Uma é comédia rasgada. A outra, um drama intenso. A primeira é hit entre crianças e adolescentes. A segunda dá medo até em adultos. A das sete é coloridíssima, a das nove exibe uma fotografia mais naturalista. Mesmo tão diferentes, ambas têm muito em comum: o incrível sucesso. Cheias de Charme e Avenida Brasil, as atuais novelas das sete e das nove, exibidas na RBS TV, são fenômenos de audiência, público e crítica. E julho é o ápice do fenômeno: este mês já é o de maior audiência desde a estreia das duas tramas globais, uma em março e a outra em abril.

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O que leva duas histórias tão distintas a atingirem, no mesmo período de exibição, tantos telespectadores? Uma lista de fatores pode ser enumerada para explicar estes fenômenos: cada autor ou especialista no tema aposta em um ou mais acertos. O principal deles – a tão falada ascensão da classe C, retratada em núcleos principais tanto na faixa das 19h quanto na das 21h – reflete a atual situação socioeconômica brasileira, o que sempre gera imediata identificação com o público.

– Quando se começou a produzir novelas que são recriações da realidade, tratando de temas que interessam toda a sociedade, elas começaram a ter todo esse êxito que têm até hoje – explica Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP.

Enredos e personagens em sintonia com a realidade são os trunfos de Cheias de Charme. Novela das sete de maior audiência desde setembro de 2009, a trama retrata a mudança das relações entre empregadas e patroas no país, fruto da estabilidade econômica. Mesmo com ares de fábula – as personagens principais enriquecem ao bombar como cantoras – há elementos reais, sem estereótipos.

– O acerto da novela é falar da classe C sem pudor, com o coração aberto – diz a atriz Taís Araújo, uma das protagonistas da trama, em entrevista à Revista da TV, de O Globo. – O drama da Penha, minha personagem, tem uma parte cômica, mas é verdadeiro.

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Também em Avenida Brasil, os exemplos desta nova parcela da população são férteis: a classe que subiu na vida é representada tanto por uma dona de um salão de beleza bacana quanto por um jogador de futebol que atingiu o auge da carreira. A família suburbana é o grande destaque da trama de João Emanuel Carneiro:

– Ver os ricos na TV é cada vez menos importante. As pessoas preferem se ver, em vez de uma realidade que não é a delas – justifica o autor.

Interatividade midiática, contemporaneidade e ousadia narrativas e ritmo ágil engordam a lista de fatores de sucesso dos dois folhetins. No primeiro quesito, Cheias de Charme é imbatível. Ações transmídia estão no DNA da atração, que interagiu com o público pela internet em diferentes ocasiões.

– A convergência da televisão com outras mídias e plataformas permite inúmeras modificações na forma de construção dos relatos. E a interatividade com os telespectadores torna essas narrativas cada vez mais passíveis de “alterações a gosto dos fregueses” – afirma a pesquisadora Elizabeth Bastos Duarte, pós-doutora em televisão pela Sorbonne Nouvelle, fã da história das empreguetes: – Tomara que consiga manter o ritmo no tratamento dos temas e, mais que tudo, a leveza e o humor. Quem assiste televisão não busca maiores aprofundamentos, mas entretenimento, descontração, atualização – aponta Elizabeth, que acredita que Avenida Brasil exagera no tom pesado, “quase trágico”.

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Tal drama é justamente uma das inovações da novela: a mocinha que estrela a história não é tradicional, pelo contrário. É raro vê-la sorrindo, pois carrega um ar sombrio – e chega a abrir mão de um grande amor em prol de uma vingança contra a mulher que a jogou no lixão. O autor afirma que a atriz Débora Falabella é frequentemente abordada nas ruas por conta da postura tristonha da personagem Nina.- Mas basta eu colocar uma cena de flashback da Rita quando criança sofrendo o pão que o diabo amassou na mão da madrasta para as pessoas voltarem a torcer por ela – afirma João Emanuel em depoimento à revista Época.

É justamente esse tom forte que intriga o noveleiro Mauro Alencar:

– Há um requinte cada vez maior. O que há de mais interessante, por exemplo, são estas criaturas do João Emanuel, a complexidade delas, ou seja, são figuras sombrias – aponta.

Complexidade essa que poderia ser o outro sobrenome de Carneiro, que se recusa a “nivelar por baixo” a audiência:

– Nos últimos anos, as novelas subestimaram a inteligência do espectador na tentativa de atingir esse suposto denominador comum. O espectador brasileiro não deve ser subestimado, pois já viu muita novela e tem toda a condição de absorver histórias mais elaboradas – disse Carneiro em recente entrevista às Páginas Amarelas da revista Veja.

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