A oposição venezuelana, que controla o Legislativo desde a eleição parlamentar do final de 2015, corroborou oficialmente, na última terça-feira, o que dizem ser seus planos e suas fraquezas. Ao anunciar oficialmente os três eixos de um projeto ousado, disse a que vem e mostrou que não tem definido qual o melhor caminho.
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Mediante sua tradicional divisão interna, a Mesa de Unidade Democrática (MUD) optou por endossar as três vias pelas quais seus integrantes querem seguir: buscar o afastamento do presidente Nicolás Maduro pelo referendo revogatório do mandato, promover uma emenda constitucional e forçar sua renúncia.
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Está ali, nessa medida composta, o fator de união dos oposicionistas venezuelanos: todos querem a saída antecipada de Maduro, responsável por um governo que afundou o país na crise. Mas também está, na mesma medida, o desacerto na busca da estratégia ideal para esse objetivo comum e diferentes conceitos.
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Por vias diversas, governo e oposição concordam nessa conclusão. Oposicionistas moderados como Henrique Capriles insistem que a via adequada é a do referendo, já previsto constitucionalmente. Capriles diz que “é o momento constitucional para que os venezuelanos tomem uma decisão” e olha com desconfiança manifestações de rua impulsionadas pela ex-deputada María Corina Machado e pelo líder oposicionista preso Leopoldo López.
Capriles teme a possível violência decorrente dos protestos e da repressão. Governistas como o deputado Pedro Carreño criticam a oposição por “não ter planos democráticos e constitucionais” e por falta de coerência entre suas diversas vertentes. Outro deputado governista, Héctor Rodríguez, diz que a ausência de “acordo sobre qualquer das possibilidades de ação” mostra “uma grande disputa” pela candidatura presidencial.
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—Há cegueira na oposição, que quer o de sempre: chegar ao poder de alguma forma — diz Rodríguez.
O diretor do Datanálisis, o analista político Luis Vicente León, diz que, sem unidade, de nada adiantarão as ações oposicionistas.
— As pessoas estão se desconectando dos políticos e perdendo a esperança depositada neles. Leopoldo López deve ser libertado, Henrique Capriles deve ser respeitado e Henry Ramos Allup (o presidente da Assembleia Nacional Legislativa, de 72 anos) deve ser ouvido — diz León, referindo-se a diferentes líderes oposicionistas e indicando problemas de relacionamento entre diferentes facções das forças contrárias ao chavismo.
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— Qualquer caminho tomado pela oposição será difícil e bloqueado pelo controle que o chavismo impõe. O importante é que os opositores tenham com clareza os objetivos da estratégia adotada — completa ele.
Nos bastidores da MUD, não há dúvida de que o anúncio de três eixos paralelos para um mesmo objetivo foi a forma encontrada para contemplar e acomodar todas as vertentes internas. O referendo revogatório é a tradicional opção moderada. A emenda constitucional para reduzir o mandato presidencial é algo como um meio termo. As manifestações de rua pedindo a renúncia do presidente são o radicalismo dos políticos linha-dura e, também, estratégia que busca contrabalançar o possível bloqueio da Justiça, acusada de servir ao governo.
— Ativamos todos os mecanismos de mudança — resumiu, em entrevista coletiva, o secretário executivo da coalizão opositora, Jesús Torrealba, nomeando a estratégia de três vias como o “Mapa do caminho da mudança 2016”, que tem o objetivo de “alcançar solução política, eleitoral, constitucional e pacífica”.
Deputado assegura que presidente não renuncia
As manifestações foram agendadas e se iniciam neste sábado. Nas palavras de Torrealba, são “uma ampla mobilização popular e pacífica” pela renúncia ou pelo afastamento constitucional de Maduro.
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A resposta, ao menos por ora, é esta, dada pelo deputado governista Héctor Rodríguez:
— Nicolás não renunciará. Vai se dedicar exclusivamente a governar para a maioria do país.
A Venezuela vive há anos uma crise socioeconômica, de inflação em três dígitos e desabastecimento superior a metade da cesta básica. Da economia, essa situação grave cada vez mais contamina a política e a institucionalidade. O diálogo interno entre governo e oposição inexiste. Desde que a oposição assumiu o controle do Legislativo, após hegemonia chavista de 17 anos, registra-se um confronto de poderes na Venezuela, o que motivou até o pedido do Legislativo de intervenção da Organização dos Estados Americanos (OEA). O secretário-geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro, cogita possível mediação, mas ressalva ainda não ter recebido proposta formal.
AS DIFERENTES ESTRATÉGIAS
A “tática mista” da oposição venezuelana é prova de que está unida quanto ao objetivo de afastar o chavismo. Está desunida, porém, na forma de fazê-lo, em mais uma demonstração de como é tradicional e intensamente fracionada. Veja as alternativas e quem as defende.
Renúncia pela pressão social
É a alternativa do setor radical, cujos expoentes são Leopoldo López, condenado a quase 14 anos de prisão, e a deputada cassada María Corina Machado. Começa neste fim de semana, e há receio de enfrentamentos. O método consiste em chamar chavistas descontentes com o governo para saírem às ruas e protestarem. Os governistas asseguram que Maduro não vai ceder. A esperança desse grupo é de que os protestos insuflem também dissidentes, descontentes com o rumo do país. Pela Constituição, se o presidente renuncia antes do quarto ano de mandato (Maduro está completando o terceiro), devem-se celebrar eleições em até 30 dias. No período de transição, quem preside o país é o vice-presidente Aristóbulo Istúriz, chavista moderado. Se a renúncia ocorre depois de se completar o quarto ano, a partir de abril de 2017, o vice completa o mandato.
Emenda constitucional
Alterar a Constituição foi a via proposta por Henry Ramos Allup, presidente do parlamento. O período do mandato presidencial seria reduzido de seis para quatro anos. O que facilita esse processo é que a oposição tem a maioria simples exigida para aprová-lo. Com ele, evitam-se riscos como a anunciada resistência de Maduro no caso dos protestos e, também, a necessidade de buscar o voto da população em referendo complexo, comandado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), sob controle do chavismo. A partir da aprovação, é previsto uma consulta mais simples que a revogatória. Empecilho apontado pelos críticos: o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) pode vetá-lo, alegando que não é emenda, mas reforma constitucional. A oposição até tinha maioria para a reforma, mas o TSJ, de maioria chavista, cassou quatro dos seus deputados, e isso lhe tirou essa condição.
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Referendo revogatório
O grande defensor dessa alternativa é o ex-candidato presidencial Henrique Capriles, um moderado que perdeu por apenas 1,5 ponto para Maduro em 2013, quando o chavista ainda contava com a comoção popular pela morte do mentor. No Legislativo, o deputado Julio Borges é seu representante. A regra é a seguinte: a partir da metade do mandato (no caso de Maduro, em 19 de abril), o país pode fazer uma espécie de “recall”. Cerca de 200 mil eleitores (1% do total) precisaria pedi-lo. A oposição teria facilidade para reunir esse número. A partir daí, em três dias, devem ser recolhidas 4 milhões de assinaturas (20% dos eleitores). O CNE deve certificar essas firmas e convocar o referendo, que, para ser válido, precisa contar com a participação de 5 milhões de votantes (25% do eleitorado). O “sim” deve superar os 51% conseguidos por Maduro em 2013 (7,5 milhões de votos). É a forma mais sólida – mas também a mais trabalhosa – para a mudança.