O triatleta Fernando Paternostro, morador de Florianópolis, de 41 anos, participará do primeiro experimento a longo prazo sobre o uso da Cannabis medicinal nas práticas esportivas. Fernando será acompanhando durante um ano por médicos para criar uma base de informações para um artigo científico sobre os benefícios do uso dessa substância na performance dos atletas.
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Fernando Paternostro é natural de São Paulo, mas atualmente vive no Campeche, no Sul da Ilha de Santa Catarina, porque acredita que Florianópolis seja, em suas palavras, o “berço do triatlo”, esporte que combina um circuito de natação, ciclismo e corrida.
— O triatlo, juntamente com a questão da Cannabis medicinal, se tornou uma parte essencial da minha vida, e aqui em “Floripa” é o berço do triátlon, é onde eu consigo fazer treinos em águas abertas pelo menos três vezes por semana — diz o atleta, que neste domingo (21) participará de um dos maiores desafios de natação mundial: um trajeto de mais de 150 km, que dará a volta à Ilha.
O projeto Atleta Cannabis
Fernando e seu amigo Peu Guimarães, criaram o projeto Atleta Cannabis, com o objetivo de trazer conhecimento e acesso à Cannabis medicinal no Brasil, não apenas dentro do esporte, mas também visando a qualidade de vida e o bem-estar. Atualmente esta é a maior comunidade de Esporte e Cannabis Medicinal do Brasil.
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— Aqui em Santa Catarina o projeto já chegou de uma maneira super positiva. Em Florianópolis eu estou patrocinando a Victória Ulrich, que é uma lutadora de jiu-jitsu do centro de “Floripa”. E também o Mauricio Cangiani, que é um dos sócios da assessoria de nado em águas abertas Treinos e Travessias. Ele já deu a volta na ilha nadando — diz Fernando.
Além das parcerias com atletas, o projeto Atleta Cannabis conta com médicos e nutricionistas parceiros, que fazem consultas e assessoram os atletas profissionais e amadores, e outras pessoas que queiram utilizar a substância para melhorar sua qualidade de vida. O médico de Joinville, Renan Stocco de Camargo participa da iniciativa desde 2021 e explica:
— O foco do projeto é, acima de tudo, levar informações ao público tanto sobre a segurança no uso da medicação, questões relacionadas ao doping, quanto os efeitos terapêuticos da Cannabis. Dessa forma, os atletas podem efetivamente integrar a Cannabis em sua rotina de treinos, visando uma recuperação muscular aprimorada, a redução da ansiedade, a melhoria do padrão de sono e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida.
Veja a rotina do atleta Fernando
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Benefícios da Cannabis medicinal
O principal benefício que o médico observa no uso da Cannabis medicinal no esporte está no aumento da tolerância dos pacientes à dor dos exercícios. Geralmente, os atletas utilizam medicamentos anti-inflamatórios para reduzir essa dor, mas esses medicamentos acabam diminuindo o rendimento dos treinos, pois é justamente a inflamação, causada pela quebra das fibras musculares, que aumenta a força física do atleta. O médico explica:
— Os pacientes que utilizam Cannabis acabam tendo uma recuperação mais satisfatória àquela dor muscular tardia, que é muito comum depois de uma sessão de treinamento. Tanto na questão de percepção subjetiva dessa dor, daquele músculo mais inchado, aquela dificuldade para movimentar uma articulação, por exemplo, quanto também de uma maneira mais objetiva, o atleta volta para o treinamento no dia seguinte e consegue performar melhor do que quando não utilizava a Cannabis.
Renan frisou ainda que a Cannabis não tem a capacidade de neutralizar a dor. Porém, a substância, através de alguns mecanismos, consegue aumentar o limiar de dor desse paciente, ou seja, para que um estímulo seja percebido como dor, ele vai precisar ser maior do que se ele não estivesse utilizando a Cannabis.
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— Isso acontece por dois principais motivos. Primeiro é uma ação da Cannabis no cérebro, no sistema nervoso central, reduzindo de fato a percepção da dor em áreas do cérebro que modulam e que processam esses sinais. E a segunda ação seria diretamente no tecido imunológico, diminuindo então a liberação de substâncias inflamatórias e a migração de células inflamatórias para os locais onde está tendo lesão muscular — diz Renan.
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A Cannabis também é aliada para lidar com a parte emocional da pressão e nervosismo nas competições, na rotina de treinos pesados, e na melhoria da qualidade do sono. Benefícios esses que podem ser usufruídos por atletas amadores e até mesmo por pessoas que não praticam esportes, mas desejam levar uma vida mais saudável.
Durante o experimento aplicado em Fernando Paternostro, a expectativa da pesquisa é mostrar um efeito da Cannabis que ainda é pouco explorado nos esportes: a ação psicoativa do THC. O atleta explica que em modalidades de alta performance, como o triatlo, essa ação da substância no cérebro altera a percepção subjetiva do esforço físico, fazendo com que o atleta ultrapasse seus limites usuais e possa ir mais longe nos treinos.
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— O efeito psicoativo da Cannabis ligado à clareza, foco e principalmente o deslocamento do desgaste neuromotor, faz com que a sua percepção subjetiva de esforço seja alterada e consequentemente te permite ir mais longe dentro do exercício. Então naquele momento da prática da atividade física onde a cabeça tem que controlar e segurar o desgaste físico, aí é onde o THC agiria de forma direta melhorando a performance — diz Fernando.
Uso com cautela e segurança
No entanto, apesar dos benefícios da Cannabis medicinal nos esportes, é necessário que a substância seja utilizada com cautela, pois assim como qualquer outro medicamento, existem contraindicações e efeitos colaterais.
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O médico Renan Stocco acredita que o principal cuidado de uma pessoa que vá utilizar a Cannabis, é justamente ter o acompanhamento de um profissional de saúde de confiança.
Outro fator que o médico acredita que merece atenção é a questão do doping para atletas profissionais. Desde 2018, o CBD (substância não psicoativa da Cannabis) saiu da lista de doping, ou seja, ele é 100% permitido em competições. No entanto, o THC (substância psicoativa), pode ser utilizada em treinos, mas dentro das competições, o atleta não pode estar com níveis acima de 150 nanogramas por decilitro de sangue.
Entenda sobre o uso medicinal do THC e os seus benefícios
— Com relação aos efeitos colaterais da Cannabis, eles costumam ser brandos, principalmente quando a gente utiliza o CBD, que não tem a psicoatividade característica do THC, então não tem a capacidade de alterar o estado mental do paciente, portanto ele é mais seguro. Já o THC pode alterar o estado mental, a coordenação motora e o nível da tensão do paciente. Então para aqueles atletas que vão utilizar Cannabis, principalmente aquelas cepas ricas em THC e praticam algum esporte que envolva coordenação motora ou que envolva risco de queda, como por exemplo Mountain Bike, é muito importante que esse uso seja criterioso, sendo até muitas vezes contraindicado nesses cenários, justamente pelo risco da gente piorar esses aspectos relacionados à concentração e coordenação do atleta, que são fundamentais para modalidade — explica o especialista.
Por essa razão, Fernando e Renan acreditam que o projeto Atleta Cannabis e o estudo aplicado no atleta sejam positivos, pois tem o objetivo de levar conhecimento para que as pessoas possam aproveitar os benefícios da planta, mas de forma segura e com acompanhamento adequado.
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*Sob supervisão de Andréa da Luz
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