O ataque à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, reforçou o debate em Brasília e entre internautas sobre a necessidade de regular as mídias sociais, por hospedarem grupos de ódio que fazem apologia a ataques, propagam ameaças e chegam a idealizar esse tipo de crime.

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Na terça-feira (11), a discussão foi ampliada por usuários do Twitter que viralizaram na própria plataforma a campanha “Twitter apoia massacres”, após uma reportagem do g1 ter revelado que, em reunião com o governo federal e outras redes, a empresa do bilionário Elon Musk se negou a derrubar perfis que propagam imagens de crianças agredidas e conteúdos que enaltecem ataques.

Uma representante do Twitter argumentou na ocasião que esse tipo de conteúdo não violaria os termos de uso da plataforma nem configuraria apologia ao crime. O NSC Total tentou contato com a empresa e recebeu, em resposta, um emoji de fezes, posicionamento que havia sido anunciado por Musk em março como retorno padrão a qualquer contato da imprensa.

Em resposta à contrariedade do Twitter, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública editou uma portaria específica sobre o tema nesta quarta (12), com algumas diretrizes às empresas. Entre elas, estão a retirada imediata de conteúdos após a solicitação das autoridades competentes, avaliação sistêmica de riscos, adoção de medidas para evitar disseminação de novas ameaças e uma política de moderação.

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Coordenador de relações institucionais no Instituto Vero, entidade civil de pesquisa e promoção de projetos de uso crítico das tecnologias digitais, Victor Durigan afirma que ataques como o de Blumenau são ocasiados também pela conduta das plataformas online, entre outros fatores sociais e econômicos de um amplo contexto. Evitar ataques, portanto, deve também passar pela regulação delas.

— As plataformas não são o único problema, mas são parte dele. Nesse sentido, após inúmeras crises vivenciadas pelas plataformas, que envolvem violência, sérios ataques a sistemas políticos eleitorais democráticos, saúde pública e meio ambiente, para ficar em alguns exemplos, é necessário, sim, que seus serviços sejam regulados. A questão que se abre a partir desse passo é: como regular? — diz Durigan.

PL das Fake News

A discussão sobre a regulação das plataformas é centrada hoje pelo projeto de lei n° 2630, de 2020, também conhecido como PL das Fake News, que, originalmente, foi proposto em combate às notícias falsas, mas também pode incidir sobre a propagação de conteúdos de ódio, segundo avalia Viviane Tavares, coordenadora executiva do Intervozes, coletivo de promoção do acesso à comunicação.

— Certamente o PL 2630/2020 pode atuar como forma de sanar esse tipo de conteúdo. Isso porque a sua redação indica, por exemplo, a implementação de mecanismos de transparência sobre o funcionamento das plataformas, na forma de moderação e também na responsabilização sobre conteúdos de terceiros — escreve, ao NSC Total.

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O PL está hoje na Câmara sob relatoria do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que tenta aprovar regime de urgência à matéria e acolhe sugestões para a redação final.

— O texto tem recebido contribuições do governo, do Judiciário, da sociedade civil e há um trabalho de construção política, buscar consensos ou maiorias. É um processo no qual estamos trabalhando com afinco — disse o deputado à reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa.

Transparência e rastreabilidade

Tavares, do Intervozes, diz que a proposta recém-encaminhada pelo governo Lula (PT) ao relator traz pontos positivos, em especial no que diz respeito à transparência das plataformas, mas guarda ressalva quantos às questões de rastreabilidade e vigilantismo do texto.

— Trazer a identificação de usuários nestes termos pode acarretar em identificação massiva de todos os usuários da rede, o que pode resultar em usos irregulares, como a perseguição de movimentos sociais, ativistas e para outros fins. Este é um debate difícil, porque a solução parece óbvia. Quem não quer identificar de imediato as pessoas que estão propagando discurso de ódio? Mas isso pode também ser usado de forma indevida para perseguir grupos minoritários — pondera.

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Ela acrescenta que uma eventual nova legislação deve atacar questões estruturais e mitigar potenciais riscos das redes sociais, sem se limitar a temas específicos de conteúdo.

Regulação da estrutura

Em entrevista anterior ao NSC Total, a pesquisadora e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Letícia Cesarino, referência no tema e única representante do Estado em um grupo de trabalho federal de combate a discursos de ódio, fez defesa parecida para o caso de uma regulação: ela deve incidir sobre a estrutura da rede, para tentar coibir comportamentos que firam leis que já existem, como em relação a difamação, racismo, leis eleitorais e também a violência.

Durigan, do Instituto Vero, faz coro a isso, argumentando que uma abordagem estrutural coibiria não só a propagação de conteúdos de apologia a ataques a escolas, mas outros extremismos.

— Considerando a imensa gama de possíveis crises que podem surgir no ambiente digital, das quais os ataques são uma, me parece ser mais eficiente que a regulação busque mitigar todos os possíveis riscos que esses serviços podem representar. A lei não pode correr atrás de cada crise, sem saber qual vai ser a próxima. Ela precisa ser direcionada à base de todos os riscos, fortalecendo a estrutura de um ambiente digital mais saudável — afirma o especialista.

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Controvérsias

Editor-chefe do Comprova, projeto de verificação que reúne 41 veículos de imprensa contra a desinformação na internet, entre os quais está o NSC Total, o jornalista Sérgio Lüdtke endossa a necessidade de haver alguma regulação, mas faz ressalvas sobre de que maneira isso seria feito.

— As postagens que mencionam ataques às escolas, por exemplo, ganharam uma dimensão enorme há poucos dias e neste momento parecem dominar todas as conversas pelo país. É um fenômeno que não estava especificamente na pauta nas discussões anteriores sobre regulação, o que mostra a nossa imaturidade para lidar com essa situação — aponta Lüdtke, citando que há fragilidade até em se tipificar o que é desinformação, razão inicial do PL das Fake News.

— Na regulação, muitos pedem transparência para o funcionamento de algoritmos das plataformas de mídias sociais, outro exemplo. Quem está por atrás das ameaças às escolas tem noção de como funcionam alguns desses algoritmos e se vale do pânico gerado para ganhar visibilidade para as suas postagens. Eles usam isso a seu favor. Queremos mesmo dar mais informação sobre como funcionam os algoritmos a esses sujeitos? — questiona o especialista.

— A meu ver, há espaço e necessidade de fazer regulação sobre plataformas, mas isso é só uma parte da solução, porque a real dimensão do problema nós ainda não temos.

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Educação digital

Presidente da comissão de direito digital da seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC), a advogada Sandra Mara Silva Vilela ainda pondera que a legislação vigente e os direitos constitucionais já permitem hoje a responsabilização de quem se usa das redes para cometer crimes.

— O Código Penal, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados já possuem normativas que são capazes de imputar ao autor de um delito a responsabilidade pelos seus atos. A dificuldade é agir para atuar na identificação — afirma.

Ela acrescenta que uma eventual regulação contribuiria para facilitar essa identificação ou mesmo para potencializar a pena de crimes já existentes, citando as mudanças promovidas pela Lei Carolina Dieckmann, de 2012. Isso, no entanto, ainda segundo a advogada, minimizaria o problema, mas não coibiria totalmente os grupos de ódio de se valerem das plataformas digitais.

— Acredito que não seja uma questão de mais legislações, é de mais educação digital e de reforço de outras disciplinas, que vão ajudar a sociedade a crescer de forma justa e ética. É a educação digital de base, o retorno do conceito de ética, de moral, o entendimento por parte do cidadão comum e da criança de como utilizar a internet, para justamente não fortalecer grupos de ódio.

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