O assassinato de uma professora pelo ex-namorado dentro de uma escola pública onde era diretora, em Florianópolis, na tarde da última quarta-feira (19), acende mais uma vez o alerta às mulheres vítimas de violência: toda ameaça é um sinal de que algo grave pode acontecer. A educadora já havia comunicado duas vezes à polícia sobre as intimidações que sofria, mas nunca deu andamento ao processo contra o agressor.
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O crime que vitimou Elenir de Siqueira Fontão, 49 anos, é o 5º feminicídio registrado em Santa Catarina este ano, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP). Os cinco ocorreram em menos de dois meses, entre 1º de janeiro e 19 de fevereiro, e constituem a metade do número contabilizado em 2019, no mesmo período. Mesmo assim, os números representam que, a cada 10 dias, ao menos uma mulher foi assassinada em razão do gênero no Estado.
Coordenadora das Delegacias de Polícia de Atendimento à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami), a delegada Patrícia Zimmermann D’Ávila lamenta a violência do caso e faz um apelo às mulheres, para que tenham atenção ao primeiro sinal de agressividade:
— A mulher entra, muitas vezes, num processo psicológico que não percebe mais a violência. Não se vê em risco enquanto sofre as ameaças e não procura ajuda. E se procura, não representa contra o agressor. Mas é muito importante representar, porque nesses casos a polícia só pode investigar quando a vítima autoriza.
Professor de direito penal, Juliano Keller do Valle explica que o Estado, através das suas instituições, não detém autonomia no crime de ameaça para processar o autor. Portanto, obrigatoriamente, a vítima precisa representar.
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— É necessário que a vítima diga que tem interesse. A Lei Maria da Penha estabelece que mulher vítima de violência manifeste vontade. Ela é indagada e tem que dizer expressamente. Assim a lei define — esclarece.
A partir do momento em que a mulher representa contra o autor, ela também pode solicitar as medidas protetivas de urgência, que são medidas para garantir a segurança.
Especialistas defendem mudanças
Para a delegada Patrícia, a legislação precisa de uma nova análise neste ponto em que demanda a manifestação de interesse da vítima, justamente porque, muitas vezes, a mulher não percebe que as intimidações estão aumentando.
— A violência contra a mulher nunca começa pelo feminicídio. Há sempre algum sinal sensível de violência, como controle, censura, menosprezo ou intimidação. E, nesses casos, quando já existir histórico, é preciso deixar as instituições agir, como já ocorreu com o crime de lesão corporal, por exemplo, que antes demandava representação — analisa.
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Da mesma forma, Keller afirma que é necessário desenvolver políticas públicas, programas mais eficientes de segurança, que amparem a mulher no primeiro registro ou relato de ameaça, porque, segundo ele, o crime de ameaça, descrito no Código Penal, significa prometer causar um mal injusto e grave, como matar, agredir, violentar. Keller entende que, nessas situações, existe a evidência de um risco maior e o Estado precisa dar condições de segurança à mulher.
— Toda ameaça do ex-companheiro é um sinal amarelo de que algo grave pode vir acontecer. Não se pode deixar o sinal virar para o vermelho. É uma evidência de que a mulher pode ser vítima de um crime bárbaro, como o feminicídio — diz o professor.
Proteção do Estado
No mesmo momento em que a mulher é questionada se quer representar contra o agressor, ela também tem a possibilidade de solicitar medidas protetivas de urgência, meio criado para garantir a segurança da vítima e o afastamento do autor da violência. Saiba quais são os direitos das vítimas.
