Natal tem um significado diferente para cada pessoa, mas para poucos vai ter simbolismo mais especial do que para os irmãos Lucas e Douglas. Vai ser a primeira vez após oito anos que eles estarão lado a lado na data. Foi esse o período que passaram separados, desde que o menor foi adotado, até o reencontro proporcionado pelo esporte. O destino, que nesta história atende pelo apelido de Cacá, uniu os dois por acaso em uma pista de atletismo. Agora, ao olhar para eles, não resta dúvida: o sorriso estampado no rosto revela o clima neste feriado e para os próximos anos.
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Lucas Gabriel, que ganhou o sobrenome Antunes, agora tem 14 anos. Douglas da Silva tem 19. O final do nome não é o mesmo, mas não é preciso ir longe para perceber que eles têm muito em comum: do sorriso largo até a velocidade nas pernas.
– Eu amo ele e tinha muita saudade. Tínhamos um vínculo amoroso, pois passava a maioria das horas com ele. É minha inspiração – conta Lucas, ao descrever o sentimento pelo mais velho.
Mas o presente de Natal veio mais cedo para a dupla neste ano, nove meses antes. E não estava embaixo de uma árvore, mas na pista de treinamento da União Catarinense de Atletismo (UCA), em São José, na Grande Florianópolis. Em março, Lucas começou a treinar na UCA com a técnica Ana Cláudia Rodrigues, a Cacá. Mesmo sem saber, o local era o mesmo que treinava Douglas. Os horários, porém, não coincidiam. A professora pediu que o mais velho fosse para o período matutino ajudá-la a elevar o ritmo de um novo aluno. Sem saber, a decisão mudou a trajetória deles.
– Eu tinha certeza que iria encontrar meu irmão por meio do esporte. Não sabia quando, mas tinha essa certeza. Deus faz tudo diferente do que imaginamos. Treinamos no mesmo lugar e moramos próximos. Eu amo ele demais e sempre amei. O Lucas pode contar comigo para o que for – emociona-se Douglas.
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O dia do reencontro foi inesquecível. Quando viu o “novo aluno”, Douglas teve certeza que seu presságio estava completo. Apesar dos pedidos de calma de Cacá, para evitar qualquer frustração, ele chamou a irmã para acompanhá-lo no dia seguinte, na tentativa de acabar com qualquer dúvida.
– Quando o Lucas apareceu, eu senti algo dentro do meu coração, uma agulhada. Mas não disse nada. Ele foi se aquecer e eu contei para a Cacá sobre meu irmão que tinha sido adotado. Ela pediu calma, porque podia não ser ele. No outro dia, pedi à nossa irmã, que cuidou dele pequeno, para ir ao treino. Quando ela viu de longe, começou a chorar – lembra.
Cacá relembra do momento de ansiedade protagonizado por Douglas até a confirmação de que ele estava novamente frente a frente com o irmão:
– O esporte é a ferramenta que temos para mudar o mundo. Quando eu falei do Lucas ao Douglas, mesmo sem saber da história, ele aceitou na hora. E quando lhe viu pela primeira vez, logo paralisou e disse que era o irmão dele. Foi obra de Deus.
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OITO ANOS DE SEPARAÇÃO
Lucas foi afastado da família após a mãe deles perder o “poder familiar” em decisão do Conselho Tutelar. Filhos de pais diferentes, o mais novo, aos seis anos, foi encaminhado a um abrigo de menores, enquanto o outro, aos 11, foi morar com o pai. Depois disso, o contato entre eles se tornou inviável em 2010. Jamais, porém, a esperança deu lugar à descrença.
O pequeno ficou no abrigo por dois anos até ser adotado. A história que Douglas conhecia era de que o menino teve como destino Paris, levado por um casal. A versão real é bem diferente. Ele jamais deixou Florianópolis. O servidor público Hélio Antunes e a mulher Adriana lhe adotaram. Desde o reencontro, o garoto tem acesso às duas famílias e o pai reconhece que essa relação é muito importante.
– O Lucas é o meu filho, mas eu não sou o proprietário dele. Ele tem o direito de conviver com todos que ele quer bem. Cabe aos pais avaliar quando o contato com a família original não é conveniente, mas essa não é a situação. Os familiares do Lucas são maravilhosos, ele ganhou mais uma família – afirma Hélio, lembrando que os irmãos de sangue estiveram presentes no aniversário de 14 anos de Lucas, em abril.
Agora, Lucas pôde, enfim, dar a primeira lembrança de Natal ao irmão. Uma sapatilha com cravas de alumínio, que fez Douglas chorar. Um gesto bonito, mas presente nenhum se compara ao que a vida deu aos dois em 2018.
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Jovens com DNA de campeões
Lucas está no atletismo há nove meses e coleciona resultados positivos. Douglas treina há mais tempo: 10 anos. A genética dos irmãos favorece a prática do esporte, e a busca por bom desempenho mexe com ambos. Em 2019, sonham em alavancar as carreiras.
– Conheci o atletismo por meio de um projeto da escola, aos oito anos. Sempre vim treinando e evoluindo, mas sem muito incentivo financeiro. Conheci a UCA e estou me desenvolvendo. Já corri Brasileiro Sub-23 e Jasc. Em 2019 quero correr o Troféu Brasil. Meu maior sonho é participar de uma competição mundial – diz Douglas.
Recordista brasileiro até os 14 anos nos 75 metros rasos, terceiro colocado no ranking da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo) na categoria sub-16 de 75 metros rasos, atual campeão catarinense sub-16 dos 75 metros e vice-campeão brasileiro sub-16 nos 250m rasos. Apesar do pouco tempo de prática esportiva, o currículo de Lucas já é invejável. E ele almeja ir mais longe no esporte.
– Meu maior sonho é correr em uma Olimpíada com meu irmão e ao lado de grandes lendas do esporte. Quero bater o recorde do Bolt e representar o Brasil. Vi que o atletismo é para mim, por causa da aptidão física. Nesse pouco tempo corri Regional, Brasileiro e Sul-Americano. Ano que vem quero chegar ao Mundial e conquistar pódio – falou o garoto.
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No início de dezembro, Lucas participou pela primeira vez de uma competição fora do Brasil. O jovem esteve nos Jogos Sul-Americanos Escolares em Arequipa, no Peru, onde ganhou o ouro no revezamento 5 X 80 metros rasos, além de duas medalhas de bronze nos 80 metros e 150 metros. Resultados que lhe deixa com o rótulo de promessa da modalidade.