Um acidente como o que matou 51 pessoas na Serra Dona Francisca, em Joinville, na semana passada, não acontece sem uma combinação de falhas e irregularidades. No caso extremo da tragédia com o ônibus da empresa Costa & Mar, é possível perceber erros, como cadastro irregular do trajeto e descontrole na jornada de trabalho do motorista, que fariam com que a viagem fosse interrompida caso tivesse sido abordada por algum órgão de fiscalização.

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Se um acidente com tamanha proporção é algo inédito na história de Santa Catarina, esse tipo de falha é comum nas rodovias estaduais e federais do Estado. A Associação de Empresas de Transporte Turístico de SC (Aettusc) admite que cerca de 8% das viagens são clandestinas – não foram devidamente cadastradas junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), ao Departamento de Transportes e Terminais (Deter) ou não cumprem os requisitos informados. Para o Deter, essa estimativa pode chegar a 20% das viagens feitas no Estado.

Detalhes que poderiam ter poupado a vida dos moradores de União da Vitória (PR) que tiveram a viagem encerrada na Serra Dona Francisca e que, se observados, podem evitar destino semelhante a futuros passageiros. Nilton Pacheco, presidente da Aettusc aponta que existem itens que podem ser observados pelo próprio contratante na hora de escolher a empresa que vai fazer a excursão: licenças, verificar a correção da lista de passageiros, comprovação de que os seguros estão em dia e, principalmente, checar o controle de jornada do motorista.

Empresas irregulares

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– O que levou as pessoas a contratar aquele serviço? O valor bem mais baixo que a média de mercado. Essa valor mais baixo é um imposto que deixou de ser pago, um seguro que não foi pago, um motorista que não é contratado. Esse é o custo. É preciso alertar o contratante para desconfiar quando encontrar um valor muito abaixo da média de mercado – afirma o dirigente.

A Aettusc conta com 107 filiados – menos de 15% das empresas de transporte fretado que estão cadastradas no Deter e habilitadas a realizar viagens em Santa Catarina.

O controle da jornada dos motoristas, assim como seu vínculo – o trabalho freelance é proibido nesse tipo de transporte – não são exigidos pela legislação de Santa Catarina.

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– Seguro, contrato do motorista, controle de jornada de trabalho. Nada disso está nas exigências do Deter. Uma atualização da legislação seria uma grande evolução, porque a nossa é de 1981 – afirma Pacheco.

Pouca estrutura e aumento de veículos

Em 2014, Santa Catarina teve cerca de 218 mil viagens de ônibus fretados autorizadas pelo Deter ou pela ANTT. Diante de tamanho volume de veículos para fiscalizar – a conta é maior, por não incluir, é claro, os clandestinos -, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) conta com 600 agentes no Estado, 300 a menos do que seria considerado ideal. No Deter, a situação é ainda pior: 35 fiscais.

– A fiscalização é presente, ela está na estrada. Mas vamos ser sinceros, o governo não investe muito nas fiscalização. A PRF faz milagre com a estrutura que é colocada para eles – afirma Pacheco.

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Mesmo com as dificuldades, a fiscalização dá resultados. No ano passado, o Deter realizou 1.773 autuações – 1.519 delas apenas com os próprios fiscais. A PRF fiscaliza por amostragem ou denúncia e realiza operações especiais nos finais de ano e em eventos como a Oktoberfest e a Semana Santa.

Para fugir da fiscalização, especialmente nas viagens interestaduais – baseada nas regras mais rígidas da ANTT -, os clandestinos procuram rotas alternativas, muitas vezes alongando os trajetos.

Uma novidade que deve aumentar o controle sobre as viagens fretadas ou regulares é o sistema Monotriip – sigla para o Monitoramento do Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional Coletivo de Passageiros, a ser implantado no início do ano que vem pela ANTT. Com o sistema, todos os ônibus terão que instalar um equipamento que vai permitir à agência monitorar em tempo real as viagens – incluindo as rotas e a jornada de trabalho dos motoristas. O Deter aguarda a implantação do sistema para estudar o uso no Estado.

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– Num primeiro momento, muitos empresários viram como um problema. Eu como dirigente de associação, vejo como solução porque vai separar o joio do trigo – afirma Pacheco.