Adauto José Pereira, 42 anos, carrega árvore no nome. Nascido no interior de São Domingos, no Oeste de Santa Catarina, há 20 anos mora em Florianópolis. No litoral descobriu que a espécie vegetal poderia servir-lhe de sustento. Mas teria que fazer algo desagradável. Abater árvores não lhe parecia uma coisa boa. Supõe que por inspiração da natureza entendeu que cada árvore tinha uma história. Isso poderia continuar em outros formatos.
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Assim, dos troncos e galhos cortados retira matéria prima para a confecção de móveis, barcos, objetos de decoração. Peças inusitadas, como motos e até um carro revestido em madeira que costumam chamar a atenção quando circulam pela cidade. Rostos e corpos de animais a partir de raízes entrelaçadas.
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Como se não quisesse causar mais ferimentos, procura remover raízes, tronco e galhos com cuidado. O mesmo faz com as plantas parasitas e os ninhos de pássaros. O que para muitos é detalhe, para ele é pedaço de uma vida, sinal de um tempo, momento da natureza. Esse olhar meticuloso rendeu a retirada de animais vivos, como tamanduás e uma infinidade de passarinhos ainda filhotes. Conta sobre o dia em que uma toca em um tronco chamou a atenção.
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Estava amarrando os equipamentos para começar a usar a motosserra quando um pássaro voou. Continuou o trabalho até chegar mais acima. Foi quando uma outra branca também fugiu. A espécie deu vários rasantes. Até pousar no chão e ficar olhando atentamente para ele, como se falasse. Adauto ficou perturbado. Desceu para ver a toca:
– Dois filhotinhos do casal de corujas estavam no ninho.
Tomou a iniciativa de telefonar para a Polícia Ambiental. Adauto considera o período da primavera um problema. Pensa que deveriam ser proibidas licenças ambientais nessa época, em que os pássaros fazem os ninhos. Poderia haver a limpeza dos galhos, mas não a derrubada de uma árvore.
– Costumo fazer a transferência, mas sei que alguns pássaros seguem o instinto e não vão para o mesmo ninho em outra árvore. De 20 a gente salva um.
Adauto mora com mulher e filhos às margens da rodovia que leva para Ponta das Canas, Norte da Ilha. Ali chegam visitantes. Uns com o desenho da peça que pretendem encomendar. Outros explicam o que imaginam. O local funciona como oficina e ponto de venda das peças.
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A liberdade de Adauto
Adauto vem de uma família pobre. Pouco foi à escola. Mas consegue ver nisso algo de bom:
– Os estudos me tornariam uma pessoa presa. Eu me sinto livre pendurado nas árvores.
Quando chegou a Florianópolis, Adauto dormiu em um banco da rodoviária. O primeiro serviço que apareceu foi a capina de um terreno. Enquanto trabalhava percebeu que cada árvore tinha mais do que raiz, tronco, folhas. É o que mostra o trabalho do Pereira, o homem que carrega árvore no nome.