O som agudo do apito do juíz, a vibração do público com alguns gritos esporádicos e o ruído do sapato arrastando sobre o tatame durante a luta. Esses são alguns barulhos que Wilson Gabriel Santos Soares, de 13 anos, tenta esquecer toda vez que inicia uma disputa de wrestling, popularmente conhecida como uma série de categorias de luta olímpica. O foco do adolescente é pensar que está apenas em mais um treino na companhia do treinador e dos colegas de equipe.
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A estratégia para manter-se calmo funcionou nos Jogos Escolares da Juventude, evento organizado pelo Comitê Olímpico Brasileiro e que está sendo sediado em Blumenau neste ano. Na terça-feira (20), Wilson recebeu três medalhas nas disputas que ocorrem no Parque Vila Germânica, sendo uma prata na luta greco romana, um bronze na categoria estilo livre e outro bronze na competição por equipes.
A precoce e promissora carreira no esporte começou cedo, há cerca de dois anos e meio, quando conheceu o wrestling em oficinas esportivas ministradas na escola onde estuda em Barretos, no interior de São Paulo. O diagnóstico de autismo leve com deficiência intelectual, condição que o próprio adolescente ainda não entende muito bem, não impediu que ele começasse a praticar as lutas com outros garotos da mesma idade.
— Eu vi que eu me encaixava nesse esporte. Eu vi o projeto e tentei "vou ver se consigo me encaixar". Tentei boxe, mas não foi. Muay thai também não foi. Aí tentei a luta olímpica e deu certo, tanto que o professor me chamou para treinar de noite. A partir daí eu comecei a participar de competições. Acho que todo mundo tem uma chance, só tem que correr atrás.
Usando a condição como estratégia de luta no judô
Além de Wilson, há outros dois adolescentes com deficiência que disputam normalmente a edição de Blumenau dos Jogos Escolares da Juventude. Um deles é Vinicius Andrade Leão, de 16 anos, que compete na categoria abaixo de 66 km no judô. O jovem conheceu o esporte em um projeto social em Belém-PA aos sete anos, quando já tinha o braço direito amputado.
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O jovem começou a praticar judô pela vontade do tio, mas logo pegou gosto pelo esporte. Ao participar dos Jogos Escolares da Juventude pela segunda vez, ainda conseguiu rever alguns amigos que fez na edição passada. Após ser eliminado na primeira fase da disputa deste ano, o objetivo de Vinicius é participar novamente da competição, competir em outras seletivas nacionais e, quem sabe, conseguir uma vaga na seleção brasileira.
— Em momento algum eu pensei que conseguiria competir apenas em modalidades paralímpicas. Sempre pensei positivamente porque eu acho que a competição é aberto. Meu plano é treinar cada vez mais para que eu consiga trazer uma medalha dourada para casa.
O técnico da seleção paraense de judô, José Augusto Barreto, classifica Vinícius como um "menino de ouro". Ele afirma que o jovem se destaca porque consegue usar a má formação que teve no braço como uma estratégia contra os adversários. Por fim, ressalta que a condição física do adolescente o motiva ainda mais nos treinos e que a parte emocional, em contrapartida, é bastante estável pela aceitação que tem dos demais membros da equipe.

Outro competidor da categoria do judô, na categoria abaixo de 60 kg, é Rômulo Silva Crispim, de 17 anos. A deficiência auditiva dificultou o iniciar da prática esportiva, mas com os anos ele aprendeu algumas técnicas para melhorar o desempenho, como observar o juiz com frequência para identificar quando há apito para o matê (momento em que a disputa é pausada) e entender as instruções repassadas por sinais pelo treinador.
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O adolescente veio da região da mata de Rondônia para disputar a competição pela segunda vez. Ele chegou a vencer a primeira luta desta edição, mas acabou eliminado na segunda fase. O que fica é o aprendizado para seguir treinando em busca do sonho de competir no Mundo de Judô em 2020.
O treinador da equipe de judô da delegação de Rondônia, Eugênio Coutinho, explica que Rômulo se especializou no esporte e atualmente consegue ser competitivo tanto nas disputas olímpicas quanto paralímpicas, categoria pela qual disputará um campeonato na França. Além disso, ressalta que o adolescente tem todos os demais sentidos muito mais aguçados por conta da deficiência auditiva.
— A participação deles é muito importante e vão aparecer muitos mais. Na realidade, eles são pioneiros e tiveram coragem de fazer. Serão inspiração para outras pessoas que vão pensar "eu posso fazer judô". Acho que podem focar o alto rendimento, competir em dois tipos de competições diferentes, incluindo a categoria para deficientes auditivos, e com isso aumentar o nível técnico deles.
Exemplo para as demais ações do COB
Para o Gerente de Desenvolvimento Esportivo do COB, Kenji Saito, é uma responsabilidade do comitê ser o mais inclusivo possível nas competições. Ele cita que além dos atletas também há funcionários e três voluntários com alguma deficiência: Dayane Paes Muniz, amputada após um acidente de moto, Maike Sommerfeld Tarnowski, paraplégico desde um acidente de carro, e Alex Sandro Pereira, que teve cifoescoliose congênita quando nasceu.
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— É um grande exemplo que as confederações do wrestling e do judô acolham os atletas com deficiência, independente de qual seja, para integrar a equipe e participarem desse grande evento esportivo. Os atletas estão aqui porque são os melhores dos seus estados e, independentemente da condição física, puderam estar aqui representando os seus estados da melhor forma possível.