Há algo em comum entre S.S*, 32 anos, e Adriana Ancelmo, 46, ex-primeira dama do Rio de Janeiro. E não é o tempo de três meses em que estiveram presas. A primeira, em uma unidade prisional de Santa Catarina. A segunda, em Bangu 8. Ambas conseguiram o benefício da prisão domiciliar por serem mães, conforme a lei que vigora desde o ano passado, e que autoriza grávidas ou com filhos de até 12 anos a cumprir pena em casa.

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— Sob minha jurisdição, na execução penal todas as detentas grávidas ou com filhos pequenos vão para a prisão domiciliar, salvo exceções – afirma o juiz João Marcos Buch, corregedor penal em Joinville, responsável pela mudança de regime de S.S.

De acordo com o magistrado, há casos como os de mães que foram agressivas ou que praticaram crimes que colocam em risco a criança. Para liberar S.S, ele pediu uma análise do Conselho Tutelar e de um assistente social. Em Joinville, Buch diz que já foram aproximadamente seis decisões parecidas.

Mas quantas são as presas em Santa Catarina que se encaixam no mesmo perfil?

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Quem está em busca de respostas é o juiz-corregedor Alexandre Takashima, que atua no Núcleo da Corregedoria-Geral de Justiça. Na quinta-feira, ele formalizou o questionamento ao Departamento de Administração Prisional (Deap).

Um dia depois, na sexta-feira, outra solicitação para levantar informações a respeito de casos como esses em SC foi levada para o Deap, desta vez pelo defensor público-geral do Estado Ralf Zimmer Junior. A expectativa é que o levantamento, a princípio iniciado já na semana passada, esteja concluído nos próximos dias. SC possui 1.048 presas, o equivalente a 6,23% da massa carcerária do Estado.

Saída liberada apenas para levar filhos a escola ou médico

S.S. foi condenada a nove anos de prisão por associação ao tráfico de drogas. Os filhos têm quatro, seis, 13 e 15 anos. Presa no ano passado, ela passou três meses dividindo uma cela com outras detentas sem ver as crianças. Contudo, em 28 de setembro voltou ao convívio dos pequenos. Foi quando obteve o direito à pena domiciliar, concedido com base em lei que vigora desde o ano passado.

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— Posso sair de casa apenas para atividades relacionadas com elas (crianças), como levá-las à escola ou ao médico — explica a detenta.

Enquanto estava presa, conta S.S., os filhos menores acreditavam que estivesse viajando, história inventada por ela e pelo marido na tentativa de não expor a situação às crianças. No entanto, a versão não foi suficiente para evitar as dificuldades da ausência. Não demorou para que ficassem doentes, sem dormir e chorando mais do que o habitual.

— Eles perguntavam o motivo de eu ter sumido. Meu marido cuidava muito bem deles, mas queriam saber onde eu estava — conta a mãe.

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Embora pense em trabalhar depois de conseguir o direito ao regime semiaberto, S.S. comemora a oportunidade de estar mais uma vez próxima dos filhos. O que antes parecia pouco, agora é destacado: fazer café, dar banho e entregá-los no portão do colégio.

— Se eu errei algum dia, estou pagando. Mas nunca os abandonei.

Mudança na lei vigora há um ano

Em março do ano passado o Congresso Nacional aprovou alterações no Código de Processo Penal, as quais ficaram conhecidas como Marco Legal da Primeira Infância. Uma das principais mudanças é a que reverte a prisão preventiva em domiciliar para gestantes em geral e mulheres com filhos até 12 anos.

Até então, o benefício existia para grávidas a partir do sétimo mês ou com gestação de risco e mães de crianças com até seis anos. No entanto, a aplicação da lei não é automática. O texto faculta ao juiz decidir se a mulher pode ser beneficiada pela nova regra, como esclareceu a presidente do STF.

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Decisão de liberar depende do juiz

Na sexta-feira, o debate a respeito do tema ocupou o noticiário depois que a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, declarou ter enviado à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármem Lúcia, pedido para que o direito ao benefício dado a Adriana Ancelmo fosse estendido a outras presas do país. O mesmo ofício emitido pela ministra seguiu ao Ministério Público e às defensorias públicas.

Cármen Lúcia respondeu à ministra Valois. Para a presidente do STF “a questão da mulher é uma preocupação permanente, mas não se pode ultrapassar a competência do juiz natural. Essa matéria não é do STF, mas do juiz competente para julgar cada caso”. Em resumo, a decisão de liberar ou não depende do juiz de cada comarca.

NÚMEROS DO SISTEMA

O Brasil tem 37 mil mulheres presas

11 mil ainda não tiveram seus processos julgados.

Entre 2000 e 2014 o número cresceu 517%, enquanto o número de homens encarcerados aumentou 220%.

A população carcerária feminina do Brasil fica atrás somente dos Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia.

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Tráfico de drogas (37%) e roubo (22%) são os crimes mais praticados por elas.

Em Santa Catarina são

Mulheres: 1.048

Homens: 15.078

Percentual masculino: 93,7%

Feminino: 6,23%

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) / Ministério da Justiça