Dourado da cabeça aos pés, com tinta até nos fios de cabelo, Valderico dos Santos, o Valde, 44 anos, aprendeu a profissão nas ruas. Foi assistindo a outros artistas que o catarinense, nascido em Porto União, se inspirou. Há dois anos, ele interpreta o personagem Cowboy Dourado:

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– Vi muitas estátuas pelo Brasil, mas nenhuma dourada. Então, resolvi inovar. No início, usava purpurina para me pintar, mas vi que o material estava me fazendo mal.

A purpurina oxidava ao sol, hoje uso um creme manipulado. De domingo a domingo, ele mantém uma rotina de trabalho. Acorda bem cedo e, às 9h, está passando o creme colorido que tira às 12h e retorna a passar às 13h. Depois, só volta a retirar o produto quando o expediente termina, às 17h.

Valde já foi vendedor ambulante – vendeu sorvete, cerveja, refrigerante, churrasquinho, mas foi fisgado pela arte.

Quando jovem, pensou em seguir a carreira do pai, militar. Serviu o exército e passou em concurso, mas desistiu. Separado há quatro anos da segunda mulher, tem três filhos. O dinheiro das ruas ajuda a manter todos. Aos risos, o artista dourado relembra a última conversa com a ex-mulher:

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– “Você, eu não quero mais, nem pintado de ouro!” ela disse quando nos separamos. Resolvi me pintar mesmo para que não veja ela nunca mais – brinca em meio ao barulho de carros.

Os malabares

Entre as luzes dos carros e o sinal fechado, os universitários do curso de Biologia Rafael Araújo, 19 anos, e Amanda Hammes, 22, manipulam malabares e bandeiras sincronizadamente. Enquanto isso, motoristas falam ao telefone, vidros da janela se fecham e poucos ajudam os habilidosos artistas.

– Melhor receber um boa noite do que uma moeda. Fiz o dia de alguém diferente. Claro que tem alguns que são grossos. Eles nos mandam trabalhar sem compreender a arte que fazemos – conta Rafael.

O primeiro contato com a arte circense ocorreu na Furb, em uma oficina oferecida pelo curso de Artes. De lá para cá, não pararam mais. Empolgaram-se tanto que partiram para uma viagem com destino ao Uruguai. De carona e dormindo em barracas, demoraram 20 dias para chegar ao destino final. Passaram por Itajaí, Bombinhas, Porto Belo, Tijucas, Capão da Canoa, Chuí e finalmente Uruguai.

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– Tivemos um troca legal, aprendemos e conhecemos muita coisa, pessoas que acreditam na mesma coisa que nós. Foi a experiência única na vida – garantem.

Entre os colegas de esquina e malabares está Luan Andrade Rodrigues, 19 anos, que encara as apresentações como profissão. Há oito meses, ele ganha a vida nas sinaleiras. Após de se formar no Ensino Médio, teve vários empregos e trabalhou como office boy. Mas, depois que conheceu os malabares, se encantou. Hoje, mora sozinho e se sustenta com o dinheiro que ganha nas ruas. Sobre a família, conta que ninguém reclama da sua escolha.

– O pessoal na maioria é bastante grosso, mas é bom receber um parabéns. Eu passo entre os carros dando boa noite, não pedindo – conta.

Música clássica na calçada

A cada 15 dias, Blumenau recebe o paulista Arlindo Francisco dos Reis, que mora em Balneário Piçarras e, desde 2003, apresenta música clássica nas ruas com um violino.

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Assim como muitos artistas, o violinista começou a carreira na igreja, sem muito apuro técnico. Só mais tarde o instrumento virou objeto de estudo. Foi em Recife que se matriculou no Conservatório Pernambucano de Música, voltado à formação de músicos para Orquestra Sinfônica. No entanto, a vergonha e o medo de falhar impediram de continuar no projeto:

– Quando fui estagiar na sinfônica, gostava demais da música, mas não a via como profissão. Eu era muito novo, tinha apenas 15 anos. Tive outras profissões, mas é a música que me completa.

Além de trabalhar nas ruas, onde recebe a contribuição do público – que ele prefere chamar de patrocínio -, Arlindo também faz apresentações em casamentos e formaturas e tenta vender o primeiro CD da carreira – já foram mais de seis mil cópias. Mas garante: é da rua o retorno mais sincero.

– Muitos passam por mim e elogiam. Acho que faço um trabalho que vai além da música. As pessoas ficam melhores quando me escutam nas ruas. São poucas as pessoas que criticam – ressalta Arlindo.

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Certa vez, em Balneário Camboriú, uma senhora disse ao músico que ele tinha saúde e poderia trabalhar.

– Eu respondi que estava trabalhando, tenho um público que gosta. Ela ficou sem graça. Infelizmente, ainda somos um país de terceiro mundo. ?

Em busca de reconhecimento

Quatro minutos é o tempo médio que Antoni Petroccely, de 34 anos, leva para pintar uma tela. Sentado no chão, ao som de uma batida eletrônica, e utilizando como ferramentas fogo, esponjas e espátulas, a mistura da tinta spray em diversas cores começa a ganhar forma de paisagem em cima do papel. Quem vê pela primeira vez os trabalhos do aerografista fica perplexo.

A habilidade do artista rouba a atenção de quem passa pelas calçadas. Uma roda de pessoas se forma cada vez que ele começa uma nova obra. Natural do Rio de Janeiro, já percorreu muitos estados, divulgando e vendendo o trabalho que aprendeu a fazer nas ruas de São Paulo. Depois de prontas, as obras custam R$ 10 e R$ 20. Ele garante que não as oferece; são as pessoas que param, interessadas em comprar.

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– Tem gente que me assiste enquanto pinto e aplaude, mas tem gente que vem comprar e quer fazer o preço. A maioria acha R$ 15 caro e isso desanima – reclama.

Segundo o artista, o valor muda dependendo da cidade. No interior, o preço é mais baixo. Já no Litoral, onde a procura maior é de turistas estrangeiros, o trabalho chega a custar R$ 80. Apesar de admitir que ganha relativamente bem, o artista quer se mudar para a Europa, em busca de reconhecimento profissional.

Atividade é fiscalizada

Os artistas de rua de Blumenau são impedidos parcialmente de mostrar suas habilidades desde abril de 2005. Duas leis são utilizadas para fiscalizar a atividade: a complementar municipal de panfletagem 657 de 13 de novembro de 2007 não permite a venda de produtos nas calçadas da cidade e o artigo 254 do Código de Trânsito Brasileiro que proíbe a apresentação na faixa de pedestres.

O diretor da Guarda Municipal de Blumenau, Ivonei Leite, explica que usar semáfaros para tais atividades atrapalha o trânsito. Quando encontram alguém fazendo apresentações nas sinaleiras, orientam para que deixe o local.

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– Isto ocorre frequentemente, pois o motorista contribui apesar da proibição – confirma.

Sobre a fiscalização, Valderico dos Santos, o Cowboy Dourado, diz que como não atrapalha o trânsito, só foi abordado uma vez.

Se o artista se apresenta nas calçadas e praças e não interfere no trânsito, não faz panfletagem ou venda de produto, ele está liberado. É o que confirma o diretor de fiscalização da prefeitura de Blumenau, major Jorge Luiz Heckert.

– Fazemos a fiscalização baseado na lei municipal de panfletagem. Se a pessoa não está vendendo ou panfletando algo, não podemos impedir a apresentação.

Apesar da proibição, a Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei 1096/11, do deputado Vicente Candido (PT-SP), que equipara, para fins legais, a arte de rua a todas as outras modalidades artísticas e proíbe autoridades federais, estaduais e municipais de estabelecer qualquer tipo de proibição da atividade.

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