As novas pragas que assolam o Egito não têm qualquer relação com a vontade divina. São chagas que brotaram das relações entre os homens. O país tenta buscar a estabilidade após uma revolução derrubar o antigo regime – uma de série ditaduras que, no total, duraram mais de 60 anos. Embora a religião seja um substrato das disputas políticas do país, o recente levante da oposição contra o novo presidente, Mohamed Mursi, busca impedir a aprovação apressada de uma Constituição que pode vir a permitir a interferência excessiva de um Estado governado por forças fundamentalistas islâmicas. Confira quais os principais problemas que colocam em risco a nascente democracia egípcia.
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Autoritarismo
É a tradição histórica do país. Dos faraós aos ditadores militares, que comandaram o país até 2011, homens governaram com o poder de deuses. O estilo moderno, que imperou até a queda de Hosni Mubarak, começou com Gamal Abdel Nasser, que assumiu o poder em 1956, quatro anos depois de uma revolução com um caráter parte nacionalista, parte socialista. Nasser proclamou o país uma república, mas o transformou em um Estado policial – modelo que foi seguido por seus sucessores. Embora Mursi tenha quebrado esse ciclo e sido eleito pelo voto popular, apenas a votação não garante a democracia. É preciso haver uma constituição que limite os poderes do presidente e o impeça de cair na tentadora síndrome do poder faraônico.
Fanatismo
Há o medo do conservadorismo religioso da sociedade egípcia, principalmente com o acúmulo de poder das alas mais radicais da Irmandade Muçulmana e dos grupos salafistas, cuja frase “o Islã é a solução” virou um mantra. O novo anteprojeto da Constituição, a ser submetida a referendo no 15, limita a liberdade religiosa a três religiões: islamismo, cristianismo e judaísmo. As demais foram excluídas do texto final.
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Não é só o lado religioso que preocupa. Conforme relata o professor Abdallah Schleifer (leia ao lado), alguns grupos de oposição ao regime não aceitaram a derrota em nenhuma das eleições e se comportam como grupos fascistas nas ruas. São os chamadas “ultras”, na origem similar aos hooligans britânicos.
Instabilidade
Desde a revolução que derrubou o ex-ditador Hosni Mubarak em fevereiro de 2011, poucas vezes a Praça Tahrir, local símbolo da primavera egípcia, descansou. Os jogos de poder entre militares, liberais e membros da Irmandade Muçulmana, além dos frequentes protestos, prejudicam a consolidação de um Egito estável.
Isso torna mais difícil para o governo fazer planos que visem a mudanças estruturais no país. Áreas vitais foram afetadas: o turismo, parte fundamental da economia egípcia, se desorganizou e a insegurança herdada pela instabilidade afastou os muitos viajantes do país. Uma área inteira do Sinai ficou desguarnecida, permitindo a ação de rebeldes beduínos.
Conflitos externos
Por ser a maior potência árabes e manter o acordo de paz com Israel, o Egito é peça fundamental para a estabilidade no Oriente Médio. Contudo, o acordo de Camp David, que reconhece o Estado de Israel, é extremamente impopular no país, e uma política mais populista poderia fragilizar a relação dos dois países. O professor Schleifer lembra que, se o Egito quebrar o tratado, Israel teria o direito de reocupar o Sinai. Além do mais, um ataque a outro país, por exemplo, precisaria da autorização do Conselho de Segurança Nacional, onde as Forças Armadas são maioria. A favor de Mursi pode-se dizer que foi fundamental na costura da trégua entre os radicais do Hamas e o exército israelense no fim de novembro, depois de oito dias de conflito.
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Ruína econômica
Depois da crise institucional, a crise econômica. Em 2011, se a situação política melhorou, a economia piorou em quase todos os fronts. O crescimento do PIB em 2011 foi de 0,5% (contra 5% entre 2009 e 2010), o desemprego cresceu e, agora, atinge 12,4% da população (era de 8,9% no ano anterior). Entre as mulheres abaixo de 24 anos, chega a 47,9%. As reservas cambiais caíram pela metade (US$ 18 bilhões), de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O governo tem torrado essas reservas para segurar o valor da moeda nacional e garantir o poder de compra de uma população da qual 20% vivem abaixo da linha da pobreza, mas em breve terá que recorrer a empréstimos de órgãos internacionais.
Herança da Era Mubarak
Foram 30 anos de uma ditadura cujo poder político premiou lealdade com poder econômico. Uma estrutura partidária calcada no favor e no fisiologismo. Atualmente, militares controlam empresas estatais, e homens fiéis ao antigo regime estão infiltrados por todos os setores da máquina pública egípcia.
Na mais alta Corte do país, os juízes foram nomeados pelo ex-ditador e são capazes de barrar qualquer iniciativa de mudança do novo governo. É por isso que Mursi foi atrás de “superpoderes” – para ficar imune aos humores de um Judiciário hostil. Ao mesmo tempo, despertou a ira da oposição, que teme um novo líder com poderes ilimitados.
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