O milagre da multiplicação é tão real e está tão presente em nosso meio quanto se imagina. A aposentada Lauracy Proença de Mello, de 68 anos, seria uma pessoa como outra qualquer não fosse um dom que a acompanha há mais de três décadas. Com um tremendo esforço, mas que para ela é prazeroso, a ajuda de amigos e um empolgante sorriso no rosto, ela consegue minimizar o sofrimento de milhares de pessoas que todos os dias sentem uma das piores dores: a fome.

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Moradora do Bairro Guadalupe, em Lages, na Serra Catarinense, Lauracy, ou Tia Laura, como carinhosamente é conhecida na cidade, cumpre sua missão de ser humano e cidadã com um trabalho voluntário que emociona. Não apenas pela sua dedicação em realizá-lo, mas também pela felicidade das pessoas que dele se beneficiam.

Há 34 anos, após ter trabalhado por 32 no comércio de Lages e conhecido muitas histórias de gente pobre e até miserável, decidiu pôr em prática uma rotina que se estende até hoje e que, se depender dela e seus “discípulos”, não vai acabar tão cedo.

Toda terça-feira, no estacionamento de um supermercado ao lado do Terminal Urbano, no Centro da cidade, ela faz a distribuição de nada menos que 2,6 mil pães a cidadãos para quem um único pão pode ser a garantia de mais um dia de vida.

Há 22 anos, ela começou outra rotina, a de servir às mesmas pessoas, três vezes por semana, um reforçado sopão. E no último sábado, por ocasião do Natal, quando muitas famílias enchem suas mesas com tudo o que têm direito e muitas outras não têm nem mesa e muito menos casa, Tia Laura e seus amigos distribuíram mais de 350 frangos e panetones a pessoas que raramente recebem este presente.

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Gente como a dona-de-casa Nilva Camargo, de 60 anos, moradora de uma área verde no Bairro Centenário e que só come carne quando ganha ou acha no lixo, ou como a também dona-de-casa Almerinda de Jesus Branco, 65, do Bairro Santa Helena e com uma história que só de ouvir e escrever faz correr as lágrimas.

Viúva há quatro anos, quando o seu marido, sem qualquer pingo de esperança, morreu depois que se entregou ao vício do álcool e foi viver na rua, Almerinda trabalhava como diarista para conseguir sustentar os três netos pequenos, com idades entre dois e cinco anos. Mas, há quatro meses, enquanto limpava a parede de uma casa, caiu da escada na qual havia subido, quebrou o pé e não se recuperou mais. A única renda da família acabou, até porque o filho de Almerinda está preso há 12 anos por homicídio.

Já bastante triste, a trágica história dela é ainda pior. Há dois anos, a sua humilde casa no Bairro Santa Helena foi totalmente destruída em um incêndio. Sem lugar para morar, um vizinho cedeu um pequeno galpão onde a simpática e sonhadora Almerinda passou a viver dividindo espaço com um cavalo.

– A fome é minha companheira, mas tenho fé que um dia ela vai embora.

Se fosse possível multiplicar a Tia Laura – ou Santa Laura, como define a maioria das pessoas que ela ajuda -, da mesma forma que ela multiplica o pão, a fome de Almerinda já teria indo embora.

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