Você abre os olhos, desliga o despertador e logo – às vezes, até sem perceber – já está checando as redes sociais. E se você, assim como eu, vive no Brasil, sabe que esses aplicativos fazem parte, e muito, do nosso dia a dia. Acredite, é assim também para quem está disputando as Olimpíadas de Tóquio. E, por meio dessa exposição dos atletas, vivenciamos mais um momento histórico nos Jogos Olímpicos. Esportistas estão sendo avaliados não só pelo desempenho nas quadras e estádios: agora, eles ganham ouro ou são até desclassificados pela sua performance na internet.
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O caso mais simbólico desse quase novo critério olímpico é o de Douglas Souza, jogador de vôlei brasileiro. Durante os jogos de Tóquio, Douglas tornou-se o atleta da categoria mais seguido nas redes sociais de todo o mundo. Medalha conquistada com muita personalidade e sem preparação alguma, de acordo com o próprio atleta. Até o fechamento desta edição eram mais de 3 milhões de seguidores no Instagram. E esse número só deve aumentar.
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– Ele nasceu para a internet. Ele é uma personalidade animada, alegre, com uma linguagem muito jovial. E ele tem uma representatividade muito grande, principalmente dentro do esporte que a homossexualidade ainda é vista como algo negativo – analisa Elis Monteiro, especialista em marketing digital e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
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Ter uma personalidade única e um público bem definido é uma fórmula de sucesso no gerenciamento de redes sociais. E isso, de acordo com Elis, Douglas tem de sobra. Porém, como também aponta a especialista na área, essa jornada não é feita apenas de louros e muitos likes. Na internet, assim como na vida real, muitas pessoas acabam colocando para fora opiniões preconceituosas e, por vezes, podem até afetar o desempenho de atletas durante as competições.
Gerenciamento de crise
E nesse momento, a vida acaba encontrando muita semelhança com o esporte. Afinal, é preciso ter treinamento e encontrar a equipe certa para conquistar o ouro na olimpíada das mídias digitais. Para a especialista em marketing digital, os atletas precisam ter uma análise profunda do que vão postar em cada canal e, ainda assim, necessitam entender como ter um bom gerenciamento de crise.
– Um atleta deveria ter muito um olhar para o gerenciamento de crise. Todos nós, na verdade. A gente nunca sabe como a mensagem que a gente passa vai ser recebida. Na internet, isso fica muito evidente, porque as pessoas colocam uma lupa em tudo que se fala – aponta Elis.
De um para alguns milhões de árbitros
Receber nota pelo desempenho em cada prova é uma realidade comum para os atletas olímpicos. Por meio das redes sociais, os esportistas começaram então a ter que satisfazer não apenas um árbitro, mas centenas, milhares, milhões. E no pódio da internet, ganhar uma medalha ou uma vitória pode ser ainda mais disputada do que na Olimpíada.
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Por isso, na dúvida do que postar ou comentar, a dica é evitar a superexposição. Quem recomenda essa análise mais criteriosa nas redes é a psicóloga do esporte, Andréa Pesca. Para ela, o objetivo desse cuidado é justamente evitar a influência desses julgamentos na performance do atleta. A especialista explica que, assim como qualquer outro usuário da internet, o uso das redes pode ser positivo ou negativo.
O que diferencia é a forma como cada pessoa absorve as críticas ou os comentários. E, no caso dos atletas, as interferências podem levar até mesmo a “dores”. Assim como acontece no caso de lesões que os afastam das competições.
– A fama pode sim afetar a saúde mental dos atletas, é muito importante que ele saiba vivenciar as emoções e os sentimentos. Se ele não consegue analisar essa crítica, ele pode ter até o que consideramos uma dor emocional. Por vezes, essas dores não são tratadas e por isso é importante que o atleta saiba analisar em que momento é preciso olhar com atenção para isso – disse Andrea.
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Durante os jogos de Tóquio, a superexposição nas redes gerou polêmica. Em um comentário nas redes sociais, a goleira Bárbara – da Seleção Brasileira feminina de futebol – viu o nome tornar-se um dos assuntos mais comentados na internet. E, infelizmente, não foi pelo desempenho no campo. Ao trocar farpas em comentários, após ter a atuação contra a Holanda criticada, a camisa 1 fez comentários preconceituosos contra uma atleta paralímpica.
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A discussão foi tão séria, que a atleta paralímpica envolvida – Andréa Pontes – chegou a printar mensagens da goleira. Em uma delas, Bárbara chegou a comentar que “acha que só porque é deficiente pode falar o que quer”, além de proferir outras ofensas.
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Coincidência ou não, o Brasil foi eliminado da competição olímpica no futebol feminino e teve o resultado bem abaixo do esperado. Segundo a psicóloga, o efeito pode estar bastante relacionado com a capacidade emocional em lidar com essas situações.
– Esse é um grande problema hoje em dia. Especialmente, no caso dos atletas, porque eles têm uma exposição demasiada da vida deles. Com certeza, em um comentário preconceituoso, nos dias que vivemos hoje, ele pode ser bastante negativo, danoso. Isso pode afetar a vida profissional do atleta e principalmente se ele não sabe lidar com essa exposição que ele mesmo causou. Se continuar respondendo, isso pode sim causar um sofrimento psíquico por meio de algo que ele não calculou – explica a especialista. Mais do que apenas gerar danos psicológicos, o uso das redes sociais pode até sobrecarregar a preparação antes dos jogos. Mas, isolar-se e bloquear as redes sociais não é algo recomendável, conforme a psicóloga esportiva.
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Principalmente, na Olimpíada de Tóquio, em que a maioria dos estádios não recebe público. O esportista, segundo Andréa, busca o próprio reconhecimento, mas também deseja o apoio dos fãs. Com a disputa dos Jogos Olímpicos no meio de uma pandemia, as redes sociais tornaram-se o mais próximo possível de um “grito empolgante da torcida”. E os atletas precisam e desejam esse contato. Talvez, seja justamente essa reflexão que possa ser feita para que o uso das redes sociais no esporte: seja mais leve. Atletas: tratem os seguidores como uma grande arquibancada.
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