Três anos depois de lançado nos Estados Unidos, chega ao Brasil o livro Asterios Polyp, de David Mazzucchelli. Desde Maus, de Art Spiegelman, ninguém ia tão longe na exploração do conceito batizado como “romance gráfico”. Mazzucchelli levou dez anos para desenhar a obra. Quando saiu, pela Pantheon Books, todo mundo ficou boquiaberto.

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“A tensão entre rigor formalista e sutileza emocional não é só o tema e o método dessa obra de uma década do quadrinista David Mazzucchelli: é basicamente essa a história”, escreveu o New York Times. O livro ganhou o Los Angeles Times Book Prize em 2009 e também os prêmios Eisner e Harvey – sua metaficção, que mistura arquitetura, psicanálise, teoria de design, filosofia, ética, estética, deixou os críticos pirados.

“É como se John Updike tivesse descoberto um estojo com tintas e pincéis e LSD”, escreveu um deles na Entertainment Weekly. “Quanto mais você estuda Polyp, mais há para se descobrir. ê um livro que emparelha obras de John Updike, Philip Roth e outros gigantes da literatura americana, e é indubitavelmente um dos romances do ano”, assinalou The Stranger.

“Tudo que não é funcional é meramente decorativo”, decreta o arquiteto e celebridade universitária Asterios Polyp, o personagem central da história. Brilhante e badalado pela academia e pela mídia, o professor universitário Asterios vive uma vida de sonho. Era considerado brilhante em Oxford, “um membro do panteão, ao lado de Sullivan e Mies, Wright e Gropius”. Seus livros eram referências intelectuais. Com sua inteligência e maniqueísmo, tem todas as mulheres que deseja em sua cama. Destroça os inimigos com sua verve. Bon vivant, diverte-se em exibições posando de gourmet e de enólogo, habilidades que exerce com precisão e pedantismo. Entretanto, é um gênio que se dedica à opressão intelectual, à negação de todo impulso imperfeito nas relações afetivas.

Um belo dia, quando comemoraria seus 50 anos, um raio atingiu o apartamento onde Asterios vivia, em Manhattan. Ele foi até a Grand Central Station e, com o dinheiro que tinha no bolso e a roupa que usava, comprou uma passagem até onde aquele dinheiro o pudesse levar. Foi parar no fim do mundo, e virou empregado numa oficina mecânica para pagar hospedagem e comida.

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Não é um romance fácil. Trata de estética, filosofia e as referências vão de Balanchine a Mies van der Rohe. O personagem professa uma certa crença neoplatônica nos objetos como veículos de transcendência – e o desenhista, Mazzucchelli, estrutura isso com uma série de desenhos em que dissolve seus personagens como se fossem uma pintura de Giorgio Morandi.

É nessa linha fina entre a agonia existencial e o elogio racional da forma que se constrói o romance, notadamente embutido no sistema de valores do modernismo visual. Mazzucchelli examina os sistemas humanos que fazem os amores durarem ou morrerem, as crenças se tornarem fé e estética, o testemunho mudo de animais e crianças. A autorização da obra para publicação no Brasil foi “trabalhosa”, segundo sua editora brasileira, a Companhia das Letras. E Mazzucchelli não quis dar entrevista. O mistério de Asterios Polyp, aquilo que o leva a uma espécie de “road movie” existencial, não é tão complexo quanto se pensa. Uma das sacadas do autor.

O estilo de Mazzucchelli, que surgiu desenhando Batman e Demolidor, só coube nos quadrinhos tradicionais por um curto espaço de tempo. Ele se especializou em fazer com que seus desenhos pareçam “atuar” em cena, recorrendo a tiques de atores e de “movimentos de câmera” cinematográficos. Também inoculava temas tabus, como viciados em heroína e prostituição. Progressivamente, sua veia vanguardista culminou no projeto pessoal Rubber Blunket, uma revista editada por ele e por sua mulher, Richmond Lewis, e que só teve três números editados.