Para o psicanalista Robson de Freitas Pereira, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), a execução do traficante Marco Archer ganhou destaque por envolver um brasileiro em país estrangeiro, além de ter sua imagem e sua história divulgadas – diferentemente da maioria das vítimas anônimas da violência. Confira, abaixo, trechos da entrevista concedida a ZH.

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Por que o caso envolvendo a execução de Marco Archer chamou tanta atenção?

Há dois aspectos importantes. Um deles é uma identificação nacional frente ao estrangeiro. E não estou qualificando essa identificação: tanto tem gente que condenou a atitude do governo indonésio, quanto gente que defendeu a pena de morte. Mas o fato de ser um brasileiro no Exterior recorta, individualiza a situação e permite uma identificação maior. Não só a psicanálise, mas a sociologia, a política reconhecem isso. O segundo aspecto diz respeito à relação entre o Estado e o indivíduo. Quando pensamos em todas as mortes que ocorrem diariamente no Brasil, não temos o Estado sancionando isso. A omissão do Estado pode até permitir que o crime se organize, mas na Indonésia temos um Estado que promoveu a morte.

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Parte da dimensão do episódio se deve justamente por envolver o tema da pena de morte, recorrente no Brasil?

Sim. Outro motivo, que eu diria que está subjacente a essa discussão entre Estado versus indivíduo, é essa condição de que nós vivemos, na nossa cultura, o valor individual como valor de referência. Isso determina inclusive se obedeço a lei ou não, mesmo sabendo que terei uma sanção.

Por que tantas mortes por homicídio e acidentes no trânsito não nos chocam como deveriam?

Por que ocorrem cotidianamente, estão diluídas no nosso cotidiano. E porque as ações que, de alguma maneira, combatem essa situação ainda são pontuais. Ou seja, cada campanha de conscientização no trânsito ou cada tentativa de diminuir a violência urbana não tem o volume que se espera para ter uma presença massiva. Não é que não existam trabalhos nesse sentido, mas não têm uma dimensão hegemônica. É preciso haver um avanço na nossa relação com a lei, com a ordem simbólica, no sentido de que exista uma maior responsabilidade de cada cidadão e, ao mesmo tempo, isso esteja articulado com uma política de Estado, de governo.

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O fato de quase a totalidade dessas vítimas permanecer anônima faz diferença?

Com certeza. A singularização, a personalização faz com que se reconheça um outro sujeito e que ele saia justamente desse anonimato, deixe de ser estatística. Quando houve toda essa campanha contra e a favor do aborto, quem respondia ser contra, por razões médicas ou religiosas, quando era questionado se se tratasse de familiar seu, admitia pensar duas vezes. Ou seja, quando a coisa se singulariza, se personaliza, permite uma identificação e um reconhecimento do outro como indivíduo, não como estatística.