*Por Paula Span
Lindsay Dina não se deixou enganar por uma foto no Facebook que supostamente mostrava inúmeros golfinhos nadando nos canais de Veneza.
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Dina, de 75 anos, se aventurou na plataforma de mídia social há cerca de uma década e desenvolveu alguns conhecimentos. Só compartilha informações de organizações de notícias de renome. Apagou postagens que faziam afirmações esdrúxulas sobre Hillary Clinton. Sabe usar o Snopes.com, o site de checagem de fatos. Mesmo assim, ela disse: “Vi algumas coisas e pensei: ‘Bem, isso não é verdade’, mas não sabia exatamente como verificar que não era.”
Para Dina, aposentada de Easton, em Connecticut, a internet ainda pode parecer um lugar perigoso. Duas vezes, golpistas on-line lhe tiraram pequenas somas de dinheiro. Ela conta que às vezes clica em algo que parece notícia, “mas aí vejo que estão vendendo algum plano de saúde”.
Verdadeira democrata, ela compartilha artigos políticos da CNN e da NBC, mas também postagens da página Impeach Trump, cuja organização patrocinadora tem sua veracidade considerada baixa pelo PolitiFact.
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Assim, Dina ficou encantada ao saber que o MediaWise for Seniors, um projeto do Instituto Poynter, oferece cursos on-line gratuitos para ajudar os americanos mais velhos a detectar e combater a desinformação na rede. Ela se matriculou e começa suas aulas daqui a algumas semanas.
O programa de alfabetização digital MediaWise começou em 2018 com financiamento do Google, inicialmente focado em adolescentes e estudantes universitários. Recentemente, afirmou Katy Byron, gerente do programa, “optamos por uma guinada demográfica”. “Havia uma grande necessidade de educar essa faixa etária, não só por causa da eleição, mas por causa do coronavírus”, disse ela.
O comportamento on-line dos idosos americanos durante a última campanha presidencial alarmou cientistas que estudam comunicações, política e tecnologia.
Basta considerar o que aconteceu em 2016 no Facebook, a plataforma que os adultos com mais de 65 anos têm maior propensão a usar. Pesquisadores de Princeton e da Universidade de Nova York determinaram que o compartilhamento de artigos de fontes divulgadoras de “fake news” – veículos que propagam conteúdo falso ou enganoso disfarçado de notícia legítima – era raro.
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Mas aqueles que se envolveram com essas fontes tinham grande chance de ter mais de 65 anos. Esse segmento etário compartilhou o dobro de artigos de sites falsos que os usuários de 45 a 65 anos e quase sete vezes mais artigos que o grupo mais jovem.
Um estudo do Twitter durante o último mês da campanha de 2016 também descobriu que fontes de notícias falsas equivaliam a uma pequena parcela de todas as páginas políticas no feed de um indivíduo – cerca de um por cento. Os usuários mais velhos, porém, tinham uma tendência muito maior de se envolver com fontes falsas, e aqueles com mais de 50 anos eram super-representados entre os que mais compartilhavam, responsáveis pela disseminação de 80 por cento do conteúdo falso.
Tais descobertas despertaram uma preocupação particular, porque os idosos em geral votam mais que os segmentos mais jovens. Nas eleições de 2016, acima de 70 por cento das pessoas com mais de 65 votos votaram, em comparação com cerca de 46 por cento daquelas que têm entre 18 e 29 anos.
“Eles têm um efeito maior em nossa democracia”, comentou Nadia Brashier, psicóloga e neurocientista da Universidade Harvard, sobre idosos.
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E esse grupo corre maior risco de contrair o o coronavírus, um assunto que também gera muita distorção e teorias conspiratórias on-line.
Brashier não apoia a teoria de que a participação dos idosos na desinformação decorre de perdas cognitivas relacionadas à idade. “Fora do ambiente das mídias sociais, muitas vezes vemos que os idosos são mais exigentes que os mais jovens”, declarou ela, apontando para estudos que mostram que as pessoas mais velhas conseguem distinguir com mais precisão manchetes e artigos falsos dos verdadeiros. “Além disso, os idosos têm muito mais conhecimento dos fatos ao redor do mundo, especialmente fatos políticos”, acrescentou Brashier. Isso os ajuda a contestar falsas alegações que contradizem o que sabem.
Mas, nas redes sociais, a história é diferente. Segundo Brashier, embora muitos idosos usem essas plataformas com bastante habilidade, “parece haver algo específico na navegação no Facebook ou no Twitter que os torna mais vulneráveis à desinformação”.
Por que isso? Jeff Hancock, psicólogo da Universidade Stanford, observou que muitos usuários idosos começaram a usar esses sites apenas nos últimos cinco ou seis anos. “Eles têm menos experiência e menor propensão de saber o que é perigoso on-line. São mecanismos extraordinariamente complexos que usam aprendizado de máquina – tecnologia sofisticada – com bilhões de novos posts todos os dias. Há um processo de aprendizagem.”
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“Além disso, eles eram alvos”, disse Hancock sobre os usuários mais velhos. Como um experimento, ele regularmente pede aos 80 alunos de graduação e pós-graduação em seu curso “Verdade, Confiança e Tecnologia” que passem 15 minutos procurando desinformação em seus feeds de mídia social, principalmente no Instagram, uma plataforma com demografia jovem. O resultado é bem pequeno.
Mas organizações políticas, propagandistas estrangeiros e fraudadores financeiros vêm atrás de idosos, que são mais engajados politicamente do que os grupos mais jovens e também têm mais dinheiro. Estudos também têm demonstrado que são geralmente mais crédulos.
Há quem defenda que a tarefa de deter a mentira on-line deve recair sobre as empresas de tecnologia extremamente rentáveis. “As plataformas precisam fazer mais. Uma abordagem pontual não é suficiente”, afirmou Byron, da MediaWise.
Enquanto isso, as organizações de alfabetização digital tentam rapidamente ampliar suas tentativas de vacinar os americanos idosos contra a desinformação. Pesquisas iniciais mostraram que tais intervenções podem melhorar a capacidade das pessoas de distinguir entre as principais notícias e as notícias falsas.
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O programa MediaWise for Seniors oferecerá dois cursos on-line gratuitos, financiados em grande parte pelo Facebook. O primeiro curso de quatro semanas já tem suas vagas esgotadas, mas os alunos ainda podem se inscrever em um curso sobre a separação entre fatos e ficção on-line. Apresentado por Christiane Amanpour e Joan Lunden, está programado para começar no dia primeiro de outubro.
“No fim, eles saberão usar as técnicas adotadas pelos verificadores de fatos em todo o mundo, incluindo pesquisas reversas de imagens para determinar as fontes de fotos e vídeos”, disse Alex Mahadevan, repórter multimídia sênior da Poynter.
Além disso, a Poynter tem trabalhado com a AARP para produzir vídeos interativos de monitoração de fatos, que ensinam como detectar e filtrar a desinformação.
O Projeto de Alfabetização em Notícias também está se expandindo além de seu público-alvo inicial, que são os alunos do ensino fundamental e do médio.
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“Embora o projeto se destine à população em geral, nossa esperança é que os idosos sejam grandes consumidores desses recursos e se tornem parte da solução da informação, e não do problema da desinformação”, observou Alan Miller, jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer que fundou o projeto em 2008.
Tomemos, por exemplo, seu site gratuito, o Checkology. Segundo Miller, “ele oferece um embasamento para distinguir informações confiáveis, além de ajudar as pessoas a detectar a diferença entre notícia, opinião e propaganda”. Os alunos também aprenderão sobre jornalismo de qualidade de forma interativa, fazendo o papel de um repórter que coleta informações e o de um editor decidindo quais matérias merecem a primeira página.
Um boletim semanal, Get Smart About News, vai se concentrar em rumores, boatos e teorias da conspiração a partir de 22 de setembro. Em um aplicativo de jogos chamado Informable, os jogadores avançam através de níveis cada vez mais desafiadores para desenvolver a verificação de fatos e outras habilidades de alfabetização digital. Simultaneamente, anúncios serão exibidos em estações de rádio e TV e no Facebook.
Embora todo esse trabalho ainda permaneça em pequena escala, seus apoiadores dizem que podem ser rapidamente expandidos para alcançar públicos maiores. Eles esperam que, uma vez educados, seus graduados mais velhos sejam capazes não apenas de combater a manipulação on-line, mas de persuadir outros idosos a se juntar à luta.
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“Podemos transformá-los em embaixadores em sua comunidade. Quando vão à igreja e ouvem alguém falar sobre o último meme, podem dizer: ‘Você deveria pensar um pouco sobre isso'”, disse Mahadevan.
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