A Catedral Metropolitana de Florianópolis, dedicada à Nossa Senhora do Desterro, é a igreja na qual se encontra a cátedra da arquidiocese da Capital, desde sua criação, em 19 de março de 1908. Restaurada entre 2005 e 2010, já antes disso a forma como se batiam os sete sinos foi mudada. Agora é hora marcada, normalmente ao meio-dia e às 18h, sem a necessidade das cordas e de um sineiro. Parte porque a profissão do sineiro está acabando, parte porque a automatização facilita o andamento das atividades paroquiais.

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As pessoas se benziam com o sinal da cruz. Isso em sinal de respeitoGeorge Richard Daux, advogado

Houve um tempo em que as famílias de Florianópolis se guiavam pelos sinos da Catedral Metropolitana. Algo que seria praticamente impossível na cidade que se modernizou, e onde se misturam os sons dos motores dos carros, sirenes, britadeiras. Décadas atrás, dependendo do vento o som chegava bem longe. Ouvia-se, dizem os moradores mais antigos, até no Continente. As pessoas sabiam que hora era, e com isso se estabeleciam as rotinas de trabalho, escola, lazer.

— A geografia da cidade era outra – observa o advogado George Richard Daux, que passou parte da infância na região central da cidade como morador nas ruas João Pinto e Nereu Ramos.

De família católica, George foi coroinha e lembra que por muitas vezes coube a ele tocar os sinos anunciando o horário das missas.

— Era um ritual: os sinos tocavam e as pessoas se benziam com o sinal da cruz. Isso em sinal de respeito.

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George ainda guarda na memória o anúncio da morte do Papa Pio XII, em 1954. Era um menino de 10 anos e lembra que coube ao sineiro da catedral fazer o anúncio.

Dirigente a Associação das Damas de Caridade de Florianópolis, George seguiu o trabalho idealizado pela mãe, e que se iniciou em 1907. Atualmente, explica, com um perfil diferente: menos assistencialismo e mais promoção humana. Para George, as mudanças na sociedade exigem adequações e ajustes que alteram comportamentos, mas que devem ser guardados na memória.

Da velha capela à majestosa catedral

O povoamento de Florianópolis data de 1673. Em 1679, Francisco Dias Velho requereu o título legal das terras, providenciando a construção de uma igreja dedicada a Nossa Senhora do Desterro. Era pequena e construída de pedra e cal. Dentro dela, o fundador de Desterro (hoje Florianópolis) seria assassinado.

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A Paróquia de Nossa Senhora do Desterro foi criada por Alvará Régio em 1712. Em 1748, uma Provisão do Conselho Ultramarino foi enviada ao governador Brigadeiro José da Silva Paes, dava licença para a construção de um edifício para servir de Igreja Matriz da Paróquia. O novo templo, projeto do próprio Brigadeiro Silva Paes, foi iniciado em 1753 e concluído em 1773.

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Em 1908, quando da criação da Diocese de Florianópolis, a Matriz de Nossa Senhora do Desterro foi elevada à condição de Sé Episcopal (Catedral). Em 1922, nas comemorações do centenário da Independência do Brasil, ocorreu grande reforma na igreja. As paredes laterais foram aumentadas, alteradas as torres e acrescido um alpendre neoclássico em suas portadas.

Passo a passo até o campanário

Nossa equipe teve permissão para ver de perto a exuberância dos sinos. Para quem entra na Catedral Metropolitana de Florianópolis, o acesso ao campanário é feito por uma porta localizada do lado direito. Dali sobe-se por uma escada com degraus em madeira em espiral. O formato segue o original de uma grande obra feita em 1922.

O caminho é estreito e chega-se num ponto que tem outra porta de madeira grossa, fechada com cadeado. Por isso, é necessário que seja aberta para se alcançar as torres. Os degraus seguem em modelo de leque e bem desgastados pela ação do tempo. À medida que se avança, surgem aberturas nas paredes de cimento: servem para ventilação. É preciso atenção para subir, pois o trecho segue íngreme e a escada sem corrimão.

Os sinos foram instalados em lugares diferentes. O primeiro que se avista é grande. Apesar da engrenagem, assim como os demais é movido eletronicamente. Um pouco à frente aparece o segundo. Para se alcançar ao topo do campanário, uma espécie de terraço, é preciso percorrer nova escada. Dali se avista a cidade: a Praça XV parece um tapete verde e as águas da baía sul espelham o Morro do Cambirela. Olhando para os fundos da igreja se avista a Rua Arcipreste Paiva.

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Dentro das torres se encontram dois sinos. Estão distribuídos dois a dois nas torres, os de maior peso na seção inferior, os de peso médio na seção superior da torre, e o quinto sino, o menor, sobre o frontão triangular, sustentados por uma armação com barras de ferro.

O espaço das torres é protegido por telas de arame para impedir a presença dos pombos que costumam fazer os ninhos. Um sino menor, o fúnebre, se encontra na parte aberta. No lado externo dá para ver a inscrição Paróquia Nossa Senhora do Desterro, ano de 1879, e o nome São Joaquim. Tem ainda o Brasão Imperial. Já os dois sinos doados por Dom Pedro II tem a cruz da ordem de Portugal.

Uso do sino varia de sepulturas pré-históricas ao pescoço de animais para afugentar maus espíritos

*É impreciso afirmar o surgimento dos sinos. Assim sobre a variedade e tamanhos. Dizem ter sido um instrumento de percussão inventado na China há cerca de 4.600 anos.

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*Mas sabe-se que já existiam no tempo do profeta Moisés (1500 A.C). Em uma citação diz: o Senhor mandou-lhe que colocasse na orla da túnica de Aarão certo número de campainhas de ouro.

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*Foram encontradas pequenas campainhas em sepulturas pré-históricas.

*Muito usados na Idade Média (século V ao século XV) serviam principalmente para chamar os monges que se espalhavam para fazer as atividades nos mosteiros. Com as badaladas, eles corriam para a capela fazer as orações.

*Mais tarde ficou comum o uso de sinos nas igrejas paroquiais, convidando o povo para as celebrações da Eucaristia e oração do Ângelus (ou Toque das Ave-Marias) três vezes ao dia (6h, 12h, 18h).

*Sempre fabricados em metal, há muito tempo os sinos modernos são fundidos em bronze.

* Quando um novo sino é instalado em uma igreja, ele é tradicionalmente abençoado pelo bispo ou pelo pároco. A cerimônia exige o uso da água benta. Os sinos até recebem um nome, homenageando geralmente um santo padroeiro ou a Santíssima Virgem Maria.

*Há um costume antigo de pendurar uma ou mais campainhas no pescoço dos animais. Os pagãos acreditavam que isso afugentava os espíritos maus.

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*Pelos fins do século VIII, se tocavam os sinos para afugentar as tempestades e o granizo.

Ontem tração elétrica, hoje automatização

Assim que chegaram, os sinos foram afinados para produzirem cinco tons sem alteração de um milésimo de tom. Um sino ou um carrilhão não podem ser tocados de qualquer jeito ou a qualquer hora. Por isso, “o regulamento dos sinos foi publicado em 12 de abril de 1927, o que revela o zelo de dom Joaquim por sua igreja catedral”, escreve o padre José Artulino Besen, no livro História de Nossa Senhora do Desterro.

Os sinos também se envolveram na política. Em 4 de setembro de 1934, alguém tomado por raiva publicou: “… é de causar espanto houvesse quem, mais por uma molecagem só lembrável ao espírito demoníaco do excomungado voluntário, se abalançasse sem conhecimento direto ou indireto da autoridade eclesiástica, a fazer soar os sinos da nossa Catedral à chegada do doutor senhor Adolfo Konder, ilustre deputado federal… Agiria o patife a mandado, ou tiraria a iniciativa da própria cachola?

No começo, descreve o padre Besen, os sinos eram movidos por tração elétrica. Com a dificuldade de manutenção, optou-se pela manual. Em 1997, inaugurou-se um sistema de movimentação através de motores, mas a falta de manutenção desativou o modo. Atualmente batem com hora marcada – 12h e 18h – sem a necessidade de cordas e de sineiros. A automatização é sinal dos novos tempos.

Antes de ganharem forma, sinos passam por um longo processo:

Horário das missas na Catedral Metropolitana

Segunda a sexta-feira: 6h30min, 12h15min, 18h15min

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Sábado: 18h15min

Domingo: 7h30min, 9h30min, 18h, 19h30min

Muito além da religião

* No século 18, tempo em que o Brasil era colônia de Portugal, homens vigiavam a entrada da Baía da Guanabara para avisar sobre a chegada de navios corsários. Do alto do Mosteiro da Glória, eles batiam os sinos para chamar a atenção dos moradores que conheciam o toque anti-invasão.

* Também no Rio de Janeiro, a nossa primeira capital federal, existiu um intendente-geral de polícia chamado Teixeira de Aragão que criou um toque de recolher às 18h. A intenção era diminuir a criminalidade. Com o tempo, o toque que passou a ser chamado de Aragão, serviu como corretivo para os escravos que ficavam na rua: eram açoitados.

* Até o início do século 19, a maior parte dos sinos das igrejas do Rio era importada de Portugal. No Brasil, a forja só passou a ser feita com qualidade, em 1808, pelas mãos do mestre fundidor e sineiro João Batista Jardineiro, que veio com a família real e fez sinos para diversas igrejas. O trabalho de sineiro era braçal. Por isso, até o século 19, a maior parte da mão de obra era escrava.

Em Minas, patrimônio imaterial

* A tradição, também presente nas cidades mineiras de São João Del Rey, Ouro Preto, Congonhas, Mariana, Diamantina, Sabará, Serro, Catas Altas e Tiradentes, é uma referência importante para o cotidiano e identidade local. Em 2009, foi declarado patrimônio cultural imaterial do Brasil.

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* São João Del Rey é conhecida como a terra onde os sinos falam, pois carrega uma cultura secular de sineiros que encantam a cidade em dia festivo. Existe até uma linguagem dos sinos com padrões e toques especiais para cada celebração.

* Toques, repiques, e improvisos marcam a rotina dos moradores. Essa cultura de se comunicar por meio dos toques musicais foi trazida ao Brasil pelos portugueses, principalmente para registrar celebrações da igreja católica.

Ritmo africano

* Mas um estudo comprovou que o conteúdo musical dos sinos em Minas também tem forte influência de ritmos afro-brasileiros.

* O estudante de música da Universidade Federal de São João Del Rei (UFJS), Yuri Vieira, estudou o dossiê feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que documentou a tradição dos sinos. Conforme Yuri Vieira, muitos livros contam a história de atuação dos negros escravizados como sineiros. Assim, o pesquisador fez uma conexão: sendo os negros responsáveis por tocar os sinos e tinham uma origem musical muito própria, pode ser que tenham colocado um pouco de ritmos deles nas badaladas.

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Toque padrão

* Em 1707, o bispado da Bahia padronizou os toques de sinos do Brasil com os de Portugal e formalizou a decisão em um documento, que foi distribuído para várias cidades do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Convocação para revoltas

* Está nos livros de história da Bahia: em 25 de outubro de 1836, os sinos tocaram para chamar a 'Cemiterada', revolta de participação popular organizada pelas irmandades e ordens terceiras de Salvador contra a criação do Cemitério do Campo Santo e, principalmente, contra a lei que entraria em vigor proibindo o tradicional costume de fazer enterros nas igrejas. Para convocar o povo, que se reuniu no Terreiro de Jesus, vários sinos foram tocados na cidade.

O czar dos sinos

* Considerado o maior sino do mundo, o Tzar Kolokol, na Catedral de Assunção, em Moscou, na Rússia, foi fundido em 1733 e mede sete metros de altura, seis de diâmetro e pesa 201 toneladas.