Dez anos após sua última incursão na direção, com o curioso e brutal Apocalypto (2006), Mel Gilbson retorna à realização em Até o Último Homem (2016). Indicado a seis Oscar — incluindo melhor filme, direção e ator (Andrew Garfield) —, o longa abraça os códigos e mesmo os clichês das produções de guerra, tradicional gênero cinematográfico que mobiliza corações e mentes, para contar a história verídica de um soldado norte-americano condecorado por bravura em combate, mas que nunca disparou um tiro sequer. Na melhor tradição do cinema clássico hollywoodiano, Gibson narra com paixão e crueza a batalha pessoal que o paramédico Desmond Doss (1919 — 2006) teve que travar para sustentar a determinação de servir ao exército sem pegar em armas e ainda assim salvar 75 homens em Okinawa, durante a II Guerra Mundial.

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Quem vive o herói em Até o Último Homem, longa em cartaz na Capital a partir desta semana, é Andrew Garfield (que encarnou o Homem-Aranha em dois títulos), ator de aparência tão mirrada quanto a do verdadeiro Doss. O longa acompanha a trajetória do protagonista da infância caipira no interior do Estado da Virgínia até o cenário infernal da luta contra os japoneses na ilha do Pacífico Sul. Adventista religioso, o rapaz decide alistar-se depois do ataque a Pearl Harbor, mas se recusa a fazer o treinamento bélico devido a suas convicções espirituais e éticas. Por conta disso, o irredutível Doss vai comer o pão que o diabo amassou no campo de treinamento militar, sendo hostilizado e até agredido pelos colegas recrutas e por superiores como o sargento Howell (Vince Vaughn) e o capitão Glover (Sam Worthington), que interpretam a recusa do rapaz em matar o inimigo como covardia ou traição. O roteiro de Robert Schenkkan e Andrew Knight mostra a importância do ambiente familiar na formação e cristalização das ideias do personagem: filho de um veterano da I Guerra traumatizado com o que viu no fronte europeu, Doss acaba abominando a violência depois de anos testemunhando as agressões domésticas do pai alcoólatra — interpretado pelo anglo-australiano Hugo Weaving, em interpretação emocionante e complexa.

Mel Gibson imprime um registro grandioso a Até o Último Homem, tanto nas partes dramáticas — o que às vezes torna-se excessivo e empostado — quanto principalmente no ato final, ambientado na caótica refrega entre norte-americanos e japoneses. Católico com posições tradicionalistas, o diretor de A Paixão de Cristo (2004) sublinha em seu novo filme a força da fé do socorrista, em falas e cenas que remetem a passagens bíblicas — como o momento em que Doss, perdido em meio à carnificina, pergunta como Jó o que Deus quer dele. As referências são inclusive crísticas: Doss literalmente restitui a luz a um soldado ferido que julgava estar cego ao lavar-lhe os olhos. O tom religioso, no entanto, não compromete a contundente mensagem antibelicista de Até o Último Homem: da mesma forma que em A Paixão de Cristo, as sequências de explícita violência — repletas de mutilações, banhos de sangue e gritos de dor — podem beirar o sadismo, mas também expõem de maneira irrefutável a insanidade e estupidez da guerra.

Outro mérito de Até o Último Homem é ressaltar a humanidade e a humildade de Doss, que recusou vários convites para levar sua história ao cinema, alegando que os verdadeiros heróis foram os que tombaram, e que só às vésperas da morte autorizou o produtor Terry Benedict a fazer um documentário sobre ele, denominado The Conscientious Objector (“O Opositor Consciente“), cujos trechos de entrevistas encerram o longa de Gibson. Guerreiro improvável, Desmond Doss é uma espécie de versão às avessas do multicondecorado Audie Murphy — soldado franzino que sozinho dizimou dezenas de nazistas durante a II Guerra e que virou astro em Hollywood protagonizando sua própria história no filme Terrível como o Inferno (1955).

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