O churrasco à mesa fumegando, a família reunida e o relógio marca 13h35min. Só os olhares ansiosos voltados para um computador na cozinha perturbam a cena típica de domingo da família de Alair Machado, 49 anos. Na casa do filho, em Navegantes, Litoral Norte, a camareira de hotel espera de pé que uma visita surja na tela do notebook. Depois de 27 anos, ela e a filha, Miri Levran – adotada por uma família de Israel – vão se falar pela primeira vez.
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Em volta, os dois filhos e as noras falam ao mesmo tempo, dão dicas, agitam o ambiente, enquanto Alair se refugia no silêncio. Na hora marcada, uma mensagem pede para a conversa ser adiada. A mensagem de Miri lida em voz alta transfigura o semblante da mãe para o desapontamento. Foram muitos adiamentos no último ano e, após a confirmação do DNA, no dia 15 de maio, Alair teme que a filha desista. Não desta vez. Miri apenas colocava o bebê para dormir.
Passam-se 30 minutos e a jovem aparece na tela.
– Não sei o que falar – diz Alair baixinho para a tradutora, uma amiga da família, que fala inglês.
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Por instantes, Miri e Alair ficam apenas se olhando. A jovem sorri. Com o semblante tranquilo, Miri quer saber por que a mãe lhe deu à adoção. Atenta à tradutora, Alair dá a resposta que a sufocava:
– Quando você nasceu eu não tinha como ficar com você, porque ninguém me aceitava em casa. E então apareceu uma pessoa querendo te adotar. Fiz para que você não ficasse sofrendo – diz, com cuidado.
Após mais de uma hora do começo da conversa, a mãe pede perdão e as palavras buscam mais proximidade.
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– Pedi para Deus para saber onde você estava. Nunca esqueço a data do teu aniversário, 23 de março. E mesmo de longe e não tendo contato com você, sempre te amei.
Miri responde que não é preciso perdoar e que nunca esteve brava, mas confusa em alguns momentos.
– Quero que a senhora seja feliz, porque sou feliz aqui e o que aconteceu pertence ao passado. Sem ressentimentos – alega, tentando confortar a mãe.
Ao fim da conversa, a moça criada por pais adotivos em Israel já não parece desconfiada como há um ano e meio, quando descobriu o paradeiro da mãe com a ajuda da ONG Desaparecidos do Brasil, em janeiro de 2012. O que ela ainda não sabe direito é que a mãe, camareira de um hotel em Porto Belo, em 1986, foi apresentada a uma suposta advogada a quem doaria a filha por falta de condições financeiras. Na maternidade, em Tijucas, Alair mal teve tempo de amamentar a filha. Logo descobriu pela polícia que o bebê havia sido levado para o exterior por uma quadrilha de traficantes.
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Com a descoberta de que os dados de Miri e Alair coincidiam, um frágil elo entre mãe e filha começou a ser construído nos últimos14 meses, culminando com o encontro pela internet, em 14 de julho. O abraço ainda não tem data, mas Alair mantém o coração cheio de esperança em rever a filha.