
*Por Jack Nicas e Daisuke Wakabayashi
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Oakland, Califórnia – Em uma das tentativas mais abrangentes de parar a propagação do coronavírus, a Apple e a Google disseram estar desenvolvendo softwares para smartphones que mostrariam às pessoas se elas estiveram em contato recentemente com alguém infectado.
Os gigantes da tecnologia disseram que estavam se unindo para lançar a ferramenta daqui a alguns meses, incluindo-a nos sistemas operacionais dos bilhões de iPhones e dispositivos Android em todo o mundo. Isso permitiria que os smartphones registrassem constantemente outros dispositivos que se aproximassem, permitindo o que é conhecido como "rastreamento de contato" da doença. As pessoas optariam por usar a ferramenta e informariam voluntariamente se estivessem infectadas.
A improvável parceria entre a Google e a Apple, grandes rivais que raramente perdem a oportunidade de criticar uma à outra, ressalta a gravidade da crise de saúde e o poder das duas empresas, cujos softwares rodam em quase todos os smartphones do mundo. A Apple e a Google disseram que seu esforço conjunto começou apenas nas últimas semanas.
Seu trabalho pode ser significativo para retardar a propagação do coronavírus. Autoridades de saúde pública afirmaram que um melhor rastreamento de pessoas infectadas e de seus contatos poderia retardar a pandemia, especialmente no início de um surto, e tais medidas têm sido eficazes em lugares como a Coreia do Sul, que também realizou testes de vírus em massa.
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No entanto, o fato de duas das maiores empresas de tecnologia do mundo controlarem praticamente todos os smartphones do planeta para rastrear as conexões interpessoais levanta questões sobre o alcance que esses gigantes têm na vida dos indivíduos e na sociedade.
"Pode ser uma ferramenta útil, mas gera questões de privacidade. Não será a única solução, mas, como parte de uma resposta robusta e sofisticada, pode ser útil", observou o dr. Mike Reid, professor assistente de Medicina e Doenças Infecciosas da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que está ajudando autoridades da cidade a rastrear contatos.
Timothy Cook, executivo-chefe da Apple, disse no Twitter que a ferramenta ajudaria a conter a propagação do vírus "de uma maneira que também respeite a transparência e o consentimento". Sundar Pichai, executivo-chefe do Google, também postou no Twitter que o software tem "fortes controles e proteções para a privacidade do usuário".
Com a ferramenta, um usuário infectado com o coronavírus notificaria um aplicativo de saúde pública, o que alertaria os telefones que tivessem se aproximado recentemente do dispositivo dessa pessoa. As empresas precisariam fazer com que as autoridades de saúde pública concordassem em vincular seu aplicativo à ferramenta.
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O presidente Donald Trump disse que seu governo planejava analisar o software. "É uma tecnologia muito nova. É muito interessante. Mas muita gente se preocupa com isso no que se refere à liberdade de uma pessoa", afirmou ele.
Já existem ferramentas de terceiros para rastreamento de contatos, inclusive de autoridades de saúde pública e o do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Em março, o governo de Singapura introduziu um aplicativo semelhante de rastreamento de contato com coronavírus, chamado TraceTogether, que detecta telefones celulares nas imediações.
Mas, dado o número de iPhones e dispositivos Android em uso em todo o mundo, a Apple e a Google declararam que esperavam facilitar os esforços de rastreamento das autoridades de saúde pública, atingindo mais pessoas. Elas também informaram que forneceriam sua tecnologia aos aplicativos de terceiros para torná-los mais confiáveis.
Daniel Weitzner, um dos principais cientistas de pesquisa do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial do MIT e um dos responsáveis pelo aplicativo de rastreamento de contatos do instituto, disse que a parceria entre a Google e a Apple ajudará as autoridades de saúde a economizar tempo e recursos no desenvolvimento de seus próprios aplicativos para monitorar a propagação do vírus.
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Um desafio para aplicativos de terceiros é que eles devem ser executados constantemente – 24 horas por dia, sete dias por semana – para serem eficazes. A Google disse que alguns fabricantes de smartphones Android desligam esses aplicativos para economizar a vida útil da bateria.
A Apple e a Google explicaram que sua ferramenta também funcionaria constantemente em segundo plano se as pessoas optassem por usá-la, registrando dispositivos próximos por meio da tecnologia sem fio de curto alcance Bluetooth. Mas isso consumiria menos bateria e seria mais confiável do que aplicativos de terceiros, disseram eles.
Uma vez que alguém reporte sua infecção a um aplicativo de saúde pública, a ferramenta enviará os chamados sinalizadores de transmissão do telefone, ou identificadores anônimos conectados ao dispositivo, para servidores centrais.
Outros telefones verificarão constantemente esses servidores para saber de quais dispositivos se aproximaram nos últimos 14 dias. Se houver uma correspondência, essas pessoas receberão um alerta de que provavelmente entraram em contato com um indivíduo infectado.
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A Apple e a Google disseram que estavam discutindo com as autoridades de saúde quanta informação incluir nesses alertas, com o objetivo de encontrar um equilíbrio entre ser útil e ao mesmo tempo proteger a privacidade daqueles que têm o coronavírus.
"Esses dados poderiam capacitar os membros da população em geral a tomar decisões informadas sobre sua própria saúde em relação à autoquarentena. Mas isso não substitui a responsabilidade da saúde pública de ampliar o rastreamento de contatos em seus departamentos em todo o mundo", declarou Reid.
A Apple e a Google disseram que disponibilizariam a tecnologia da ferramenta para aplicativos de terceiros até meados de maio e lançariam a ferramenta publicamente "nos próximos meses".
As empresas informaram que a ferramenta não coletaria a localização dos dispositivos – apenas rastrearia a proximidade com outros aparelhos – e manteria as pessoas anônimas nos servidores centrais.
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A abordagem da Google e da Apple visa resolver um dos obstáculos enfrentados pelo governo e pelos esforços privados para criar aplicativos de monitoramento de contato: a falta de padrões técnicos comuns. A Comissão Europeia, órgão executivo do bloco de 27 nações, disse que "uma abordagem fragmentada e descoordenada corre o risco de prejudicar a eficácia" desses aplicativos.
Ashkan Soltani, pesquisador independente de cibersegurança, alertou que as ferramentas de vigilância que começam como voluntárias muitas vezes se tornam necessárias por meio de decisões de políticas públicas. A China, por exemplo, introduziu um aplicativo de vigilância de coronavírus codificado por cores que decide automaticamente se alguém deve ficar em casa ou pode sair e usar o transporte público.
"O perigo é que, à medida que você implementa essas soluções voluntárias e elas são adotadas, é mais provável que se tornem obrigatórias", afirmou Soltani, ex-tecnólogo chefe da Comissão Federal de Comércio.
Soltani disse que a ferramenta também pode ser uma forma de as empresas de tecnologia anteciparem os esforços dos governos nos Estados Unidos ou de outros lugares para ordenar uma coleta de dados mais invasiva para combater a pandemia.
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"A ferramenta seria uma resposta ao pedido da administração para 'fazer algo', ao mesmo tempo que poderia tirar dela a responsabilidade de desenvolver o aplicativo e coletar os dados", disse ele.
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