Há 40 anos, o Vale do Itajaí enfrentava a mais longa enchente da história de Santa Catarina que se tem registro. Era 5 de julho quando o nível do Rio Itajaí-Açu entrou em estado de atenção em Blumenau e levou apenas quatro dias para tingir o pico de 15,34 metros, no sábado traumático de 9 julho.
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Dali para frente, os moradores viveram praticamente um mês com a cidade alagada. Cerca de 70% do município foi tomado pela água em uma inundação que avançou por 90 cidades e chegou ao Vale do Rio do Peixe, Planalto Serrano e Norte. Causou dor e perdas, mas também deixou lições.
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Após 32 dias, em que as águas subiam e desciam trazendo medo à população blumenauense, a mais castigada na época, finalmente em 5 de agosto o rio voltou para a calha e a enchente acabou.
Mas o cenário era de destruição. Casas, comércios, pontes, ruas, rede elétrica. Tudo destruído, e muitas vidas perdidas. Foram 49 mortes em Santa Catarina. Oito só em Blumenau. As principais causas, segundo levantamento da época: afogamento, choque elétrico, sede e fome.
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Em um período que a Defesa Civil praticamente não existia na cidade, era apenas um funcionário ligado ao gabinete do prefeito, coube ao 23º Batalhão de Infantaria comandar a operação de socorro às vítimas junto com polícia e bombeiros. Eram aproximadamente 600 militares atuando.
Adilson Roberto Elísio, com 21 anos na época, há três servindo no 23º Batalhão de Infantaria, viu de perto o drama das 50 mil pessoas desabrigadas no município, então com cerca de 157 mil moradores.
— Saíamos de bote tentando salvar pessoas. Íamos de helicóptero levar comida para as famílias na Itoupava Central. O batalhão virou base para receber ajuda humanitária e chegavam doações de vários países. A gente se perguntava se não ia acabar mais — conta.

Sem água potável, sem luz, sem comunicação e sem informação, a população criou as próprias estratégias para sobreviver. Subiram para o alto dos morros, foram para escolas e igrejas e instituíram aqueles espaços como abrigos públicos.
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Houve quem preferiu ficar, para evitar os furtos, que avançam mesmo em meio ao caos da inundação e obrigaram rondas, principalmente à noite, para evitar saques. Alguns, quando se deram conta, já não tinham mais como ir buscar abrigo seguro.
Dezenas de pessoas subiram nos telhados das casas e gritavam por socorro sem tem por onde escapar.
A ajuda muitas vezes vinha de bateira, por civis mesmo. Parentes e vizinhos de Ivo Hadlich, morador da Rua São Roque, na Itoupava Norte, pegaram carona em embarcações que passavam pela sacada da casa, no segundo andar, para chegar ir a pontos mais elevados.
— Era só gente chorando, gritando, coisa de catástrofe mesmo. Os troncos das árvores batendo nas paredes da casa, nós tremíamos de pavor. Da sacada, via a água levar as coisas pelas janelas — recorda.
As bateiras da família chegaram a ser levadas por soldados do Exército para ajudar outras pessoas, relembra Ivo. Ele precisou queimar jornal na janela de casa durante uma madrugada para avisar aos irmãos que precisavam ir buscar a mãe na residência onde a água já estava no segundo piso.
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O caos era generalizado.
O médico Siegmar Starke, que tinha saído de casa para um plantão de 24h e ficou cinco dias no Hospital Santa Catarina, no Centro de Blumenau, chegou a marcar nos arbustos até onde tinha ido a água e relata as consequências daquela enchente.
— Já no primeiro dia ficamos sem energia elétrica, sem água potável, sem telefone, medicamentos limitados. Teve um dia não havia comida. Saímos muitas vezes do hospital de bateria para fazer atendimentos e levar remédios.
Helicópteros da Marinha e das Forças Aéreas vieram ao Estado para prestar socorro. Empresários emprestaram as próprias aeronaves para levar mantimentos que vinham de doações de vários cantos do Brasil e do mundo, aos necessitados.

Quando a chuva deu uma trégua e o nível do rio baixou um pouco, famílias atingidas pela enchente puderam sacar o FGTS para recomeçar. Mas dias depois, a água voltou a subir. Em 27 de julho, eram 125 ruas alagadas em Blumenau.
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Levaram mais nove dias até o fim da inundação mais longa de Santa Catarina. Em 5 de agosto, tinha chegado o momento de recomeçar, mais uma vez limpando ruas, consertando fiação rompida, lavando as casas e comércios afetados.
Veja capas do Santa durante a enchente de julho de 1983
O Jornal de Santa Catarina cobriu a mais longa enchente da história de Blumenau. Porém, assim como a maioria da população, também sofreu os efeitos da inundação. Na tarde de 7 de julho precisou interromper as atividades por causa do avanço das águas e só retomou as edições em 15 de julho.
A essa altura, muitas cidades do Estado estavam isoladas e exigiu esforço redobrado das equipes do JSC para que as informações chegassem à população.
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