Com orgulho, Marcia Friggi aponta o indicador para um dos quadros pintados por ela cinco anos atrás. É uma tela cuidadosamente produzida e que colore a branca parede da cozinha onde está colocada. Alguns metros ao lado, em um pequeno corredor que dá acesso aos quartos, a professora de 51 anos mostra aquelas que são suas preferidas: três pequenas pinturas a óleo que destacam simples casebres e orgulham a mulher que, além de lecionar, é artista nas horas vagas. No chão da casa, o mesmo cuidado ao manusear o pincel é perceptível na agulha de crochê, com tapetes feitos à mão.
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Mas uma coisa é inevitável reparar ao entrar na humilde residência de Marcia: os tons roxo e amarelado. É involuntário. Facilmente perceptível. Não do olho direito, como se poderia imaginar, mas do quadro com estilo contemporâneo, grande e posicionado ao lado da tevê. É a primeira coisa vista quando se abre a porta do apartamento da professora e que no último dia se transformou em uma área de proteção. Curiosamente a obra – cujo destaque é maior do que todas as outras na residência – não tem a aprovação da própria Marcia, mas ela sabe de sua importância – caso contrário não estaria no cômodo mais frequentado.
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Esse quadro, no fim das contas, tem o mesmo significado do olho machucado da gaúcha natural de Mata (RS) e que há oito anos dá aulas em Indaial. Ela não gosta dele, não se sente bem com ele, mas o quadro está lá, para servir como lição a alguma coisa que vai muito além da agressão sofrida na segunda-feira pela manhã dentro da sala de aula. Embora se sinta humilhada, a professora não tem vergonha da situação que vive. Pelo contrário. Orgulho, a mesma palavra escrita no início desse texto, resume discretamente o sentimento de Marcia após os últimos dois dias. Ela se orgulha da força que teve e do modo como enfrentou os problemas após a agressão sofrida por um aluno de 15 anos.
– Foi um gesto de coragem eu ter colocado a cara ali (na postagem feita no Facebook). Não pensei na hora, mas foi uma necessidade de desabafo e se isso for estopim para uma melhora nas condições para os professores, para que ninguém mais passe por isso, aí o olho roxo terá valido a pena – relata a professora.
Como se estivesse vivendo o momento novamente, a professora relembra os detalhes que antecederam a violência. O pedido, a resposta, a discussão, a agressão. Tudo segue passando em sua cabeça, enquanto dormir virou um artigo de luxo. Ela deveria ter agido de outra forma? Poderia ter feito algo para evitar tudo que se desenrolou?
– Essa noite (de segunda para terça-feira), sem dormir, teve um momento em que comecei a pensar na possibilidade de ter agido de maneira diferente, com uma outra postura. Aí parei e disse: “espera aí, estou querendo me culpar por ter sido agredida?”. Isso acontece principalmente com a mulher, quando pensa que mereceu apanhar, que fez algo por aquilo. E quando percebi que estava pensando isso, disse para mim mesma que nada justificava. Tive que me frear – desabafa.
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Marcia segue abalada. A repercussão em nível nacional serviu para mostrar o quanto o assunto é importante e que casos iguais ao vivido por ela não podem ser tratados como problemas pontuais.
Para Marcia, hoje afastada das salas de aula e sem previsão de retorno, resta a recuperação. As feridas vão sarar, mas as cenas de violência vivenciadas em primeira pessoa nunca sairão da memória. Enquanto essa marca não cura, ela pretende deixar outras no seu dia a dia: pincéis e agulhas voltarão a fazer parte da rotina como forma não apenas de passatempo, como de distração àquilo que sentiu.
– Agora vou fazer crochê – diz a professora, pouco antes de fechar a porta para ficar a sós em seu lar, doce lar.