 horas, para que seja analisada a legalidade, a necessidade e adequação da prisão ou a possibilidade de adoção de medidas cautelares até o julgamento do caso. Frente ao suspeito, cabe ao magistrado decidir se é necessário converter o flagrante em preventiva, se a detenção pode ser relaxada, se o preso pode ser liberado provisoriamente com ou sem medidas cautelares. Além de ouvir o acusado e o advogado dele ou o defensor público, o juiz pode se informar sobre antecedentes criminais.
Em janeiro deste ano foram apresentadas 129 pessoas na comarca da Capital. Dessas, 61 tiveram prisão preventiva decretada e 68, liberdade. Um dado chama a atenção: 17% relataram na audiência ter sofrido violência no ato da prisão. Outra informação relevante é o envolvimento da assistência social, que recebeu 18 encaminhamentos. Os casos envolvem tratamentos de saúde, como para dependência química, e retorno para as cidades de origem quando a pessoa manifesta a intenção.
Membro do Fórum, o sociólogo Rodrigo de Azevedo destaca que o objetivo do levantamento é avaliar o impacto das audiências acerca das prisões e dos encaminhamentos dados pelos tribunais dos estados. As audiências, explica, ainda são ferramentas novas e há interesse por parte do CNJ em saber se estão funcionando, se há um padrão, se os estados possuem suas próprias dinâmicas, diz o também professor da PUC/RS.
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Há ainda outro dado considerado de relevância que os pesquisadores anotam: as denúncias de violência praticada pelas polícias. A prática é usada especialmente quando se tratam de pessoas em situação de vulnerabilidade social, como sem-tetos, moradores de rua, dependentes químicos de baixa renda.
Hoje se encerra a primeira semana da presença das pesquisadoras que devem ficar mais uns dias, mas o acompanhamento já permite algumas observações: diferente de outras capitais já pesquisadas, nota-se baixo uso de armas por parte dos criminosos, ou pelo menos, de menor poder ofensivo. É o que conta a pesquisadora Ana Cláudia Cifali.
As audiências de custódia em Santa Catarina se iniciaram em setembro de 2015. O ponto de partido foi um projeto piloto na Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas da Região Metropolitana de Florianópolis. Em abril de 2016 foi formalizada com a publicação de uma resolução da presidência do Tribunal de Justiça que expandiu a realização para as comarcas de Araranguá, Blumenau, Chapecó, Concórdia, Criciúma, Indaial, Itajaí, Jaraguá do Sul, Joinville, Lages, Mafra, Tijucas e Videira.
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Agilidade com os processos é um dos ganhos
Resistências à parte, como certos setores policiais e do Ministério Público em alguns estados, a experiência segue bem-sucedida no país. Na avaliação do CNJ, os Estados reconhecem as vantagens do projeto ao ponto de estar presente em todas as unidades. Um desses ganhos verifica-se também em Santa Catarina: a celeridade na concessão de medidas de proteção às mulheres vítimas de agressão.A concessão de medidas de proteção ganha agilidade. Apresentar o preso ao juiz em até 24 horas elimina etapas e, agora, o réu sai da audiência avisado sobre as proibições que terá que seguir.
Antes, um oficial de Justiça precisava encontrar o acusado. No caso de não localizado, poderia futuramente argumentar que desconhecia a medida.Também há outras vantagens, como a desocupação das delegacias que mantêm indiciados suspeitos de crimes por força da prisão em flagrante, em prejuízo a outras atividades que deveriam estar sendo feitas por policiais, como investigação, detenção e realização de inquéritos. A presença indevida dos detentos obriga agentes policiais e outros funcionários a atuar como guardas de presídios.
¿É possível promover o resgate da dignidade¿
Na Capital, o trabalho é coordenado pela juíza Érica Lourenço de Lima Ferreira, da Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas da Região Metropolitana de Florianópolis. Confira a entrevista:
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DC_ Qual o perfil de quem passa pela audiência de custódia?
Juíza Érica_ Homens, com ensino fundamental incompleto, com idade entre 19 e 35 anos, sem profissão definida (autônomos).
Que tipo de crimes são cometidos?
Juíza Érica_ Os principais crimes envolvem drogas (tráfico e uso) junto com os patrimoniais (também em função das drogas). Em segundo, violência doméstica e embriaguez ao volante.
DC_Do ponto de vista humanitário, qual o benefício da realização das audiências?
Juíza Érica_ As audiências permitem um atendimento rápido e a separação dos criminosos, com grande grau de periculosidade, das pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica; aqueles vão para a cadeia, enquanto estes recebem o encaminhamento para a rede municipal de atendimento (saúde, assistência social, educação, trabalho, entre outros).
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DC_ Pode-se falar em promoção social dessas pessoas?
Juíza Érica_ Sim. Ainda, é possível promover de forma rápida e eficaz o resgate da dignidade humana e da cidadania, através da promoção social, tendo em vista o trabalho desenvolvido pela Central de Penas e Medidas Alternativas, que recebe as demandas oriundas das audiências.
DC_Qual o impacto das audiências na população carcerária do Estado?
Juíza Érica_ Difícil precisar agora tendo em vista as várias unidades pelo Estado, além do pouco tempo de implementação do procedimento e algumas variáveis.
DC_ A quais variáveis a senhora se refere?
Juíza Érica_ Condições ideológicas dos agentes envolvidos e deficiências estruturais, a exemplo da dificuldade de adotar a monitoração eletrônica (tornozeleiras).
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