O Supremo Tribunal Federal (STF) tem a previsão de retomar nesta quarta-feira (30) a análise da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Está em apreciação um recurso que discute a reintegração de posse solicitada pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, que vivem no Vale do Itajaí. A disputa envolve a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ e a área da Reserva Biológica do Sassafrás.
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Um grupo de Xokleng seguiu de ônibus para acompanhar a votação, em Brasília. Enquanto isso, uma manifestação está marcada para ocorrer, à tarde, no Largo da Alfândega, em Florianópolis. A intenção do movimento é chamar a atenção para o impacto nas populações originárias se a tese for aprovada. Entre lideranças indígenas do Estado, o clima é de expectativa a respeito do voto do ministro Cristiano Zanin, o qual tem se mostrado conservador em alguns temas e recebido críticas por isso. Até a posse no STF, o voto de Zanin era contado como certo.
A preocupação aumentou depois que Zanin deu voto contra os povos indígenas ao se posicionar contra o reconhecimento de uma ação sobre a violência policial em terras indígenas Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, numa ação feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A decisão do STF sobre o marco temporal deve impactar 300 terras indígenas e atingir quase 200 mil pessoas em todo o país.
— Acreditamos que Zanin busque uma forma intermediária, entre os votos de Alexandre de Moraes e de Edson Fachin, ambos contrários ao marco temporal. A Advocacia-Geral da União (AGU) tem se mostrado preocupada com os gastos que o governo terá caso tenha que indenizar os agricultores que, anos atrás, compraram terras que o Estado vendeu como se dele fosse, o que deveria ocorrer sobre o pagamento da terra nua, e não pelas benfeitorias. Acredito que Zanin e os demais levem isso em consideração — avalia Brasílio Priprá, liderança Xokleng que estará no STF.
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Para Hyral Moreira, coordenador regional Litoral Sul-SC da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a expectativa é que os direitos sejam respeitados, tendo em vista a dívida histórica:
— Esperamos que Zanin vote em favor dos povos originários.
Na coordenação da Funai no Oeste do Estado, Adroaldo Antonio Fidelis, o Duko, acredita que todos os ministros vão fechar com Alexandre de Moraes, uma espécie de modulação, uma terceira via:
— Zanin vai seguir o mesmo caminho. Não acredito num voto muito diferente disso, nem a um lado nem ao outro.
Formato de indenização pode instigar mais conflitos territoriais
Para Jussara Reis dos Santos, ex-cacica presidente dos Xokleng, o momento reflete a realidade vivida no território desde 2013, quando a ação começou:
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— As famílias estão preocupadas, mas ao mesmo tempo com esperança.
Para Cleber Buzatto, que atua na regional sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em Florianópolis, a expectativa primeira é que o julgamento do recurso extraordinário seja finalizado entre os dias 30 e 31 e negada a tese da constitucionalidade do marco temporal:
— A gente também espera que haja uma decisão que afaste os dois dispositivos distintos trazidos pelo voto do ministro Alexandre de Moraes: o da indenização pela terra nua de forma prévia e o da possibilidade da permuta de substituição da terra indígena por outra área.
O secretário do Cimi, órgão da Igreja Católica, entende que o dispositivo atinge frontalmente o parágrafo sexto, e o próprio artigo 231 da Constituição Federal, o qual define que os títulos que incidem sobre terras indígenas são nulos. Para Buzatto, esse formato de indenização poderia postergar o andamento dos processos de demarcação, já que a posse aos povos seria feita somente após a indenização, onde com a sobreposição de dois direitos poderão potencializar ainda mais os conflitos territoriais.
– A gente entende que esse tema da indenização possa ter aderência de outros ministros, e por isso aguardamos que o STF siga outra compreensão em relação ao tema.
Situação até a última sessão, em junho
O relator do caso, Luiz Edson Fachin votou contra o marco temporal, enquanto o ministro Nunes Marques votou a favor. Fachin argumentou que a tese desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas por emendas à Constituição.
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Ao apresentar a divergência, o ministro Marques afirmou que a decisão do STF no julgamento do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3388), em que foi adotado o marco temporal, é a solução que melhor concilia os interesses do país e os dos indígenas. Para ele, esse parâmetro tem sido utilizado em diversos casos, e a revisão da jurisprudência ocasionaria insegurança jurídica e retorno à situação de conflito fundiário.
Já Alexandre de Moraes, alegando levar em conta a segurança pública, apontou a necessidade de conciliar os direitos dos indígenas com os de produtores rurais que adquiriram as terras regularmente e de boa-fé. Moraes propôs que, se for reconhecida a ocupação tradicional sobre terras que tenham uma cadeia de domínio legítima, os proprietários não podem ser prejudicados.
Nesses casos, a União deve ser responsabilizada e pagar indenização sobre o valor total dos imóveis, e não apenas sobre as benfeitorias. O julgamento deve ser retomado com o voto do ministro André Mendonça, que em junho pediu vista. Os próximos a votar são os ministros Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente da Corte, Rose Weber.
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