Quem nunca assistiu a uma apresentação do Ariano Suassuna não sabe o que está perdendo. Ele diz que é uma “aula- espetáculo”. Talvez porque, além de dramaturgo, romancista, poeta, artista plástico e ensaísta, ele seja antes de tudo um ” professor”.

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E quem sou eu para contrariar um “gênio”.

Para mim, além de tudo, e tudo não é pouco, Ariano Suassuna é um “jornalista”.

Ninguém conta histórias melhor do que ele. E foi em busca de boas histórias que embarquei rumo a uma grande aventura no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o templo maior do Brasil ofi cial, aquele que tanto menospreza o Brasil real do povo simples e da cultura popular brasileira.

O que era para ser somente uma aventura quase se tornou uma ” saga”. E não poderia ser diferente. O espetáculo de Ariano Suassuna, divulgado pela imprensa e programado para começar ao meio- dia de 3 julho, seria gratuito, mas teria distribuição de senhas a partir das 11h. Até aí, tudo bem.

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Para evitar “surpresas” do Brasil oficial, cheguei às 9h. E já tinha gente na fila do lado de fora do Municipal. Preparado para longa espera e debaixo de sol escaldante, resolvi ser forte, fazer jus ao meu sobrenome e enfrentar o meu destino.

Depois de quase duas horas de intenso sofrimento, vejo se aproximar uma dupla de “seguranças”. Eram figuras estranhas e meio assustadoras. Num calor “carioquês”, eles eram enormes, vestiam ternos escuros e gravatas esquisitas. Pareciam alienígenas ou caçadores de alienígenas. Eles pareciam Men in Black.

Sinceramente, achei que eles iriam se compadecer da minha idade, desconforto e companhia – estava com meu filho Gabriel e carregava no colo a pequena Estela, neta de um ano. Na fila, cansados e humilhados com a longa espera, parecíamos personagens de drama brasileiro.

Mas qual não foi a minha surpresa! Sem sequer dizer bom dia ou qualquer cumprimento mais amistoso, os seguranças do Brasil oficial chegaram ainda mais perto e me disseram com o tom autoritário e ameaçador:

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– O senhor aí não vai poder entrar não!

Eu, entre o estupefato e o surpreso, arrisco a perguntar por quê? A resposta foi dura, direta e cruel:

– O senhor está de… bermudas! E de bermudas, ninguém entra no Teatro Municipal do Rio de Janeiro!

A aventura só estava começando! Ainda tentei argumentar que era sábado, quase meio- dia, que estava um calorão da peste, que eu era um ” idoso”, que estava na companhia de fi lho e netinha de um ano, somente um ano, que eu era ” turista” na minha própria terra, fã de Ariano Suassuna e jornalista há mais de 40 anos.

Disse até que por ironia do destino o meu sobrenome, por mais incrível que possa parecer, era ” Brasil”, como o ” nosso” país. Nada adiantava. Em verdade, só faltou dizer que eu era ” gente como eles” e que merecia o mínimo de respeito e compaixão.

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Ou pelo menos, um pouco de ” compadecimento”. Mas não houve jeito.

O seguranças, os Men in Black foram irredutíveis:

– De bermudas, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o senhor não vai entrar.

Como herói, anti- herói ou vilão de Ariano Suassuna, estou diante de um impasse. O Brasil real – ou seja, “eu” – tem que enfrentar ou se submeter ao Brasil oficial representado pelos seguranças do Teatro Municipal. Parecia cena de comédia burlesca. A vontade de partir para o enfrentamento era grande, talvez, enorme.

Mas não queria arriscar mais uma luta contra a realidade brasileira. Queria muito assistir ao espetáculo de Ariano Suassuna. Diante da intransigência e da situação patética, peço desculpas para o meu filho que ainda segura no colo a netinha e vou tentar a minha sorte: adquirir uma calça no comércio carioca por um preço acessível para um professor brasileiro em pleno sábado quase meio-dia.

Depois de andar muito e pechinchar ainda mais, finalmente consigo a preciosa calça com pernas longas e voltar para o meu lugar na fi la do lado de fora, debaixo de sol escaldante no veranico carioca de julho.

Agora sim estou vestido de forma apropriada para assistir a todas as histórias maravilhosas sobre o Brasil real e críticas contundentes contra o Brasil oficial do grande Ariano Suassuna no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Tenho certeza de que se ele soubesse da minha saga para vê- lo, escreveria um novo livro: Auto do Jornalista Compadecido.

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Mas, apesar de tudo, valeu muito a pena. Esta é a segunda vez que assisto ao espetáculo do velho Suassuna e está cada vez melhor. Ele é como vinho, ou melhor dizendo, é como o Brasil, ” quanto mais velho melhor”.

Confesso que eu também sempre choro quando assisto ao espetáculo de Ariano Suassuna. Pode ser aula, drama ou comédia. Tanto faz. Para mim, é jornalismo da melhor qualidade. É a melhor descrição do Brasil real que ainda luta e protesta contra o Brasil oficial.

Aproveitei para fazer uma seleção dos melhores momentos da aula de mais de duas horas do grande mestre ou jornalista Ariano Suassuna. Tentei transcrever sua fala única e inconfundível da melhor forma possível:

Missão

Tem três tipos de aula: a “plena” com música, dança e tudo mais. Tem a “reduzida” comigo e um músico, um violinista. E tem esta aqui: a “reduzidíssima”. Sou eu sozinho mesmo. Peço logo desculpas. Minha voz é assim mesmo: feia, fraca, baixa e rouca.

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Tenho 86 anos e ainda fico surpreso por ter vivido tanto. Dizem por aí que é a ” melhor idade”. Eu não acho não. Só se for pra morrer!

Mas ainda estou criando, lutando, mostrando e inventando coisas. Sempre tive fascínio pelo palco. Assim como dizia aquele poeta que morreu com somente 19 anos, Paulo Azeredo, eu queria morrer no palco. Defendo o Brasil, seu povo e sua cultura. Esta é a minha missão!

O Brasil é um milagre, o Brasil não existe não. Apesar de tão grande, toda essa união.

Críticas

De vez em quando, encontro uns equivocados e inconsequentes que tentam falar mal de mim. Dizem que sou um cavaleiro arcaico, que sou barroco e luto contra os moinhos de vento da globalização. Eles me comparam a Antônio Conselheiro, Padre Cícero e Lampião. Imagine só! Eles me comparam a um profeta, um santo e um guerreiro. Eu não me importo, não! Tô eu aí!

Confesso que sou meio esquizofrênico. Mas sou quatro. Sou poeta frustrado, dramaturgo frustrado, ator frustrado e a combinação dos três igualmente frustrado.

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E não repara não! Quando eu me entusiasmo, eu me aplaudo mesmo!

Papa, religião e encantamentos

Imagine, eu agora, falando depois do papa aqui no Rio de Janeiro. Que responsabilidade, que situação! Gostei muito desse papa Francisco. Imagine escolher o nome de São Francisco. Que fi gura era ele! Tô entusiasmado com este Papa. A alma humana tem dois hemisférios: uma é a dos reis e dos profetas. A outra é a dos palhaços e dos profetas.

Protestos

Tenho criação de cabras na Paraíba. Todo mundo diz que boa cabra é P.O.I.: pura de origem e importada. As minhas são P.O.D.: pura de origem daqui mesmo. Existe um Brasil real e um Brasil oficial.

O país real é feito por gente pobre e simples. Mas tem que ser astuto e corajoso pra sobreviver aqui. O país oficial é caricato e burlesco. O Brasil real é maltratado e desinformado pelo Brasil oficial.

Temos que criar uma nação que não se esqueça jamais do Brasil real. Temos que acabar com essa dilaceração horrorosa desde a chegada dos portugueses por aqui.

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Sobre os tais protestos, eu vi um cartaz que dizia ” fora a política, fora os partidos”.

Não pode acabar com isso não.

O nazismo e o estalinismo acabaram com os partidos. Tem que saber distinguir.

Não é fácil. Mas tudo que é bom, não é fácil. Não acredite nesta história de que acabou a esquerda, que acabou a direita. Enquanto houver um injustiçado, um desvalido tem que haver uma esquerda no mundo.

E se alguém disser pra você não existe mais direita ou esquerda. Pode ter certeza que ele é de direita!

Sonhos e loucura

Adoro pedras. No Nordeste, algumas pedras parecem castelos. Tudo que escrevo é uma pedra que venho chutando na vida. Construí meu castelo. Mas meu castelo é um gênero literário, é um castelo imaginário.

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Adoro ler. Adoro livros. Adoro estantes. Estantes é o altar dos livros! Não acredito em artista sem sonho. Na verdade, não acredito em gente sem sonho. Eu não tenho medo de sonhar, não sou besta sadia, cavalo que procria.

A loucura é uma espécie de sonho. Dizem que eu sou meio louco. Mas sem loucura não se faz nada! Sem a loucura, o que é o homem?