A estudante de Ensino Médio Pâmela Vedovotto Machado, 19 anos, só está viva porque um desconhecido decidiu atravessar a boate Kiss carregando-a nos braços, em meio à fumaça e ao pânico. O herói, Rafael de Oliveira Dorneles, 31, depositou-a sã e salva na calçada e deu meia volta para mergulhar de novo no inferno de fumaça, ansioso por resgatar outras pessoas. Ele não retornou mais.

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Pâmela foi à casa noturna para celebrar o aniversário de uma amiga. Ela conta que a boate estava tão lotada que não se podia dançar, ir ao banheiro, subir as escadas. A estudante posicionou-se ao lado do palco. Na hora do tumulto, foi empurrada contra uma armação de metal e ficou ali, esmagada pela massa humana. Asmática, não conseguia respirar. Apenas gritava por socorro, desesperada.

Nesse momento, surgiu Rafael.

– No meio da correria, ele viu que eu passava mal. O fogo estava alto. Pingava uma água esquisita do teto. Ele foi afastando as pessoas, me tirou dali, perguntou meu nome e disse para eu ter calma – relata Pâmela.

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(Foto: Arquivo pessoal / Reprodução)

Rafael de Oliveira Dorneles

Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

Rafael ergueu a parte inferior do vestido da jovem, de modo que o tecido cobrisse seu rosto e ela não aspirasse fumaça. Agarrou-a por trás, passando os braços de Pâmela sob suas axilas e apertando-os no peito. Com Pâmela firme junto de si, começou a abrir caminho. Havia muita gente no chão, desmaiada. Eles tropeçavam nos corpos. A cada queda, Rafael erguia Pâmela e assegurava:

– Estamos quase chegando.

Quando depositou Pâmela em segurança no lado de fora da boate, na calçada, ele anunciou:

– Vou voltar para pegar meus amigos.

– Não! Não vai, pelo amor de Deus! – implorou Pâmela.

– Tenho de ir – disse ele.

A lembrança seguinte da estudante foi despertar no hospital, com ferimentos pelo corpo. Depois da alta, na tarde de domingo, foi atrás da lista com o nome dos mortos. Lá estava o nome: Rafael de Oliveira Dorneles.

– Quase morri quando soube. Se não fosse por ele, eu não teria sobrevivido. Foi um anjo que me apareceu. Não sei por que me escolheu, só sei que me salvou – desabafa Pâmela.

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Um dos primeiros a chamar por socorro

O estudante de Educação Física Vinícius Montardo Rosado, 26, foi na Kiss com a irmã, Jéssica, 24, e um grupo de amigos. Na hora do incêndio, ela estava junto ao palco e ele, no andar superior.

(Foto: Arquivo pessoal / Reprodução)

Vinícius Montardo Rosado

Foto: Arquivo pessoal / Reprodução

Jéssica testemunhou o início do incêndio e foi uma das primeiras a sair, quando não havia tanto atropelo. Do lado de fora, ligou para o celular do irmão, que estava desligado. Quis buscá-lo, inalou fumaça na entrada do recinto, foi retida pelos policiais. Mas logo recebeu notícias tranquilizadoras: vários conhecidos diziam que o irmão estava bem, que o haviam visto fora da boate e que ele estava ajudando nos resgates.

O tempo passou e Vinícius não reapareceu. A família procurou nos hospitais, em vão. No fim, souberam que o corpo dele havia sido encontrado a poucos metros da porta.

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– No velório, as pessoas diziam que ele tinha salvo 14 pessoas. Acredito que saiu, viu que os amigos haviam ficado lá dentro e voltou. Era uma pessoa que nunca estava triste, que acordava e dormia cantando – conta Jéssica.

Um dos primeiros a conseguir sair da boate, o estudante de Medicina Murilo de Toledo Tiecher, 26 anos, acredita também ter sido um dos primeiros a chamar o Corpo de Bombeiros em busca de socorro.

(Foto: Arquivo pessoal / Reprodução)

Murilo de Toledo Tiecher

Foto: Emerson Souza / Agência RBS

Ao mesmo tempo, ele tentava achar os amigos que, assim que iam saindo, se uniam para auxiliar outras pessoas. A fumaça e o calor chegaram a um ponto em que entrar novamente na boate podia determinar o fim da vida. Angustiado por não ver um deles, teve de esperar a chegada dos bombeiros para salvar o amigo de infância.

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– Tinha gente que salvamos e que encontramos no hospital.