Após o julgamento do caso Márcio Chagas – árbitro que sofreu insultos racistas na serra gaúcha e encontrou seu carro depredado, com bananas sobre a lataria -, o clube comemorou a sentença do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD). Saiu no lucro ao levar uma multa de R$ 30 mil e perder o mando de campo por cinco jogos. A procuradoria da corte vai recorrer da decisão.

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– Graças a Deus, deu tudo certo – festejou o presidente do Esportivo, Luis Oselame. – Ficamos felizes por não nos tirarem pontos (do Gauchão), que era a nossa maior preocupação.

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Dois dos quatro auditores que julgaram o clube (Álvaro Paganotto e Paulo Abreu, o relator) pediram sua exclusão do campeonato. Também queriam o corte de seis pontos na tabela. Mas prevaleceu o voto do presidente da comissão julgadora, Marcelo Castro, que optou por uma pena mais branda ao lado de Paulo Nagelstein.

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O centro da polêmica era o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, sobre o qual cada auditor tinha uma interpretação diferente. Conforme o texto, a perda de pontos no campeonato – que poderia rebaixar o Esportivo à Série B – ocorrerá quando o ato discriminatório “for praticado por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva”.

De acordo com o presidente Marcelo Castro, as pessoas vinculadas ao clube seriam dirigentes ou funcionários. E quem proferiu ofensas contra o árbitro foram torcedores. Já Paulo Nagelstein reconheceu que os torcedores mantêm vínculo com o clube – mas ponderou que “os 15 ou 20 que gritaram insultos” não podem ser classificados como um “considerável número de pessoas”. Álvaro Paganotto contestou:

– Havia 170 pagantes no estádio. Neste caso, 20 pessoas é um número considerável.

– Se não conseguimos apontar os torcedores, temos o dever de punir o clube – pregou o relator Paulo Abreu.

Até uma testemunha convocada pela defesa do Esportivo confirmou ter ouvido berros racistas. Sargento do Pelotão de Operações Especiais, que fazia a escolta da arbitragem ao final da partida, Luiz Ricardo afirmou que torcedores gritavam “macaco” e “negro ladrão”. O procurador Alberto Franco, que denunciou o Esportivo, repetiu o relato das testemunhas de acusação, os bandeirinhas Antônio Cesar Padilha e Marcelo Barison.

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– Volta para a selva, macaco, negro imundo, safado, escória do mundo. Como o senhor olharia para o seu filho se fosse ofendido assim, presidente? – questionou Franco dirigindo-se a Marcelo Castro.

Procurador entrará com recurso

O procurador do TJD, Alberto Franco, que pediu a perda de nove pontos e a exclusão do Esportivo do Gauchão pelo caso das agressões de racismo contra o árbitro Márcio Chagas, disse que procurou uma condenação “pedagógica” no tribunal. Com este mesmo tom, na próxima semana ele entrará com recurso da decisão. Lamentou que os votos dos quatro auditores da 2ª Comissão Disciplinar do TJD se baseassem apenas em argumentos técnicos.

Primeiro, a sua acusação segundo a qual a torcida que fez os xingamentos era vinculada ao clube acabou rebatida pelos auditores.

Segundo, quando a promotoria disse que havia “considerado” grupo de 10 a 15 torcedores proferindo xingamentos, os auditores alegaram essa quantidade não é exatamente “considerado”. Com argumentos assim, as penas mais duras contra o Esportivo acabaram derrubadas.

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Sociólogo vê ganho com condenação

O sociólogo Edilson Nabarro considerou “ganho político” a pena aplicada ao Esportivo no caso de racismo, embora ele mesmo acredite que o julgamento acabou “saindo barato” ao clube. O mais importante, segundo ele, é que houve condenação e, portanto, dita um comportamento e coíbe novos casos de insultos raciais nos estádios de futebol.

– Eu não esperava a pena máxima (exclusão do campeonato, perda de nove pontos e multa). Acreditava na pena possível neste momento. O resultado da partida deve ser mantido, os jogo jogado deve ser respeitado, porque, afinal, as agressões vêm sempre da torcida – disse Nabarro, vice-coordenador de Ações Afirmativas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Segundo ele, o próximo passo é fazer com que os clubes coloquem em seus estatutos internos mecanismos que coíbam atos de suas torcidas.

– No julgamento do Esportivo já houve uma culpabilidade, cria uma jurisprudência, e os outros clubes estão vendo a revolta que isso gera. Estão vendo que há uma condenação. Podia ser de R$ 300 mil a multa, mas também de R$ 30 mil faz efeito. Importa é que houve condenação, é esse o recado. Temos de ir em frente – reforçou o sociólogo, após o julgamento.

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Nabarro defende um outro ponto de vista. A partir de agora, não basta pedir desculpa. Não basta ser contra o racismo. Segundo ele, os clubes têm de implantar leis internas que proíbam manifestações de intolerância racial:

– O clube tem que colocar as leis no estatuto.