A aprovação da lei que autoriza o uso da fosfoetanolamina pela presidência da República foi tratada como um retrocesso por oncologistas. A crítica dos médicos é que a medida representa um atropelo da presidente Dilma Rousseff, já que não leva em conta estudos sobre a segurança e a eficácia da substância, conhecida como “pílula do câncer”.

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O presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Gustavo dos Santos Fernandes, afirmou que é “uma lástima” o governo ter aprovado a substância sem a comprovação científica necessária.

— O Brasil cometeu um erro com a aprovação dessa lei. Vamos recomendar que os oncologistas mantenham a posição a favor da ciência.

Por meio de nota, a Sociedade Brasileira de Cancerologia afirmou que não pode “apoiar a legalidade de algo que não apresenta valor médico”. A entidade ressaltou que “defende o debate às problemáticas em torno do combate ao câncer no país, sem oportunismos, a partir de atitudes mais responsáveis que visem sua efetividade no tratamento de uma doença de grande impacto para a saúde pública”.

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Ex-presidente regional da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e diretor do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais, o oncologista Gabriel Prolla afirma que a aprovação da lei pelo Executivo é uma incongruência, já que o próprio governo destinou uma verba para estudar a substância. Seriam necessários, no mínimo, dois anos de pesquisa para testar a segurança e o êxito da “pílula do câncer” no combate à doença, conforme o médico.

— O governo atropelou as pesquisas na fase inicial, e ainda continuamos com as mesmas dúvidas sobre a substância quanto à segurança e a eficácia. Cabe ainda salientar que os primeiros resultados (dos estudos) não são os esperados — explica o médico.

Professor de oncologia na Faculdade de Medicina da PUCRS, André Fay afirma que seu sentimento é de frustração diante da abertura para a fosfoetanolamina mesmo depois de todas as críticas e alertas dos grupos médicos.

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— A aprovação vai contra todo o processo científico adequado. É um retrocesso — completa o pesquisador.

Além disso, ambos os médicos afirmaram que a aprovação da lei pode comprometer a imagem do país na comunidade científica. Os oncologistas citaram que uma das mais antigas revistas científicas do mundo, a Nature, chegou a escrever um editorial criticando o uso da substância fora de estudos científicos no país, devido a decisões judiciais.

Apesar da lei, os médicos afirmam que não prescreverão a substâncias aos seus pacientes.

— Continuamos não tendo nenhuma evidência ou sinal de que (a fosfoetanolamina) vai ajudar — completa Fay.

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Além disso, o oncologista espera uma conduta restritiva por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Conforme a nova lei, apesar de a posse e o uso da fosfoetanolamina estarem autorizados mesmo sem o registro da Anvisa, os laboratórios só poderão fazer a produção, manufatura, importação, distribuição e prescrição da substância mediante permissão do órgão.

Em nota, a Anvisa informou que “reitera sua profunda preocupação em relação à Lei nº 13.269, que libera a produção e comercialização da substância fosfoetanolamina, mesmo sem esse produto ter realizado os estudos clínicos capazes de comprovar sua eficácia e segurança e de não ter sido registrado na agência, como todos os medicamentos em uso no país precisam ser”. O diretor-presidente do órgão, o médico sanitarista Jarbas Barbosa, ainda afirmou que a agência “vai estudar juridicamente manobras capazes de fazer com que o dano à saúde das pessoas seja minimizado”.