Artistas brasileiros que foram vítimas de um empresário de Santa Catarina investigado por tráfico humano relataram ter enfrentado fome, ameaças e uma rotina exaustiva de trabalho no período em que estiveram na Turquia, para onde foram levados por ele sob a promessa de participarem de musicais. O suspeito de contratá-los foi alvo de busca e apreensão na segunda-feira (23), em Florianópolis.

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Juliana Faustino e Gustavo Gabriel Alves da Silva, dois dos 27 artistas brasileiros que teriam sido vítimas do empresário, conforme investigação da Polícia Federal, contaram ao g1 SC que a ida à Turquia foi precedida da proposta de que receberiam US$ 100 durante o período de ensaios e um salário mensal, além de refeições três vezes ao dia feitas por um cozinheiro e um visto para poder viajar.

Também foram mostradas para eles fotos da casa onde ficariam. A realidade, no entanto, decepcionou: eram outros alojamentos, com goteiras, infiltrações, esgoto exposto e até carrapatos.

— As fotos não eram da casa que a gente ficou. A casa que a gente ficou tinha problema de infiltração, goteiras. Ficavam caindo pedaços do banheiro, tinha uma inundação na frente da casa com esgoto. Uma das casas tinha uma infestação de carrapato — diz Juliana, que ficou três meses na Turquia.

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Veja vídeo carrapatos em alojamento de brasileiros

— A condição de moradia era péssima. Quando chovia, alagava cama, figurino. A casa dois tinha muito carrapato. As pessoas que começaram a ter alergia, acordar com coceira — relata Gustavo.

Ainda segundo os artistas, o pagamento, por exemplo, não era feito em dia. As condições da alimentação também eram bem diferentes do que foi dito a eles antes de embarcarem.

Artistas aliciados foram alojados em casa com goteiras

— Ele [o empresário investigado] falou no contrato que, assim que a gente chegasse, ia receber US$ 100 para o período de ensaio. Não foi cumprido. Teve gente que passou necessidade, que não tinha dinheiro guardado, não tinha sabonete — diz Juliana, que recebeu metade do valor só depois de 50 dias.

— Não tinha água potável. A gente precisava que eles nos trouxessem, e, muitas vezes, atrasava e ficávamos sem água. Atrasava o dinheiro da comida. Às vezes a gente ficava sem comida — completa a artista, que tem o relato sobre a falta de alimentação corroborado por Gustavo.

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— Passamos muita fome. Ficávamos até 15h ensaiando, das 9h às 22h, até que a gente dizia ‘a gente precisa comer’ — conta o brasileiro levado à Turquia, onde ficou por quatro meses.

Ainda que se dedicassem exaustivamente, eles também não receberam o visto de trabalho prometido anteriormente. Quando começaram então a relatar os problemas aos contratantes, os artistas brasileiros passaram a ser ameaçados de serem expulsos dos alojamentos em que estavam e denunciados à polícia, já que permaneciam ilegais no país. Além do contratante de Florianópolis, havia turcos no esquema.

Casa cedida a brasileiros tinham esgoto a céu aberto

— Ameaçavam por qualquer coisa, diziam que a gente ia ser preso — diz Juliana, que fugiu com um último grupo em uma madrugada do final de setembro.

— Quando a gente chegou ao aeroporto, viu que o documento [que havia sido dado aos artistas] não era válido [como visto] — conta a artista, segundo a qual recebeu multa de R$ 1.000,80 do governo turco pela condição de imigrante ilegal e está proibida de voltar ao país até que o valor esteja quitado.

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Tanto Juliana quanto Gustavo confirmaram ao g1 SC terem sido contatados para depôr à Polícia Federal, que mantém a investigação sobre o caso em sigilo.

A corporação já divulgou, contudo, que a apuração trata de um esquema de tráfico humano internacional que aliciava artistas de dança e teatro oriundos de vários estados do Brasil. Todos eles foram recrutados por meio das redes sociais ou por convite direto do empresário que mora em Florianópolis.

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