A nave robótica chinesa Chang'e-4 fez algo no ano passado que nunca havia sido feito antes: pousou no lado distante da Lua trazendo a Yutu-2, uma pequena sonda que começou a se mover por uma cratera. Um de seus instrumentos, um radar de penetração no solo, revelou o que existe por lá.

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Em um artigo publicado na revista "Science Advances", uma equipe de pesquisadores chineses e italianos mostrou que a camada superior do solo lunar naquela parte da Lua é consideravelmente mais espessa do que se esperava – cerca de 40 metros do que os cientistas chamam de regolito.

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"É um ambiente com areia fina e poeira", disse Elena Pettinelli, professora de matemática e física da Universidade Roma Tre e uma das autoras do artigo. Com base no que os astronautas da Nasa observaram durante os pousos lunares da Apollo, outros cientistas disseram que esperavam um quarto a mais de solo.

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"É muito regolito. Isso dá o que pensar", afirmou David A. Kring, cientista sênior do Instituto Lunar e Planetário de Houston, que não está envolvido na missão lunar chinesa. A Chang'e-4 pousou há pouco mais de um ano dentro da cratera Von Karman, uma depressão de quase 180 quilômetros de largura, e continua a explorar uma área antes intocada.

A tecnologia de radar a bordo da sonda é amplamente usada na Terra para revelar estruturas subterrâneas e foi implantada em naves espaciais que orbitam Marte. Mas raramente tem sido usada na superfície de outros mundos.

A antecessora da Yutu-2, que pousou na Lua em 2013, carregava um instrumento idêntico. Três sondas programadas para serem enviadas a Marte em julho, uma pela Nasa, uma por uma colaboração entre a Rússia e a Agência Espacial Europeia, e uma pela China, todas têm radares semelhantes.

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(Foto: China Lunar Exploration Program via The New York Times)

Kring disse que trabalhou em propostas para a Nasa para usar radar de penetração no solo em futuras missões à Lua, tanto as robóticas quanto as tripuladas. As descobertas da missão chinesa podem mostrar a utilidade da tecnologia, especialmente para encontrar depósitos de gelo sob a superfície lunar, que poderiam possibilitar estadas humanas mais longas na Lua.

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"Acreditamos que seria uma ferramenta muito útil para a prospecção de depósitos de gelo subterrâneos nas regiões polares. Ver a ferramenta em uso na superfície lunar nos dá mais confiança de que o método que criamos vai funcionar", relatou Kring.

Embora a cratera Von Karman esteja dentro do que é conhecido como bacia do Polo Sul-Aitken, uma antiga cratera de impacto de 1.800 quilômetros de largura, ela se localiza muito ao norte para haver gelo no solo.

As ondas de radar atravessaram mais ou menos 12 metros quase sem esforço, indicando um material granular poroso. Abaixo disso, havia pedregulhos em uma faixa de até cerca de dois metros. Uma terceira fatia de solo, ainda mais abaixo, parecia consistir em camadas alternadas de partículas finas e grossas, mas sem pedregulhos.

Uma surpresa foi que os pesquisadores não viram sinais de basalto – lava solidificada – que teria se agrupado no fundo de uma cratera enquanto as rochas derretiam por causa de um impacto de meteoro. Os sinais de radar da Yutu-2 teriam detectado essa rocha se a sonda tivesse visitado a cratera Von Karman logo após sua formação.

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Vários bilhões de anos depois, porém, a superfície do basalto foi enterrada pelo regolito, que foi posteriormente espalhado por impactos posteriores. A camada superior de partículas finas também pode ter contido pedregulhos, que talvez tenham sido quebrados em subsequentes eras de colisões cósmicas.

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(Foto: NASA via The New York Times )

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"É uma área antiga", disse Pettinelli. Na Terra, muito pouco da superfície é moldada por impactos de asteroides. Na Lua, os efeitos dos ataques das rochas espaciais podem ser vistos em quase todos os lugares.

"Muitas vezes dizemos que crateras de impacto são o processo geológico dominante na Lua e em outros lugares do sistema solar. E aqui está um exemplo clássico que ilustra isso. Eles não estão nem perto do topo do fluxo de lava", explicou Kring. Mas a pesquisa também menciona potenciais armadilhas presentes nos dados de radar de penetração no solo.

O instrumento da Yutu emite duas frequências de ondas – uma banda de alta frequência, que Pettinelli e seus colegas analisaram, e uma banda de baixa frequência, que penetra mais fundo, mas que não fornece tantos detalhes, sendo, portanto, ignorada neste artigo, graças à sua baixa confiabilidade.

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Em um artigo publicado na revista "Science" em 2015, um grupo diferente de pesquisadores chineses descreveu uma geologia complexa de nove camadas distintas sob o Mare Imbrium, uma planície de lava da Lua onde a missão chinesa anterior, a Chang'e-3, havia pousado. Essas descobertas foram baseadas nos dados de radar de baixa frequência da primeira sonda Yutu.

Há alguns anos, Pettinelli liderou uma sessão em uma conferência científica na qual Yan Su, professora dos Observatórios Astronômicos Nacionais da China, apresentou outra análise dos dados do radar da Chang'e-3. Ela afirma que não disse nada durante a sessão, mas depois revelou a Su que havia realizado a análise incorretamente.

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Uma análise mais aprofundada levou as duas e seus colegas a concluir que as reflexões que haviam sido interpretadas como características geológicas da Lua no artigo da "Science" de 2015 eram distorções causadas pelo corpo metálico da sonda. "Basicamente, é uma bagunça", resumiu Pettinelli.

Em um artigo publicado em 2018 na revista "IEEE Transactions on Geoscience and Remote Sensing", Pettinelli, Su e sua equipe disseram que testes de um protótipo de instrumento em um modelo da Yutu na Terra haviam produzido o mesmo tipo de erro.

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Peimin Zhu, professor da Universidade de Geociências da China em Wuhan e autor do artigo da "Science" de 2015, declarou que ele e seus coautores responderiam no futuro às declarações no artigo da "IEEE". Zhu relatou que a equipe com a qual trabalha também desenvolvia sua própria análise dos dados da Chang'e-4.

Como o radar da Yutu-2 é idêntico, os autores do novo artigo ignoraram a banda de baixa frequência. "Não confiamos nesses dados", afirmou Pettinelli.

Pettinelli disse que, à medida que a Yutu-2 coleta mais dados, pode ser possível eliminar as reflexões falsas e obter descobertas precisas sobre as camadas mais profundas.

No ano passado, cientistas relataram que a análise mineralógica de materiais na superfície da cratera Von Karman sugeriu que partes dela poderiam ter sido escavadas do manto lunar – a camada abaixo de sua crosta – por grandes impactos. Kring disse que os dados não eram conclusivos, mas o objetivo principal da missão era testar as tecnologias.

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"Eu não diria que essas missões estão produzindo ciência extraordinária, mas estão demonstrando uma capacidade recém-descoberta. E estão do lado da ciência, esclarecendo alguns detalhes e fornecendo outros que não tínhamos."

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As próximas duas missões lunares chinesas visam trazer pedaços da Lua à Terra para um estudo mais aprofundado.

*Por Kenneth Chang

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