No último dia do processo seletivo internacional para novas empresas da Endeavor, em Florianópolis, o presidente global da organização, o mexicano Fernando Fabre, conversou com o Diário Catarinense sobre o papel do empreendedorismo nas economias dos países emergentes. Para ele, incentivar as pequenas empresas a se tornarem grandes é a chave para aquecer a economia brasileira. Também, é a única solução para países como Grécia e Espanha saírem da crise.
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Diário Catarinense – O Juliano Seabra (presidente da Endeavor no Brasil) disse que 25% dos empreendedores da organização no país quase fecharam as portas em função dos entraves burocráticos ao empreendedorismo. Além disso, convivemos com altos impostos e o custo-Brasil. Então, o que explica a força do empreendedorismo no país diante dessas adversidades?
Fernando Fabre – Nos 15 anos em que a Endeavor tem operado, em todo país que vamos, os empreendedores dizem: “Fernando, você não entende. Meu país é muito difícil, ninguém gosta de arriscar aqui, os juros são muito altos, nosso governo é horrível e as políticas públicas não favorecem os empreendedores. Pode ser no Brasil, México, África do Sul, Turquia, ou Miami, onde abrimos um escritório recentemente, é a mesma história”. E eu digo a eles: “Mesmo? É muito diferente no seu país? Pegue o exemplo do seu vizinho, a Argentina. Dá para dizer com segurança que todas as políticas públicas implementadas nos últimos 10 anos por lá não deram resultado para o setor privado. A interferência que vem de cima (do governo) é muito severa. E mesmo assim a Argentina tem um dos ecossistemas mais empolgantes para o empreendedorismo no mundo”. O motivo é que os empreendedores realmente não se importam muito com as condições externas. Eles vão fazer o que deve ser feito. E acredito que a mesma coisa acontece no Brasil. É claro que você quer um mundo ideal, com os melhores incentivos, mas mesmo que isso não aconteça, os empreendedores vão prosperar, não importa onde. É justamente essa a mágica do empreendedorismo. São as pessoas que fazem as leis que vão acabar aprendendo com os empreendedores e o esforço que eles fazem.
DC – Nos Estados Unidos os empreendedores também reclamam do ambiente de negócios?
Fabre – Quando as pessoas pensam em Estados Unidos, acham que o país é uma máquina de empreendedorismo. Isso é verdade para certos locais, como o Vale do Silício, São Francisco, Nova York, Boston e Austin, no Texas. Mas quando vemos a situação de Detroit, Atlanta, Miami e o centro dos Estados Unidos, percebemos que não há empreendedorismo nesses locais. E mesmo naqueles lugares em que há empreendedorismo, os empresários deixam suas cidades e partem para Nova York ou ao Vale do Silício.
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DC – O empreendedorismo teria o poder de aquecer a economia brasileira novamente?
Fabre – Claro. Tenho certeza de que o empreendedorismo pode fazer uma transformação completa em um país. A grosso modo, 95% das empresas formais no Brasil são microempresas, com um ou dois empregados, outros 4% das empresas são de porte pequeno ou médio (até 250 funcionários), e menos de 1% das empresas são grandes. E, se você olha para o Produto Interno Bruto (PIB) do país de janeiro a dezembro, percebe que as microempresas têm uma participação muito pequena neste resultado. Nada importa mais para o desenvolvimento da economia do que o crescimento das empresas. Se você começa uma empresa e ela permanece pequena, nada muda. Mas aqueles empreendedores que escalam, que fazem crescer seus negócios, são responsáveis por todo o desenvolvimento da economia de um país. Nós levantamos que se apenas cem pequenas empresas no Brasil se tornarem grandes, o PIB do país terá um aumento de 1%. Na Grécia, nós fizemos a mesma análise e descobrimos que se 25 pequenas empresas se tornarem grandes, o PIB do país aumenta 1%. Este é poder dos empreendedores. Então, definitivamente, o Brasil pode fazer com que cem empresas, 200 ou 300 se tornem pelo menos maiores por ano, este não é um pedido impossível.
DC – O empreendedorismo pode ser uma solução para a crise econômica na Europa?
Fabre – Nós decidimos abrir um escritório na Grécia oito meses atrás, no meio da crise, porque nós sabemos que quando a população está desesperada, frustrada, e todos os modelos capazes de incentivar o crescimento já foram esgotados, começa o momento certo de apostar no empreendedorismo. A abertura desse escritório tem sido uma das estreias mais bem sucedidas da Endeavor no mundo. Temos um time fantástico lá e empreendedores extraordinários. Abrimos outro escritório na Espanha, no mês passado, um país com uma taxa de 45% de desemprego entre pessoas de 20 a 35 anos. Apenas um entre dois jovens na Espanha consegue encontrar um emprego. Acredito que a única maneira de sair desse cenário é por meio do empreendedorismo. Porque o governo gasta dinheiro, aumenta taxa de juros, abaixa impostos para as grandes companhias, e não adianta. O empreendedorismo se torna a única solução para a crise, especialmente o de alto impacto.
DC – Temos a impressão de que o empreendedorismo só consegue se desenvolver em países de economias fortes…
Fabre – Não é um problema de quem vem antes, o ovo ou a galinha. Não importa a ordem. A Endeavor está em áreas, Estados ou até países muito pobres, onde dois ou três empreendedores estão conseguindo transformar a paisagem. E nós também estamos em Miami e Madri, cidades relativamente ricas, com instituições fortes e que, ainda assim, têm dependido de dois ou três empreendedores para transformar o entorno. Não importa se você está em um país rico, pobre, com ou sem instituições, o ponto de partida não interessa para empreender.
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DC – Há setores ou atividades no Brasil hoje que favorecem a abertura de negócios bem sucedidos e de alto impacto?
Fabre – Comparando o Brasil com países menores, como Argentina, Chile, Uruguai, talvez, ou países do Oriente Médio, a diferença que temos visto é de que a economia brasileira é tão grande, com tantos consumidores, que muitos empreendedores brasileiros estão focados no mercado interno. E sentimos falta daqueles empreendedores com foco global. Acho que hoje o desafio do Juliano (Seabra, presidente da Endeavor Brasil) e de seu time é encontrar empreendedores que querem ir além das fronteiras, aumentar a produtividade e fazer do Brasil um país mais competitivo.
DC – Com a crise da valorização do real, em 2010, muitas empresas catarinenses deixaram de exportar para investir no mercado interno. E a estratégia tem dado certo…
Fabre – Mas agora elas têm a oportunidade de começar a exportar de novo. Muitos mercados mudam suas cotações todo o tempo. E é difícil de prever o que vai acontecer com a moeda. Isso depende de uma série de fatores que são difíceis de antecipar. Acredito que os melhores empreendedores são os que têm coragem de enfrentar os riscos das flutuações da moeda. Não acredito que a fonte da competitividade para exportar ou importar está no preço do real. Competitividade tem a ver com a qualidade do serviço, do produto, com a formação de preço e com a habilidade de adaptar os preços dos produtos às mudanças temporárias ou conjunturais da moeda moeda. Mas hoje, as oportunidades, pelo menos a curto prazo, parecem ter voltado para a exportação, porque o real está perdendo valor. Então, as portas estão abertas.
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DC – Qual é o papel do Brasil na comunidade global da Endeavor?
Fabre – Em 15 anos, já criamos uma rede com 20 países, cerca de 300 funcionários que se dedicam integralmente à Endeavor e, pelo menos, um funcionário em tempo integral em 45 cidades ao redor do mundo. Há dois ou três países que são referência para todos os escritórios da Endeavor e, claramente, o Brasil é um deles. Eu acho espetacular a maneira como o time brasileiro tem encontrado, selecionado e principalmente melhorado empreendedores, além da maneira com que o Brasil tem transformado a história desses empreendedores em modelos para as próximas gerações de empresários. Outro papel da Endeavor Brasil, que ninguém além do time brasileiro está fazendo, é produzir conteúdo para ajudar os empreendedores da rede a entenderem o que é empreendedorismo de alto impacto, mas também para dar suporte àqueles empreendedores que querem fazer mais, como as microempresas, aqueles que realmente querem escalar e criar bons empregos. E o Brasil tem sido o líder na criação desse conteúdo ao ponto de o resto dos escritórios da Endeavor no mundo olharem para esse modelo de criação de conteúdo brasileiro. O Brasil não é líder no número de empresas. Outros países tem uma estratégia mais agressiva de seleção. Mas não medimos o sucesso de um escritório pelo número de selecionados, e sim pelo crescimento dos empreendedores depois da seleção.