A prefeitura de Florianópolis decidiu acolher um pedido de entidades representativas da capital para que seja apresentada a minuta de sua proposta de revisão do plano diretor em um evento aberto à população. A gestão Topázio Neto (PSD) tem realizado audiências públicas ao longo deste mês para discutir o projeto, mas sem expor qual é de fato o texto que pretende aprovar, exibindo apenas dez diretrizes dele.

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A decisão foi anunciada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) nesta quinta-feira (21), que, junto da Defensoria Pública, levou o pedido das lideranças de moradores para representantes da prefeitura em uma reunião.

O cumprimento do pedido não se trata, no entanto, de uma determinação judicial. Ainda assim, a disposição da prefeitura em atender o pleito se dá depois de o andamento do plano diretor já ter sido interrompido pela Justiça anteriormente devido também a questionamentos quanto à falta de efetiva participação popular nele.

A própria realização das audiências públicas até aqui ocorre por conta de um acordo mediado pelo MPSC, que segue monitorando o processo de revisão do documento que define instruções e objetivos para o desenvolvimento da cidade.

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Os órgãos estaduais propuseram que seja feito um grande evento presencial para exposição da minuta, com transmissão ao vivo pela internet e televisão, e no qual haja possibilidade de participação até por chat e por posterior mensagem escrita.

A prefeitura realizava reuniões já nesta sexta (22) para discutir o modelo e a data do evento. Ela terá cinco dias para confirmar esses detalhes.

Histórico de judicialização

O Estatuto da Cidade, legislação federal que trata da obrigatoriedade de municípios com mais de 20 mil habitantes a terem um plano diretor, afirma também que é necessário que ele conte com a participação da população e de associações representativas em sua formação e execução.

No início do ano, o MPSC entendeu que a prefeitura descumpria esse requisito e precisou interromper a tramitação do plano diretor até que fosse garantida a realização de audiências públicas pela prefeitura para que a sociedade discutisse a proposta.

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A gestão municipal chegou a tentar realizar 13 audiências distritais, que tratariam de cada uma das regiões de Florianópolis, simultaneamente. O modelo impedia que moradores fossem a mais de um encontro e acabou vetado na Justiça

A partir disso, a prefeitura definiu então um cronograma de audiências em dias alternados, que tem sido cumprido e estava previsto para ser encerrado na próxima segunda (1º). Agora, no entanto, haverá ainda esse novo encontro.

Como tem sido as audiências

Ao longo das audiências públicas até aqui, foram comuns as críticas de que a prefeitura apresentou apenas diretrizes em termos genéricos, sem detalhar o texto que vai revisar o plano diretor atualmente em vigor, exposto na Lei Complementar nº482/2014.

A gestão municipal afirmava que só produziria a minuta após levar em conta o que seria dito nas audiências e previa apresentar o documento pela primeira vez em 22 de agosto ao Conselho da Cidade, uma órgão consultivo com representantes de diferentes setores da cidade, por onde o projeto passa antes de ir à Câmara dos Vereadores.

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O formato das audiências também tem sido criticado. Na primeira hora delas, o secretário de Mobilidade e Planejamento Urbano, Michel Mittmann, faz uma exposição em que justifica a revisão plano. Ele também aborda as diretrizes da proposta e trata com maior detalhes da ideia de promover centralidades na cidade.

Após isso, é comum o prefeito Topázio também se manifestar, mas em tempo mais curto, antes de a fala ser aberta para o público presente em um púlpito.

Moradores têm dois minutos e meio cada para se manifestar. Já líderes de entidades representativas têm cinco minutos e meio. Após isso, o som do microfone é cortado. Na audiência do distrito do Centro, que teve recorde de participação, com 351 pessoas, e seis horas de duração, um sino de ringue de boxe soava a 30 segundos do fim de cada fala para indicar que estava prestes a ser encerrada.

Representantes da prefeitura ficam em uma mesa à frente do público, mas não há interação com perguntas e respostas. O superintendente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), Carlos Alvarenga, que coordena as sessões, costuma dizer que questionamentos podem ser registrados por meio da consulta pública, um outro instrumento de manifestação.

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— O método que foi acertado é passivo, de mão única. Na audiência e na consulta, você só fala e não tem direito a resposta. Não existe o direto ao contraditório — diz Lino Peres, arquiteto e professor aposentado da UFSC, à reportagem. Ele tem se manifestado em diferentes audiências em nome do Fórum da Cidade.

À reportagem, o secretário de Mobilidade e Planejamento Urbano na capital havia minimizado as críticas ao processo, em entrevista na última terça (19).

— Esse é o processo adequado e mais coerente de construção. Nós já colocamos, no passado, estratégias iniciais em uma minuta para fazermos a discussão e fomos criticados por isso. Agora que queremos colher mais informações para compor uma minuta, também somos criticados. 

— Então me parece ser crítica de quem só quer barrar o procedimento. Se essas pessoas têm tanto a colaborar, que coloquem suas ideias. Falta colocarem ideias. Senão só fica o não pelo não, só uma discussão sobre um processo que a gente entende que está sendo conduzido de forma adequada, inclusive com o monitoramento do Ministério Público — disse Mittmann.

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Como a legislação prevê que elas deveriam ser

Engenheiro especialista em planejamento urbano e professor da UFSC, Elson Pereira diz que o processo de participação poderia ser ampliado em etapas.

— Uma participação de qualidade deveria ser feita em três turnos: um avaliativo, um propositivo e um terceiro de validação. Este último poderia ser feito por um grupo representativo dos distritos e de setores, desde que isso fosse acordado no início do processo — afirmou.

Também professora da UFSC, a arquiteta Marina Toneli diz que isso é reforçado pelo Estatuto da Cidade, além de duas resoluções do Conselho das Cidades (ConCidades), as de números 25/2005 e 83/2009.

O regramento estabelece que a participação popular na elaboração de um plano diretor deve se dar durante todo o processo, do diagnóstico dos problemas à sugestão e à validação das soluções.

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— O estatuto destaca a importância e a obrigatoriedade de uma participação significativa, como um exercício pleno de cidadania, e não apenas informativa. O problema hoje é que foi colocado pouco para ser debatido e também pouco tempo para o debate — diz a pesquisadora, que destaca o calendário apertado da prefeitura.

Ela lembra ainda que o problema já é histórico. O plano diretor atualmente em vigor chegou a ser judicializado, já depois de aprovado, também por falta de efetiva participação popular. O caso só foi resolvido em 2017, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) arquivar contestação do Ministério Público Federal (MPF).

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