Um evento inédito apresentou a cidades de Santa Catarina 84 ideias para que os municípios se tornem mais resilientes aos riscos climáticos. As sugestões de adaptação foram listadas em um estudo liderado pelo doutor em Geociências, Francisco Veiga Lima, pesquisador que atua na Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Economia Verde (Semae). A maioria delas sequer demanda obras.

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A pesquisa focou nas 46 cidades da mesorregião Sul, mas serve para qualquer outro ponto do Estado, reforça Francisco. No mês passado, durante o 1º Seminário Catarinense de Adaptação às Mudanças Climáticas, que funcionou como uma capacitação a prefeitos dessa região do Estado, alguns dos resultados foram apresentados. Nesta semana, o documento foi finalizado e disponibilizado com exclusividade ao NSC Total.

“SC possui 100 municípios classificados como alta vulnerabilidade para inundações e deslizamentos, destes, 12 são da mesorregião Sul; 13 sequer possuem órgãos de proteção e defesa civil; 49 não possuem Fundo Municipal de Proteção e Defesa Civil; 34 não possuem Plano Municipal de Contingência e 36 não realizam fiscalização periódica das áreas com riscos de desastres”, ressaltou o relatório.

Assim como tantos outros cientistas, Francisco defende que avançar nas questões de adaptação aos riscos é muito mais barato do que lidar com o impacto após os desastres. Por isso, propôs 66 medidas não estruturais que podem ser adotadas pelos gestores, além de 18 que exigem obras:

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— Foi o pontapé [da Semae] em termos de pesquisa. O catálogo de medidas de adaptação é resultado de uma compilação de um levantamento em diversas plataformas nacionais e internacionais que tratam do tema — explica.

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As sugestões foram divididas em grupos: 21 abordam cidades; 15 são para agricultura; nove para indústria; oito para transporte e logística; 17 para zonas costeiras e 14 para biodiversidade. Nenhum município é obrigado a adotar qualquer uma delas, mas a médio e longo prazo, junto com outras mudanças, elas podem ser o caminho para prevenir riscos e evitar danos maiores como inundações ou deslizamentos, acredita o pesquisador:

— Óbvio que eventos extremos sempre vão ocorrer, mas se a gente tomar providências, implementar medidas de médio e longo prazo, com certeza o risco do impacto será muito menor e afetará um número menor de setores da sociedade, por exemplo — comenta.

Agora, o maior objetivo da Semae é a contratação de estudos para a elaboração de um plano de ação climática para Santa Catarina até o fim deste ano.

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Leia o especial “E nós com isso?”, da série SC e os Extremos do Clima.

As medidas

Cidades

  • Promover obras de contenção de encostas, drenagem urbana e controles de inundações (utilizar/implementar princípios das soluções baseadas na natureza (SbN) e adaptação baseada em ecossistemas (AbE));
  • Implementar e melhorar os sistemas de abastecimento e armazenamento de água e esgotamento sanitário e manejo de resíduos;
  • Expandir áreas verdes das cidades – Reflorestamento e plantio de árvores para diminuição das ilhas de calor e redução do escoamento superficial da água;
  • Promover a reabilitação de áreas urbanas consolidadas (diminuir a exposição, ao não induzir ocupação em áreas de risco);
  • Desenvolvimento e implantação de sistema de alerta precoce; 
  • Desenvolver e implementar Planos Municipais de Adaptação à mudança do clima;
  • Adotar conceitos urbanísticos sustentáveis;
  • Promover a implantação de parques lineares para melhoria da permeabilidade do solo e proteção de cursos de água (utilizar/implementar princípios das SbN e AbE);
  • Promover a articulação federativa entre as esferas de governo e intercâmbio institucional;
  • Atualização de Planos Diretores e zoneamento urbano para incorporação de questões de drenagem e clima;
  • Promoção de ações de educação ambiental e climática;
  • Gestão de banco de dados entre municípios, estados e união;
  • Elaboração e implantação de programas de conservação energética e investimento em energias renováveis;
  • Implantação de programa de difusão tecnológica para alcance do uso racional da água;
  • Elaboração de planos de contingência específicos para eventos de cheias;
  • Melhorar gestão do uso e ocupação do solo;
  • Aumento de áreas permeáveis, com políticas públicas de incentivo à manutenção e incremento das taxas de permeabilidade urbana;
  • Elaboração de planos de gestão de secas, com foco nas bacias hidrográficas;
  • Aprimoramento dos modelos de previsão climática;
  • Promoção da gestão de riscos, através da construção de cenários futuros para o planejamento de longo prazo;  
  • Promover agricultura urbana.

Indústria

  • Elaboração e implantação de sistemas de captação e reuso de água;
  • Recuperação e manutenção de áreas naturais no entorno de rios e nascentes, especialmente no entorno de mananciais de abastecimento industrial; manutenção de corredores ecológicos formados pelas matas ciliares;
  • Identificação e monitoramento de variáveis climáticas;
  • Disponibilização de ferramentas para acesso aos dados da rede de monitoramento e alertas em uma linguagem gerencial;
  • Mapeamento de áreas de risco e do parque industrial em expansão, a fim de garantir que tal expansão não ocorra em áreas vulneráveis;
  • Planejamento e Investimentos em medidas de adaptação baseada em ecossistemas em áreas ao redor da planta industrial;
  • Investimentos em reuso, dessalinização e fontes alternativas de obtenção de água e energia;
  • Inclusão do risco climático em todas as ações de planejamento das indústrias. Aprofundamento do conhecimento sobre impactos, vulnerabilidades e medidas de adaptação para subsetores industriais;
  • Sensibilização das empresas para introdução do tema de adaptação na agenda de sustentabilidade, especialmente das micro e pequenas empresas, que constituem o maior número de empreendimentos industriais e frequentemente são as mais vulneráveis.

Transporte

  • Implementação de Soluções técnicas que confiram maior proteção e resiliência, contemplando medidas preventivas e de resposta que minimizem impactos de eventos extremos, tanto no deslocamento de pessoas como no de cargas, e que reduzam custos e o tempo de recuperação de ativos eventualmente afetados;
  • Recuperação/conservação de encostas próximas a rodovias;
  • Realizar inspeções e manutenções de vias, sistemas de drenagem e barreiras de contenção com maior frequência;
  • Existência de sistemas de alerta de condições meteorológicas e meios de comunicação à população, sobre a operação dos modais e das rotas de transporte e alternativas; entre outros;
  • Planejamento do uso e ocupação do solo e alocação de infraestrutura de forma integrada com a avaliação de riscos climáticos e considerando princípios de AbE;
  • Infraestrutura de transportes existente deve ser revisitada a partir da perspectiva da minimização dos impactos climáticos, aproveitando- se, não só dos ciclos de manutenção dos ativos, como também requalificando e revisando as especificações técnicas;
  • Qualificação do transporte público coletivo e de modais não motorizados, que proveem ao mesmo tempo melhoria das condições de deslocamento da população e co-benefícios para mitigação, adaptação, economia e bem-estar das pessoas;
  • Articulação entre os entes setoriais, como os responsáveis pelo transporte e trânsito, saneamento, defesa civil, bem como entre entes federativos, como os municípios em regiões metropolitanas e governos estaduais e federal.

Agricultura

  • Manejo de pragas e doenças: diversidade e rotação de culturas, controle biológico e desenvolvimento de estudos sobre riscos de pragas em função da mudança do clima;
  • Melhoria das estruturas de conservação do solo;
  • Promoção do bem-estar animal: manter sombras nos pastos e ampliar os estudos sobre o meio que vivem os animais e os impactos da mudança do clima na produção animal;
  • Melhoria nos sistemas de transportes de produtos agro para reduzir preço dos alimentos (segurança alimentar, considerando potencial realocação produtiva);
  • Uso sustentável de recursos hídricos: práticas agrícolas que permitam melhor infiltração da água e manutenção da umidade no solo, reduzam a necessidade de irrigação, de sistemas de irrigação mais eficientes, armazenamento de água da chuva e combate à desertificação;
  • Recuperação e Conservação de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal: permitem manter nascentes, cursos d’água, ciclo da água, temperaturas mais amenas e ecossistemas com predadores naturais de pragas;
  • Transição para sistemas integrados de produção: sistemas como lavoura-pecuária-floresta, lavoura-pecuária, silvipastoril ou agroflorestas dependem menos de recursos externos e reduzem a vulnerabilidade a riscos climáticos;
  • Fomento de sistemas agroflorestais: amenizam efeitos de eventos extremos, modificam temperaturas, proporcionam sombra e abrigo, permitem estender épocas de colheita e agem como fontes alternativas de alimentos durante períodos de secas e cheias;
  • Diversificação da oferta de alimentos e/ou melhoramento genético: considerando as altas temperaturas e a restrição hídrica, a diversificação de espécies é uma alternativa possível;
  • Revisão e fortalecimento de políticas públicas: Ampliar discussão sobre marco legal para pagamento por serviços ambientais ao setor agrícola, revisão do sistema de seguro rural, aplicação do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC);
  • Apoio técnico e financeiro: transferência de novas tecnologias que promovam a resiliência e adaptação e qualificação de profissionais, aperfeiçoamento e ampliação do seguro rural e financiamento para as regiões mais vulneráveis;
  • Consumo consciente: promover campanhas de esclarecimento para população com intuito de que seja dada preferência aos produtos provenientes de sistemas de produção que contribuam para adaptação e mitigação da mudança do clima;
  • Desenvolvimento pesquisas sobre sementes adaptadas às restrições hídricas, extremos de temperatura e pragas;
  • Monitoramento dos impactos que as alterações climáticas possam provocar nas espécies;
  • Aprimoramento das técnicas de agricultura e da utilização dos recursos naturais.

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Zona costeira

  • Fortificação de infraestruturas costeiras, portos, rodovias, passeios, edificações públicas e privadas, levando em conta cenários climáticos futuros;
  • Manutenção ou restauração da faixa de restinga e dunas para proteção da orla;
  • Conservação de serviços ecossistêmicos de proteção costeira (SbN e AbE), como dunas, manguezais e marismas;
  • Elaboração de Plano Municipal para Mudança Climática;
  • Elaboração e implantação do Projeto Orla (planejamento da orla marítima);
  • Atualização de Planos Diretores e zoneamento urbano para incorporação de riscos climáticos associados a aumento do nível médio do mar, inundação e erosão costeira;
  • Financiamento de projetos sustentáveis para construção na orla;
  • Promoção de planos de gestão costeira;
  • Políticas e regulações para diminuição da exposição de comunidades e bens em áreas de risco costeiro (realocação e prevenção de assentamentos próximos à orla);
  • Mapeamento de áreas de risco de inundação e erosão costeira;
  • Sistemas de informação e de alertas;
  • Contratação de seguros financeiros e estruturais;
  • Ações que fomentem o monitoramento das condições meteoceanográficas;
  • Capacitação das comunidades locais para gestão adequada dos ecossistemas costeiros e da água, restauração de ecossistemas costeiros;
  • Implementação de mosaico de áreas marinhas e costeiras protegidas;
  • Gestão sustentável da pesca mediante implementação de: áreas de exclusão de pesca; programas de monitoramento e manejo;
  • Capacitação de pescadores sobre mudanças climáticas.

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Biodiversidade

  • Utilização de infraestruturas híbridas (cinza e verde) para contenção de enchentes e movimentos de massa;
  • Criação de barreira natural em área costeira a fim de estancar processo de erosão;
  • Recuperação de manguezais como proteção contra enchentes e contenção da linha de costa;
  • Recuperação de matas ciliares e proteção das nascentes para proteção de cursos hídricos;
  • Restauração de mata nativa, práticas florestais e agroflorestais, manejo sustentável de florestas para recuperar biodiversidade e serviços ecossistêmicos;
  • Criação de unidades de conservação e corredores ecológicos, terrestres e marinhos, considerando a resiliência à mudança do clima;
  • Cogestão em processos participativos envolvendo comunidades, governos, academia, ONGs que contribuam para a manutenção da biodiversidade e dos ecossistemas em conjunto com a sobrevivência de populações tradicionais e seus costumes;
  • Planejamento territorial que considere as alterações futuras nos ecossistemas e na biodiversidade, melhor gestão de fatores não climáticos e restauração de áreas degradadas;
  • Aprimoramento das práticas de gestão de ecossistemas;
  • Expansão de áreas protegidas;
  • Promover o controle de espécies exóticas, principalmente em áreas protegidas, já que as mudanças climáticas podem criar condições favoráveis para o estabelecimento de novas exóticas invasoras;
  • Pagamentos pelos serviços de provisão de água em determinadas localidades;
  • Elaboração de planos municipais de proteção e restauração de florestas;
  • Conservação da variabilidade genética das espécies a fim de facilitar a adaptação das populações às mudanças climáticas.

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