Os eleitores da República Tcheca votam nesta sexta-feira e no sábado em suas primeiras eleições presidenciais por voto direto. Desde 1989, quando a então Tchecoslováquia se livrou da influência da União Soviética, depois da Revolução de Veludo (chamada assim por não ter tido derramamento de sangue), presidentes eram escolhidos pelo parlamento.
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Num ambiente marcado pela austeridade e pela recessão econômica, a primeira volta da corrida presidencial tcheca será disputada por nove candidatos. Os mais cotados para chegar ao segundo turno são dois e antigos primeiros-ministros, Milos Zeman (social democrata) e Jan Fischer (coligação neoliberal), e um concorrente dando o que falar: Vladimir Franz, 53, um famoso compositor, pintor e professor de música e teatro na Charles University, em Praga, também formado em Direito.
O curioso sobre ele é que foi apelidado de Avatar, por parecer azul, já que tem 90% do corpo tatuado, inclusive o rosto inteiro. Franz se autointitula o “candidato dos cidadãos”. Ele entrou na corrida presidencial depois de uma petição ter sido assinada por quase 90 mil pessoas, sendo mais da metade de estudantes universitários.
A Hora falou, com exclusividade, com o candidato.
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HSC – O senhor estudou Direito, mas sua carreira foi na arte. Por quê?
VF – Eu terminei a faculdade durante o regime totalitário e marionete dos soviéticos. A profissão de advogado seria muito limitada pelos interesses do regime comunista. A de juiz, nem se fala! Então eu resolvi investir em meus talentos artísticos.
HSC – E, agora, quer investir em talentos políticos? O que um professor de música e teatro pode oferecer nessa posição?
VF – A República Tcheca tem um sistema parlamentarista, então o poder de fato está nas mãos do primeiro-ministro e seu gabinete. O presidente serve mais como um moderador e representante do país no exterior. Então eu acho que minha principal função seria dar uma cara jovem à nação e, sem dúvida, seríamos notados em qualquer lugar que eu visitar como presidente. Somos um país pequeno, mas com uma rica história cultural, então eu sou o candidato ideal, o que tem mais a ver com o que temos pra oferecer. Quem conhece nosso país, é por causa da inigualável beleza de Praga, ou pela nossa tradição com marionetes, cristais e cerveja. Ainda temos nomes de relevância mundial, como os tenistas Ivan Lendl e Martina Navratilova, o diretor de cinema Milos Forman (do filme Amadeus, do musical Hair, entre outros) e o escritor Milan Kundera (de A Insustentável Leveza do Ser). Então eu acho que um presidente diferente, mas sério, nos colocaria em evidência. Como boa parte da economia é baseada em turismo, isso ajudaria.
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HSC – Seus adversários tentaram dizer que o senhor seria um presidente “chapado”, por falar abertamente que consome maconha. Isso não afasta muitos eleitores?
VF – Não, pois na República Tcheca o consumo de maconha é legal. E não há muito preconceito contra drogas leves, já que é a nação que mais bebe cerveja, per capita, no mundo. Há uma tolerância cultural com relação ao consumo de substâncias que modificam o estado mental. É claro que eu não saio a dirigir carro quando fumo um baseado, mas também não o faço caso tenha bebido algumas cervejas. Pesquisas mostram que a população não discrimina contra o uso da maconha e que tem muita gente já na terceira idade, como eu, que fumam. Aliás, eu não serei o primeiro presidente tcheco a fumar maconha, pois o dramaturgo e dissidente, durante os anos comunistas, Vaclav Havel, se tornou nosso primeiro chefe de Estado depois da revolução. Inclusive, dizem que, antes de morrer, no ano retrasado, ele deu um último “pega” em um cachimbo com hashishi marroquino, foi dormir e não acordou mais.
HSC – O senhor vê alguma oportunidade especial na relação entre a República Tcheca e o Brasil?
VF – Eu acho o Brasil um lugar fascinante e gostaria de visitá-lo, como presidente, o mais breve possível, pois considero que o país de vocês é o equivalente dos Estados Unidos no século XX. Eu vislumbro uma dobradinha de poder, com interesses opostos, entre o Brasil e a China, neste século XXI, como foi a dos EUA versus União Soviética no século passado. O Brasil ainda está em processo de crescimento, mas a criatividade de sua população, em conjunção com seus incríveis recursos naturais e uma cultura democrática farão com que, daqui a no máximo 20 anos, vocês se tornem o principal foco de poder do planeta.
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