O ano de 2019 começa positivo para 1,1 mil trabalhadores que a partir do próximo dia 14 deste mês retornam as suas funções na BRF, em Chapecó. Eles estavam no sistema de lay-off (afastamento do funcionário por um prazo determinado que vai de dois a cinco meses, em que ele continua à disposição da empresa) desde julho do ano passado.
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Estes e outros empregados do setor sofreram com o reflexo dos embargos e as operações policiais em torno da agroindústria ocorridas desde 2017 e que desencadearam na interrupção de abates, fechamento de empresas, férias coletivas e demissões. Além do retorno desses empregados, a BRF anunciou a retomada do segundo turno de perus em abril, o que vai gerar mais 700 vagas.
A retomada do setor começou a ser observada já no final do ano passado, com a empresa Jaguafrangos, do Paraná, assumindo a unidade de Ipuaçu e retomou os abates, o que acabou preservando 600 empregos. No final do ano, o México anunciou a habilitação de 26 novas plantas, uma delas a de Ipuaçu (SC). Em novembro, a Rússia reabriu o mercado para o Brasil.
— A gente vê que acertou em aceitar o lay-off, pois isso garantiu o direito aos trabalhadores num momento difícil e agora os funcionários voltam ao trabalho com seus empregos e seus direitos garantidos — afirmou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carne de Chapecó e Região, Jenir de Paula.
Ele está com uma visão otimista de 2019, como um ano de recuperação da produção, o que vai movimentar a economia.
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Cenário positivo na economia para 2019
Segundo o analista do Centro de Socieconomia e Planejamento Agrícola da Epagri, Alexandre Giehl, o cenário para a agroindústria em 2019 é otimista, após um crescimento positivo no segundo semestre do ano passado.
— Em maio chegou a ter uma queda de 35% na produção, devido à greve dos caminhoneiros. O primeiro semestre foi muito ruim devido a isso, aos embargos e à sobretaxações chinesa. Foi um ano que ninguém morreu de tédio, foram fortes emoções. Mas no segundo semestre (2018) a gente visualizou um cenário positivo — avaliou Giehl.
O especialista disse que as boas exportações em Santa Catarina permitiram um crescimento estimado em 5,9% no abate de suínos, que fechou o ano com mais 1,18 milhões de toneladas. No entanto, no caso do frango, devido à suspensão dos cortes em várias unidades, a produção registrou uma queda de 10%, de 2,15 milhão de toneladas para 1,95 milhão.
Para entidades da agroindústria, outros fatores devem influenciar positivamente no setor, como o aumento na importação de proteína animal de frangos, suínos e bovinos por parte da China, uma previsão de 400 mil toneladas.
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— O Brasil é um dos países que tem condições de atender esse mercado. A perspectiva é muito boa — disse o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra.
Salto de qualidade e redução de custos
Depois de fechar 2018 com números negativos, a Associação Catarinense de Avicultura (Acav) prevê um crescimento de 1,39% na produção de frango e, de 2% a 3%, na produção de suínos, para 2019.
O presidente da entidade José Antônio Ribas, disse que as dificuldades de 2018 serviram para o setor se aprimorar.
— O aumento nas exigências serviu para nós produzirmos com ainda mais qualidade e diminuir custos. Mesmo nas dificuldades continuamos as expansões, aumentamos nossa participação no mercado e mostramos que Santa Catarina é um case de sucesso — disse Ribas.
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Outro fator que contribuiu para o otimismo foi China que mostrou um apetite voraz, aumentando em 10% a compra de frango e 250% a carne de suíno. China e Hong Kong responderam por metade das exportações de suínos. A queda no preço do milho e da soja, além da previsão de uma safra recorde, o que reduz custos de produção, também trouxe confiança para agroindústria.
Um passado desafiador
O ano de 2018 foi de prejuízo para as agroindústrias catarinenses. As três principais empresas instaladas no Estado amargaram perdas consistentes. A BRF acumulou prejuízo de R$ 812 milhões no primeiro trimestre, R$ 1,5 bilhão no segundo trimestre e R$ 114 milhões no terceiro trimestre.
A JBS teve um bom início de ano, com sobras de R$ 500 milhões no primeiro trimestre, mas no segundo acumulou despesas de R$ 911 milhões e R$ 133 milhões no terceiro trimestre. A Aurora Alimentos também fechou o ano com um prejuízo de cerca de R$ 100 milhões.
— Foi um ano muito desafiador, a gente já vinha com dificuldades devido à operação Carne Fraca, a perda do mercado europeu fragilizou as exportações e corroeu as margens de lucro e com a greve dos caminhoneiros trouxe um prejuízo na cadeia que levamos 60 a 90 dias para nos recuperarmos — analisou Ribas.
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Cronologia da crise na agroindústria
Março de 2017 – Operação Carne Fraca
A Polícia Federal investigou cerca de 30 frigoríficos por depoimentos e escutas telefônicas e afirmou que funcionários ofereciam propinas por certificados de qualidade adulterados.
Dezembro de 2017 – Suspensão da exportação russa
Rússia, que comprava cerca de 40% da carne de porco brasileira, suspendeu as compras, alegando presença de ractopamina na carne, substância utilizada na alimentação dos suínos que é liberada no Brasil e em outros países, mas proibida pelos russos.
Março de 2018 – Operação Trapaça
Nova operação policial, denominada Trapaça, que identificou fraude em laudos laboratoriais de salmonella de algumas empresas.
Abril de 2018 – Embargo europeu
O Ministério da Agricultura suspendeu, preventivamente, a exportação de alguns produtos para a Europa, tentando evitar um embargo por parte dos europeus. Mas não adiantou, o velho continente tirou da lista de exportação 20 empresas brasileiras, sendo três da BRF de Santa Catarina: Chapecó, Concórdia e Capinzal. Resultado: a indústria então anunciou férias coletivas na unidade de Capinzal.
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Maio de 2018 – Greve dos caminhoneiros
A paralisação afetou diretamente o setor. Milhares de pintinhos foram sacrificados no campo e ovos descartados. A ABPA estima em R$ 1,5 bilhão os prejuízos após a greve.
Junho de 2018 – China sobretaxa frango
Governo chinês alegou que produtores do Brasil estavam praticando dumping – venda de produto com preço inferior ao do mercado internacional.
Desemprego atinge três pessoas da mesma família no Oeste
Em junho deste ano, quando a BRF começou a cogitar a suspensão dos abates e algumas demissões, Cesariana da Rocha, de 58 anos, que há 24 anos trabalhava na empresa em Chapecó, pensou em sair.
Ela vivia uma rotina desgastantes de trabalhar no serviço de inspeção federal e ainda ajudar a cuidar da mãe, Angelina Vieira da Cruz, de 83 anos, que acabou falecendo posteriormente. Além disso já estava aposentada com um salário mínimo.
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Mas o que ela não esperava era que o filho, Cristiano da Rocha, que trabalhava na equipe de higienização e a nora, Patrícia Fernandes, era monitora, também estivessem na lista dos demitidos.
— A minha rotina estava puxada e eu quis sair, mas eles levaram um choque, pois foram pegos de surpresa. Eles davam a vida pela Sadia. Ainda tem a prestação da casa que estão construindo, de R$ 700 por mês para pagar e usavam o FGTS para abater as parcelas. Às vezes até perco o sono — disse.
Há três meses Patrícia ficou grávida, o que trouxe alegria para a família, porém vem junto a preocupação com as despesas. Afinal, Patrícia não poderá voltar a trabalhar tão logo.
Da família apenas o marido de Cesarina, Claudinei Schmitz, que continua empregado, como motorista de ônibus escolar. Com a saída da BRF, ela abriu mão do salário de R$ 1.694,00 e ficou apenas com a aposentadoria de R$ 954,00.
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Com isso parou a construção de uma casa na chácara que possui na localidade de Água Amarela.
Para complementar a renda ela faz crochê e vende lingerie, com o que consegue cerca de R$ 200 por mês.
O filho e a Nora moram no porão da casa de Cesarina, no bairro Efapi, enquanto esperam que a casa fique pronta, o que está previsto para fevereiro deste ano.
Mesmo com a previsão da BRF de contratar mais 700 pessoas no próximo ano, Cristiano afirmou que não deve se candidatar. Ele demonstra ainda estar chateado com a demissão inesperada.
—Fiz um curso de vigilante e já tenho um emprego engatilhado. Espero voltar a trabalhar logo — disse.
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Cesarina também está tentando um emprego de monitora de ônibus escolar, na empresa que o marido trabalha.
Mesmo com as demissões na família ela disse que ficou feliz com a notícia da retomada dos abates na empresa, pois tem muito amigos que trabalham na unidade. Além disso mais demissões iriam complicar o mercado de trabalho.
Avicultor de Chapecó volta a trabalhar
Depois de cinco meses com os dois aviários vazios, devido à suspensão temporária dos abates pela BRF de Chapecó, o avicultor Fernando Villani, de Nova Itaberaba, voltou a receber 16,6 mil pintinhos no dia primeiro de dezembro.
— Quando ficou sem alojar teve noites que não conseguia nem dormir direito, a gente depende da avicultura e não sabia o que fazer. Foi muito bom que voltou e agora vou trabalhar dando risada por ver de novo os bichinhos no aviário — disse.
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Com 31 anos de idade, o avicultor começou a cuidar o aviário de um vizinho desde os 18 anos. Há seis anos resolveu investir R$ 650 mil em dois viveiros, que tem ainda duas parcelas para pagar, o que dá cerca de R$ 100 mil de dívida.
Ele precisa produzir para pagar as contas. Villani conta que a empresa bancou uma ajuda de custo durante os cinco meses parados, o que dava cerca de R$ 88 por aviário/dia. Essa era a única renda dele e dos pais, com quem mora, numa propriedade de oito hectares.
— A nossa renda caiu cerca de 70% e a gente economizou onde dava. Agora estou feliz com a retomada e primeiro quero pagar as contas para depois fazer novos investimentos — falou.
Funcionária confiava na retomada da BRF
Há 12 anos e nove meses trabalhando na Sadia, que depois virou BRF, a funcionária do setor de refile de pernas de frango, Virte Vieira, disse que em nenhum momento se assustou com o anúncio de 1,1 mil funcionários da empresa entrariam em “lay-off”, que é a suspensão dos contratos de trabalho. Ela afirmou que não temia pela demissão caso o mercado não desse demonstrações de recuperação.
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— Em nenhum momento tive esse receio. A gente trabalha aqui durante todo esse tempo e sei que a empresa é uma potência não é à toa. Confio nos gerentes e gestores e eles deixaram claro que era uma situação momentânea. Tinha certeza que iria voltar — disse Virte.
Durante o período de lay-off ela contou que aproveitou para fazer cursos obrigatórios para o pagamento do salário, que nesse período foi bancado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
— A gente aprendeu bastante coisa, um pouco de tudo, sobre os processos em geral, sobre orçamento, que pode ser aplicado tanto na empresa como na vida — destacou.
Apesar de receber apenas 80% do salário que recebia na empresa durante esses cinco meses, ela afirmou que não precisou cortar gastos, pois já tem um planejamento que permite uma sobra.
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— Até gastei mais do que gastava, um dos motivos foi a formatura da minha filha em Administração — disse.