Sábado, 9h. O Atelier de Escultura do Parque São Lourenço está a pleno fogo. No impraticável clima de Curitiba, depois da serra sob chuva e neblina, o ambiente ali é acolhedor. Pita Camargo saúda à porta, com sua rústica gentileza, depois leva-me para apertar a mão da equipe. É impossível distingui-los paramentados para o trabalho, com óculos, gorro, macacão, avental de couro, botas de cano alto e luvas até o cotovelo. Todos saúdam-me imersos na iminência dos acontecimentos. Elvo Benito Damo, o mestre, desprega do rosto a máscara de atenta apreensão, saca da luva e estende a mão com um sorriso avermelhado pela luz inquieta que se projeta das labaredas e lhe acentua o ar severo.

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O som e a imagem que saltam do fogo são o que pode haver de mais parecido com a boca de um dragão. A cena arremessa ao passado. A técnica é a mesma da Idade do Cobre, de cerca de 10 mil anos, quando foi dominada a fundição do metal. Estamos na fase crucial de um processo que começou oito meses atrás, com a confecção de moldes em silicone de esculturas de Fritz Alt. Para chegarmos aqui, passamos pela resina, o gesso e a cera. Etapas complexas, delicadas e trabalhosas. Escultura é ofício de obstinados, exige trabalho pesado do início ao fim. É um fazer e refazer. Naquele sábado, Pita já estava em Curitiba fazia dez dias, preparando os casulos em massa refratária. Só a queima exigiu uma semana ininterrupta de vigília, controlando fogo e temperatura dos fornos.

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O metal ferve no cadinho a 1.140 graus e vai ser derramado para preencher as esculturas. O instante bota uma tensão emotiva na gente. Ali estávamos todos dando um passo na posteridade. E aquelas formas esculpidas em barro por Fritz Alt, há 80 anos, finalmente estreavam na eternidade. Uma conquista que não tem preço. O irônico é que nesse momento o Simdec, sistema municipal de fomento à cultura que possibilitou a empreitada, está sob ataque dos burocratas da administração. Os mesmos caldeus que dominaram o bronze inventaram a burocracia. Sublimes ou medíocres, nossos atos — este texto, aquele bronze, a coação dos burocratas – vão ecoar pela eternidade. Cada um escolhe, hoje, como dormirá perpetuamente o sono dos metais.

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