Desde que se tornou mãe, Rafaela Samartino Herran, 24, decidiu parar de comer qualquer tipo de carne. Inspirada pelo companheiro Rafael Coelho, 25, que é vegetariano há cinco anos, ela optou por retirar totalmente alimentos de origem animal do cardápio de toda a família – inclusive da alimentação do pequeno Nhamandu Herran Coelho, de um ano. A família busca uma alimentação que, para eles, é mais saudável.
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A escolha da família Herran Coelho pode ser amparada por uma nova legislação a ser avaliada pela Prefeitura de Florianópolis ainda no mês de julho. Após ser aprovado por unanimidade no fim de junho, o projeto de lei que institui o Programa Municipal de Merenda Escolar Vegetariana, de autoria do vereador Afrânio Boppré (PSOL), pretende dar a opção de escolha aos pais de alunos matriculados na rede municipal de ensino que não comem carne – seja por motivos religiosos, científicos, animal ou de visão de mundo.
– Não conhecemos a procedência da maioria das carnes, mas sabemos que as condições da maioria dos matadouros é péssima, tanto pela higiene, quanto pelos maus tratos sofridos pelos animais. Além de não comermos mais esse tipo de alimento, estamos tentando ingerir somente orgânicos: comprando o pão caseiro da vizinha, colhendo fruta do pé, e por aí vai – conta a mamãe, que diz sentir uma melhora considerável na qualidade de vida dos três.
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Após reunião em Brasília, merenda das escolas estaduais de SC é garantida pelo próximo mês
Sem garantias
Há pouco mais de duas semanas, a família do Sul da Ilha, onde se estima que haja a maior concentração de vegetarianos em Florianópolis, matriculou Nhamandu no Núcleo de Educação Infantil da Armação. Mas, até o momento, o pequeno não teve a garantia de um cardápio completo para quem não come carne – com substituições por folhas escuras e leguminosas, por exemplo, recomendadas por nutricionistas.
– Me disseram que não poderiam deixar de oferecer o que é de direito da criança [a carne, que predomina no cardápio da rede municipal]. Mas, poxa, enquanto bebê, os pais têm o direito de escolher o que os filhos comem. Queremos esse tipo de vida saudável para o Nhamandu, por mais que saibamos que um dia ele possa a vir experimentar a carne. Eu não quero é que ofereçam – defende Rafaela.
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Cerca de 8%, mas crescendo
Segundo pesquisa encomendada pelo Ibope em 2012, cerca de 8% da população brasileira é vegetariana, mas estima-se que esse número tenha aumentado nos últimos anos e que, principalmente, seja maior em Florianópolis. Para o vereador, as escolas devem se abrir para essa realidade, mesmo que pequena, “e não caírem na ditadura da salsicha“:
– Se há a decisão familiar por esse tipo de orientação alimentar, a criança deve ter o suporte na escola para dar continuidade a isso. Não se pode desfazer o que acredita a família. Com essa lei, basta que os pais declarem o vegetarianismo à secretaria da escola e seja feito uma opção exclusiva ao aluno que não come carne. Funcionaria aos moldes de quem possui intolerância algum tipo de alimento, como o leite e a farinha de trigo – explica.
Crianças podem optar por não comer carne nas refeições, segundo Prefeitura (Foto: Betina Humeres)
Sem custos adicionais
– Não fiz uma lei para todos comerem só alface. Por ser dirigida a um grupo restrito de alunos, a lei não traria custos adicionais aos cofres municipais, que já utilizam recursos do governo federal para a compra de insumos para as merendas. Além disso, todos sabem que a carne é o produto mais caro na alimentação – pontua o vereador Afrânio.
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O procurador-geral do município, Alessandro Abreu, prefere não se posicionar sobre o assunto até a decisão do prefeito Cesar Souza Jr. A assessoria de comunicação da Prefeitura informou em nota que “a Secretaria Municipal de Educação é contrária ao projeto porque ele contraria as diretrizes da Política Nacional de Alimentação Escolar. Além disso, o secretário Rodolfo Pinto da Luz acrescenta que as crianças podem optar por não comer carne nas refeições oferecidas nas unidades de ensino do município. A assessoria do prefeito Cesar Souza Jr informa que, com base no posicionamento da secretaria de Educação, o projeto será vetado“.
Mas o próprio documento do Governo Federal ressalta que “é necessário que o elaborador do cardápio que será oferecido aos escolares, leve em consideração essas preferências alimentares“.
O Prefeito tem 30 dias para dar o parecer oficial sobre o projeto de lei. Se for realmente vetado, o texto voltará para a Câmara de Vereadores de Florianópolis.
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Município não está preparado
A rede municipal de Educação Básica em Florianópolis oferece quatro refeições aos alunos diariamente – dois lanches, um almoço e uma janta. Apesar de ser referência nacional na alimentação coletiva escolar, o município não está preparado para atender alunos vegetarianos. Se chegar à escola alguma criança que não está autorizada pelos pais a comer carne, restará a ela o arroz, o feijão, a salada (duas opções, uma crua e outra cozida) e a fruta de sobremesa.
Segundo as nutricionistas responsáveis pelo cardápio da mesma creche, em apenas uma refeição as opções de alimentação não são compostas por carne: no dia de sopa – minestra ou de vegetais.
– Nós não iremos incentivar a comer, mas as opções são essas. Não conseguimos atender totalmente nem os alunos que apresentam alguma doença, como a diabetes. Não vem geleia diet pra gente. Nesses casos, pedimos ajuda para os pais – explica a diretora da creche Francisca Idalina Lopes, no Campeche, Luciani Pereira Martins da Silva.
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Nem no caso de doenças
Conforme a Secretaria Municipal de Educação, são 241 casos de crianças com doenças ligadas à alimentação na rede de ensino da Capital. Mas o vegetarianismo não é considerado uma patologia e sim um tipo de dieta.
– O cuidado com a alimentação vegetariana já acaba acontecendo no nosso dia a dia. Porque conversamos com a família da criança que prefere não comer carne, mas às vezes não conseguimos controlar aqui na escola. No próximo semestre, vamos receber a lentilha – conta a nutricionista da Prefeitura, Gisele Petri Lavina.
Cardápio vegetariano pode ser benéfico à saúde, conforme nutricionista. Foto: Betina Humeres/Agência RBS
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Mais leguminosas
A nutricionista mestre em Saúde Coletiva pela UFSC, Thaisa Navolar, alegra-se com a chegada de uma nova leguminosa no cardápio das escolas municipais de Florianópolis. Em um cardápio vegetariano, em caso de sanção da lei, esse grupo de alimento terá grande força na dieta nutricional das crianças que não comem carne.
– A retirada da carne da alimentação ainda é um tabu. Mas já foi comprovado cientificamente que o arroz e o feijão, por exemplo, fornecem a quantidade de nutrientes necessária. O mesmo vale para a criança – pondera Thaisa, que também coordena a Comissão de Práticas Integrativas e Complementares de Florianópolis.
Para ela, a adequação do cardápio nas escolas é bastante simples e benéfico.
– Sei que existem pais que já solicitam essa alimentação de maneira informal e escolas que tentam se adequar. Porque é possível. Além de contribuir para a continuidade do estilo de vida saudável da criança, que passa a ter uma alimentação mais variada com frutas, legumes e cereais. Os pequenos tendem a levar esse gosto por novos sabores para o resto da vida. Consequentemente, previnem doenças ligadas à obesidade – defende a nutricionista Thaisa.
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O que poderia substituir a carne?
:: Feijão
:: Lentilha
:: Grão de bico
:: Ervilha
:: Folhas escuras (couve mineira, rúcula, agrião, espinafre, etc)
:: Todos eles contém proteínas e ferro
Exemplos pelo país
:: Desde 2009, a campanha Segunda Sem Carne incentiva a população a deixar os derivados animais do prato pelo menos uma vez por semana, refletir sobre a alimentação e seus impactos na sociedade e descobrir novos sabores. A merenda vegetariana é um braço do projeto e capacita merendeiras de todo o país.
:: Em 2011, a prefeitura de São Paulo aderiu. A cada quinze dias, oferece a 1 milhão de alunos – desde a creche até a Educação de Jovens e Adultos.
:: Um dos argumentos é que a proteína vegetal tem preço competitivo, não é perecível e é de fácil manuseio.
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:: Pelo menos outra cinco cidades do interior paulista também adeririam a campanha.
:: Prefeituras do Rio de Janeiro, Distrito Federal e Curitiba também incorporaram a Segunda Sem Carne.
:: A Escola Americana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, implantou a merenda escolar vegetarianas às segundas-feiras. Com a prática, deixou de comprar em média 160 quilos de carne, gerando uma economia considerável.
“Se São Paulo conseguiu, qualquer outra pode. Começamos com dois pratos: escondidinho e spaghetti à bolonhesa, tudo com soja. A aceitação foi de 80%.”, explica a coordenadora da campanha Segunda Sem Carne, Mônica Buava.
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