Em outubro de 2016, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubava uma lei do Ceará que regulamentava a vaquejada, um grupo de manifestantes reunia-se em frente à prefeitura de Blumenau. Enquanto os ministros julgavam a prática perigosa ao animal e, consequentemente, ao meio ambiente, os integrantes da Associação de Criadores de Cavalos Quarto de Milha de Santa Catarina, que organizaram o protesto na cidade do Vale do Itajaí, defendiam tratar-se de uma manifestação da cultura regional. Esse último argumento foi utilizado na terça-feira pela ampla maioria dos senadores, que aprovaram em dois turnos a Proposta de Emenda Constitucional 50/2016. O texto libera a vaquejada no Brasil ao alterar o artigo 225 da Constituição, para descaracterizar a prática de crueldade associada ao esporte.
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Apesar de não ser tão comum como no Nordeste, a atividade na qual dois vaqueiros montados a cavalo têm de derrubar um boi puxando-o pelo rabo entre duas faixas de cal para marcar pontos acontece no Estado catarinense em eventos promovidos por entidades voltadas ao esporte equestre. O médico veterinário e inspetor técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo Crioulo (ABCCC) em Santa Catarina , Romeu Koch, defende que não há prática de crueldade nessas atividades.
— Aqui em SC, os esportes mais vinculados à vaquejada são o laço comprido, a paleteada e a prova do freio de ouro [entenda as práticas no box]. Todos são regularizados e supervisionados por inspetores técnicos — diz.
O profissional ainda destaca haver grande preocupação com o bem-estar animal nestas provas.
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— Tanto que no próximo evento, em Araranguá, haverá um novo procedimento dentro das provas. Faremos um “vetcheck” em cada animal antes de entrar em prova, para ver se ele apresenta alguma lesão. Após a prova, ele também passará por inspeção. A gente preza para que os animais de forma alguma se machuquem — garante.
Práticas esportivas com animais
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Conhecido pelas competições de laço, o Centro de Tradição Gaúcha Os Praianos, em São José, também mantém rodeios em sua programação. Apesar de destacar as diferenças em relação à vaquejada, o capataz Osmar Pereira comemora a decisão do Senado Federal, que ainda deve voltar para a Câmara dos Deputados.
— Vejo de forma positiva, porque é um esporte, dá muito emprego e envolve muita gente. O rodeio gaúcho que temos aqui é totalmente diferente, mas mesmo assim procuramos manter da melhor maneira possível o cuidado com os animais, assim como eles também devem ter — opina.
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Contrário à vaquejada, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal a considera “brutal”. Em nota, a organização não-governamental ainda diz que, com a aprovação da PEC, precedentes podem ser abertos para outras atividades envolvendo animais.
“A consequência seria não só a legalização de vaquejadas, mas também a possibilidade de legalização de outras atrocidades atualmente proibidas como farra do boi, rinhas e touradas”, diz em nota.
Farra do boi e puxada de cavalo
Ritual típico do litoral catarinense, a farra do boi é proibida desde 1997, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu-a intrinsecamente cruel ao animal e, por isso, passou a considerá-la crime. Não há lei estadual que reforce a proibição. Estudioso do assunto, o antropólogo do Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Eugênio Lacerda, diz que ainda não é possível saber se a liberação da vaquejada refletirá na “tourada brasileira” que acontece em SC.
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— As características etnográficas que presidem essa tradição popular não são as que presidem outras tradições que têm o boi junto, como a vaquejada e os rodeios. Essas duas últimas têm origens culturais, mas são tradições que também são econômicas e competitivas. Não é o caso das farras do boi que haviam aqui e ainda há clandestinamente — explica.
O pesquisador, que publicou o livro Bom para brincar, bom para comer — A polêmica da farra do boi no Brasil, lembra que em 2008 a Câmara de Vereadores de Biguaçu tentou aprovar uma lei que regulamentava a atividade, mas o texto foi considerado inconstitucional.
— As comunidades litorâneas catarinenses pacíficas pagaram um preço alto pela estigmatização cultural, mas também por não terem organizado sua festa. Lá na Ilha Terceira [nos Açores, em Portugal] é regulamentada, tem regimento, é pública e notória, tem as precauções e está mantida. Foi perdida a oportunidade de organizar isso e manter a tradição aos moldes de seus protagonistas. O caso foi diferente no Ceará e é diferente também em relação aos rodeios gaúchos — compara.
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A puxada de cavalo, em que os animais são obrigados a puxar a maior quantidade de peso possível em uma carroça sem rodas, é outra prática polêmica que envolvia animais no Estado desde 1980, principalmente na região de Pomerode. Mas, desde 2015, há uma lei estadual de autoria da deputada Ana Paula Lima (PT) que impede a realização sob multa de R$ 50 mil, podendo duplicar a cada reincidência. Graças a essa proteção legislativa, a parlamentar não teme retrocesso em relação à puxada de cavalo, mas mostra-se apreensiva sobre a farra do boi.
— Houve uma conscientização da população sobre esse tipo de entretenimento de sobrecarga dos animais porque eles sofriam por puxar carga excessiva. Foi um avanço porque não está mais acontecendo em SC. Mas em relação à farra do boi, que ainda acontece, pode retroceder. Esperamos que não.
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